Christina Negro Silva
"O Educador educa a dor da falta cognitiva e
afetiva na construção do prazer"
Madalena Freire
Não atrelar autoridade (direito
de se fazer obedecer, domínio , influência , exercício do
poder - segundo os dicionários )
à figura do
professor é quase impossível na
imaginação dos maiores
de 40 anos.Sentimos
na carne ou
o sabemos pelas
nossas recordações dos bancos escolares,
qual o “peso”
da autoridade docente : tapas, puxões de orelha e toda sorte de
agressões que nós, crianças brasileiras éramos sujeitos. Nada mais coerente
para aquela escola de então.
O escritor Viriato Correa
descreve, no livro Cazuza, o temor
que um grupo de escolares sentia por seu mestre. Por qualquer brincadeira em
sala ou não compreensão da lição - hora
de levar bolos nas mãos. Bolos eram
assim chamados os ferimentos produzidos pela palmatória - um instrumento de
tortura muito empregado em nome da disciplina e respeito infantis.
Maus tempos!
Há que se lembrar da famigerada
“vara”- empunhada pelos mestres, na Idade Média, a qual simbolizava “amor” aos
pequeninos.
Outros tempos!
Não muito “antigamente” quando
cursava a quarta série do I Grau (hoje chamado 5º ano do Ensino Fundamental),
levei um tapa na cabeça porque, repulsivamente, tapei os ouvidos com as mãos
por não suportar os gritos histéricos de minha professora que teimava em
ensinar tabuada a um menino aos berros.
Foi-me difícil encontrar coragem
para, aos dez anos, tentar reverter o quadro de opressão em que vivíamos, no
dizer de Freire - a característica do
oprimido é o medo de falar. Contei o
ocorrido à minha família. Meu pai tomou minhas dores e foi falar com o Diretor
do Colégio, que, ao solicitar explicações à professora, foi surpreendido por
sua atitude:chamou-me de mentirosa e expulsou-me, literalmente, de sua
sala de aula.
Tempos dolorosos!
Quantos alunos deixaram a Escola
vítimas de maus tratos? Quantos resistiram ao horror? Quantos reprovados tiveram
que“ comer o pão que o Diabo amassou”
novamente no ano seguinte ?
Os tempos mudaram.
A
LDB reza sobre a Escola livre e democrática para todos. No seio de
escolas públicas e privadas, entretanto, continua a haver evasão, repetência, desinteresse em aprender,
faltas, indisciplina como sempre - o que não condiz em nada com a Legislação brasileira.
Há que se reinventar outra
estrutura escolar. No dizer de Freire- a
reestruturação da Escola,...implica na
mudança da concepção do que é aprender, do que é ensinar e do que é ser Educador.
E o que é ser Educador? É ter vocação para ensinar? Ensinar o quê? Sobre isso, Rubem Alves nos
diz
...vocações são como plantas. Vicejam e florescem em nichos ecológicos,
naquele conjunto precário de situações que as tornam possíveis e - quem sabe -
necessárias. Destituído esse habitat, a vida vai murchando, fica triste, mirra,
entra para o fundo da terra até sumir.
Alves utiliza-se conotativamente
do termo plantas, para distinguir metaforicamente professores e Educadores.
A seu ver, os educadores habitam um
espaço artesanal de relação a dois onde a Educação acontece - São velhas árvores !
Já os professores habitam outro
espaço, o descartável. O que lhes interessa é o crédito cultural que os alunos adquirem em uma determinada
disciplina e para fins institucionais. Não faz diferença quem administra esse
crédito, para Alves, são eucalíptos -
essa raça sem vergonha que cresce depressa para substituir velhas árvores
seculares que ninguém viu nascer, nem plantou...(Alves)
A analogia utilizada é
pertinente. Velhas árvores são frondosas, abraçam a todos que precisam de sua
sombra, têm identidade própria, são lembradas, reconhecidas, enquanto os
eucaliptos servem apenas aos interesses comerciais - tanto faz um ou um milhão
deles, todos são iguais.
Como,então, distinguir
professores de Educadores nas escolas?
Os poucos educadores que teimam
resistir nos nichos ecológicos das
instituições de ensino, acabam, por vezes, influenciando outros professores através de suas atitudes alegres,
cheias de carinho por seus alunos.
O escritor Ziraldo no livro Uma professora muito maluquinha, vem avivar nossa memória infantil :
...antes de a sineta tocar para o início das aulas, nós todos já
estávamos amontoados em frente à porta da sala...As velhas professoras não
entendiam nada ! ... Ela entrava voando pela sala (como um anjo ) e tinha
estrelas no lugar do olhar. Tinha voz e jeito de sereia e vento nos cabelos.
Seu riso era solto como um passarinho. Ela era uma professora inimaginável.
Inimaginável? Nem tanto. Conheci
alguns quando criança e nos corredores das escolas ainda encontramos muitos
Educadores, que estabelecem relações afetivas com seus alunos, criam situações
de aprendizagem baseadas no respeito - na alteridade -revêm constantemente sua
prática pedagógica e optaram por
uma visão de mundo
que oferece possibilidades para uma reorganização vagarosa e difícil daqueles
elementos que, em nossa ação, são os mais difíceis de serem organizados : bondade
sem que isto signifique tolerar tudo, coragem sem fanatismo, inteligência
sem apatia e esperança sem cegueira. Todos os outros frutos da
filosofia são de importância secundária..(Kolakowski in
Alves, Rubem.)
Onde estão eles vicejando ? Acreditamos que todas as instâncias educacionais
têm muito a contribuir, mas só
servem para “limpar o terreno. A maior mudança virá daqueles que vivem o ensino. De
dentro ( Ilari,Rodolpho)
Por este pressuposto é possível
então transformar eucaliptos em
carvalhos ? Por acreditar que
ainda há espaços para isso no interior das escolas, presto-me a este exercício
metamorfósico, justamente porque
comungamos com Sousa a mesma opinião :
Não basta tomar conhecimento das críticas que são feitas, é preciso
construir, a partir delas, a própria análise e reflexão, individual e
coletivamente, na escola; o que desencadeará...um compromisso com uma prática
capaz de promover permanência, terminalidade e ensino de qualidade para todos.