Plinio Montagner
Arthur Schopenhauer, um dos maiores filósofos
do século XIX, nascido em Danzig, Polônia (1788-1860), dedicou um capítulo de
sua obra Aforismos Para a Sabedoria na Vida à alegria de viver, afirmando que
todas as limitações do homem são fontes de felicidade.
A tese é: que
quanto mais bens materiais e espirituais o indivíduo tem, mais conhecimentos
ele adquiriu durante sua vida, menos tempo ele tem para si, para seu corpo,
para sua alma, para seus prazeres.
Um atleta que se esforça para melhorar seu
desempenho, e consegue ultrapassar sua marca, certamente ele vai ficar contente
porque ultrapassou seu limite, mas com o tempo – agora vem a desvantagem - ele
vai precisar continuar a se esforçar para manter sua marca ou superá-la. Isto
vai torná-lo continuamente insatisfeito e angustiado. O desejo de melhorar não
para.
À primeira vista
o paradoxo é estranho mesmo. Quanto mais limitado for o nosso domínio
intelectual e visual, e quanto menor for o campo de nossos conhecimentos e contatos,
tanto mais bem-aventurados, mais prósperos e felizes seremos.
Acho que um
amigo tinha razão quando me disse: - Comecei a ser infeliz quando comprei minha
segunda camisa; eu era sozinho, tinha só um par de sapatos e uma camisa; agora
tenho casa, carro, cartões de crédito, uma chácara, e um monte de problemas.
Então é isso: quanto
mais riquezas, mais trabalho e... menos tempo para prazeres. Schopenhauer disse
mesma coisa de modo diferente: quanto mais se alargam nossos conhecimentos,
tanto mais nos sentimos atormentados e atemorizados.
Muitas
desvantagens são agregadas às vantagens. Por exemplo: dinheiro enseja desejos
de se adquirir coisas. Mas são coisas de que não precisamos e que vão nos dar
trabalho imenso para tomar conta delas: guardar, zelar, registrar, vender, doar,
e ainda perdê-las, vão ficar em desuso, enferrujar, se estragar pelo prazo de
validade vencido.
Quem pouco tem e
menos sabe, vive na simplicidade, gasta menos porque não conhece supérfluo, que
não é nada mais do que esse conforto extravagante que é o luxo desnecessário.
O indivíduo que
consegue ficar imune a isso, se satisfaz com o suficiente, porque o pouco lhe será
bastante.
As pessoas
deficientes, os cegos, por exemplo, aparentemente não são tão infelizes como
deviam ser a priori, ao contrário, eles
têm uma aparência e fisionomia quase risonhas, serenas e doces.
Tentando ainda entender
a questão dos limites de nossas aptidões, observe que na segunda metade de
nossa vida começamos a ficar menos alegres do que éramos na primeira. O corpo
sadio e bonito muda, a diversão diminui e o trabalho aumenta, os horizontes se
ampliam, nossos contatos se estendem, os caminhos ficam perigosos e distantes.
Felizmente na
infância tudo parece que fica perto, e menor; a vida é risonha, descomplicada e
simples por culpa da inocência.
Começo a entender
o filósofo. O ecletismo intelectual e a sabedoria em excesso desfavorecem as
possibilidades de sermos alegres.
É isso mesmo: a
limitação favorece nossa felicidade.
Já ouvi algumas
vezes esta citação: “Está cada vez mais difícil encontrar homens inteligentes
felizes”. Goethe, contemporâneo de Schopenhauer, afirmou: “Na medida em que vamos
adquirindo conhecimentos instala-se a dúvida”. E mais perto do nosso tempo,
Nelson Rodrigues escreveu em uma crônica: “Finge-te de idiota que terás o céu e
a terra”. Traduzindo: o humilde, o desinformado e o menos lapidado sofre menos
e tem mais prazeres.
As pessoas têm
pena dos fracos e ao mesmo tempo têm resquício de inveja dos vencedores e dos inteligentes.
Menos excitações resultam menos vontades, menos frustrações e tédio. E para fugirmos de nossa angústia experimentamos
a luxúria, o luxo, o jogo, a bebida, a droga, tudo que causa prejuízos, ruínas e
desgraças.
Na pintura e na
literatura temos observado o único gênero dos autores é
pintar momentos felizes projetadas por criaturas felizes em ambientes restritos
e na simplicidade. É a constatação de que o menos é o mais. O trabalho
intelectual puro dá ao espírito mais força para realizá-lo do que os temas da
vida material.
Quanto mais alto
está alguém na escala do sucesso, tanto mais solitário estará. Ser diferente ou
muito inteligente pode ser ruim, o homem acaba se isolando da sociedade.
O sábio se isola
da sociedade não por soberba, mas por não ter outra opção.