Pedro
Israel Novaes de Almeida
Em tempos de severo policiamento e
velada censura, é normal, e incômoda, a busca de termos e expressões que não
deixem a mínima dúvida quanto ao real significado da palavra e intenção do eventual
autor.
A rigor, não existe qualquer
diferença em dizer que alguém pertence ao estrato LGBT, ou que é uma bichona ou
um sapatão. No atual contexto, só o termo LGBT não soa preconceituoso ou
ofensivo, embora os demais possam soar naturais e inofensivos, ao autor.
Outrora, dizia-se que todos tínhamos
responsabilidade pelo que saia de nossa boca, e não pela interpretação causada
no ouvido alheio. Ocorre que palavras e expressões, repetidas por gerações,
possuem o condão de transmitir preconceitos e depreciações, e é justo que
sejam, a qualquer custo, evitadas.
As palavras possuem significados
personalíssimos, ao sabor de vivências, culturas e tradições de cada um. A nós,
o termo “preto” soa como uma simples, carinhosa e inofensiva referência, ao contrário
de “negro”, nada simples e tampouco inofensivo.
As piadas foram as maiores vítimas
da crescente onda de policiamento e censura de palavras e expressões.
Tornaram-se formais, métricas e até sem graça.
Marchinhas de carnaval tendem a
parecer óperas, quase impedidas de expressões do tipo “seu cabelo não nega” ,
“Maria Sapatão” e “ Olhe a cabeleira do Zezé”.
Em um contexto de radicalismo
ideológico e primarismo conceitual, movido a chavões, um dos subprodutos de
nossa crise, até Monteiro Lobato acabou sendo censurado, por escrever que
alguém subia na árvore “como uma macaca”. Por pouco o festejado autor não teve
os livros apreendidos e reimpressos, com modificações.
Foram fundados tribunais de exceção,
que promovem cruéis linchamentos de
pessoas que teriam dito, em algum tempo, uma ou outra frase infeliz. Muitas
vezes, a frase sequer existiu, ou teve seu contexto distorcido.
Existe, e viceja nas redes sociais,
uma espécie de esquizofrenia coletiva, que só agrava a tensão que todos
vivemos. Trata-se, em verdade, de um terrorismo de interpretações.
A crescente radicalização, e a
ferocidade das reações, acabam vitimando a espontaneidade natural das pessoas,
que tendem a medir palavras, segundo o ambiente onde estejam. Existe uma
truculência pouco disfarçada, com predisposição para sentenciar com a pior das
interpretações qualquer palavra ou expressão.
Até a imprensa mudou seu estilo.
Hoje, um criminoso confesso, que teve o crime filmado, com milhares de
testemunhas, é referido como “suspeito”.
Hoje, a maldade habita mais o ouvido
que a boca.