As reuniões do Grupo Oficina Literária de Piracicaba são realizadas sempre na primeira quarta-feira do mês, na Biblioteca Municipal das 19h30 às 21h30

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MEMBROS DO GOLP

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FOTO DE ALGUNS MEMBROS DO GOLP

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Com o escritor Ignacio Loyola Brandão

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Reunião na Biblioteca

sábado, 29 de janeiro de 2011

Mercados

Plínio Montagner
(crônica publicada na Gazeta de Piracicaba)
Nossos escassos e fugazes leitores, como dizia nosso saudoso amigo, advogado, professor e escritor A. Henrique C. Cocenza, às vezes nos pedem para comentar um ou outro assunto.
O Mercado Municipal de Piracicaba foi mencionado algumas vezes, e merece mesmo alguns comentários e sugestões.
Mercados existem em todas as cidades, de todos os tamanhos, tradicionais e modernos. O povo frequenta mercados, os políticos frequentam, o pobre e o rico.
Mercados são lugares que vendem de tudo; aquele produto ou objeto que não é encontrado em nenhum lugar, no mercado tem.
O objetivo principal dos mercados é abastecer a despensa de nossas casas, mas é também é um lugar de bater papo, de relacionamentos, de olhar por olhar, de ir por ir, de tomar café, de comer pastéis e tomar caçulinha. Mercado não sugere luxo, todo mundo vai de cara limpa e com a roupa que está.
Pessoas têm mania de mercado; vão até para desestressar e ver gente. É difícil sair do mercado sem ter visto um amigo ou alguém conhecido. É realmente um lugar gostoso de estar. Pelo menos deveria ser.
Gostamos de mercados, mas de mercados limpos, com comida por quilo, com bares bonitos, mesas limpas, estacionamento amplo, e coberto, essas coisas.
A cidade de São Manuel, de aproximadamente uns cem mil habitantes, tem um mercado de fazer inveja - no tamanho, no estacionamento coberto, nos produtos, no acesso etc. É uma mistura de mercado e shopping. Tem até ar condicionado.
Os mercados com o tempo foram perdendo sua finalidade original. O objetivo era o lugar para ser lugar de escoamento da produção rural, sem intermediários.
Nosso mercado está meio repulsivo: é pequeno, mal cuidado, feio, o estacionamento é ruim, andar pelas bancas é difícil. Praticamente não há balcões. O que existe entre comprador e vendedor são produtos e mais produtos, prateleiras e prateleiras. Os clientes precisam se contorcer na hora de pegar as compras e pagar.
Existe um antigo ditado: cachorro que tem muitos donos morre de fome. Pois é. Os concessionários (ou locatários) e a Prefeitura são indiferentes demais ao que acontece além das bancas. Não há interesse em agradar os fregueses, nem conforto, uma pia, um banco, carrinhos de compras, sanitários decentes e respeito.
O prédio do nosso mercado poderia ser mesmo tombado; assim o tempo iria demonstrar como os frequentadores aguentaram tanto tempo tanto pouco caso.
O tempo da Maria Fumaça passou, das charretes, dos bondes e dos armazéns também, mas o bom gosto, respeito, conforto e higiene continuam. O futuro é o hoje. Passado é lindo, mas é museu, só serve para lembrar, não para servir.
Os mercados em algumas cidades são pontos turísticos, mas por aqui essa possibilidade é difícil. Os sanitários parecem banheiros de restaurantes de beira de estrada de confins dos sertões.
Seria interessante a fiscalização e a vigilância sanitária darem uma passada por lá. Falta tudo: papel higiênico, toalhas de papel, sabão.
Mercado sugere alimentação, que sugere higiene, que sugere saúde. O povo é bobo mesmo, fica habituado com o ruim e não reclama. O jeito seria derrubar e começar tudo de novo, apesar da confusão que iria dar.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Prosa e Verso - 11 anos de produção literária


O jornal A TRIBUNA PIRACICABANA mantém há quase 11 anos a página literária semanal Prosa e Verso, idealizada por Ludovico da Silva, mais antigo membro do Grupo Oficina Literária de Piracicaba - GOLP - fundado há 22 anos.
As edições são feitas em parceria com outra integrante do grupo, Ivana Maria França de Negri.

A página foi criada para divulgar os textos desenvolvidos pelos frequentadores do GOLP. Atualmente, além da produção do grupo, abre-se às colaborações de escritores e poetas da cidade e de outros locais.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Águas que rolaram


Ruth Carvalho Lima de Assunção

O retrato à minha frente traz ao cotidiano a presença do Prof. Cocenza que há tão pouco tempo se encaminhou para o além, levando toda aquela imaginação criativa de uma perspicácia e humor sem paralelos. O escritor mineiro nos fez feliz em suas narrativas, tendo como pano de fundo sua terra natal, CRISTINA, cidade mineira, nunca esquecida em seus contos publicados na “A TRIBUNA”.
Muitas águas já rolaram sob a nossa ponte velha, muitos autos diuturnamente cruzam-na nos dois sentidos levando e trazendo o abraço dos irmãos.
Os nossos irmãos de alem ponte que se envaideçam, aquilo esta ficando um primor. Com a nova ponte em construção logo em breve teremos um movimento muito mais ordenado e seguro sobre o rio-paixão que nos finais de ano promovem euforias e pesadelos.
Era gostoso, lavava a alma quando víamos as águas perto da Escola, Grupo Escolar “FRANCISCA DE CASTRO” que se perdeu no presente, mas ficou na lembrança dos que vivenciaram seus dias de trabalho e dedicação de seus professores e seu diretor, Seu Canto.
E até hoje continuo fã de minha professora do 1 ano, aquela jovem e linda moça que me alfabetizou. Seu nome eu o tenho na ponta da língua. Começa com G.
Mafalda era o seu nome. Perdeu-se no tempo e no espaço. Eu queria muito acompanhá-la quando a via ir para a escola. Sem minha mãe saber um dia ela me levou e fui matriculada sem documentos. Em meu diploma constava meu nome de batismo, aquele que todos costumavam me chamar. Afinal tudo foi consertado, mas meu nome para aqueles que me conheceram nos primeiros bancos, continua a ser o nome de batismo.
Antes de entrar no grupo vivia com as minhas preocupações. Todas as noites no reuníamos para orar para que a revolução terminasse, pois São Paulo não concordava com o ditador São Paulo queria uma Constituição.
Meu pai se alistou no batalhão dos professores. Quando ouvíamos a sirena, eu e meu irmão corríamos aqui para o centro, a fim de saber das notícias. Meu irmão lia as notícias para mim e voltávamos correndo para contar à mamãe.
Mamãe olhava para os meus pés. Eu estava sempre descalça. E aí ouvia aquele sermão.
Felizmente a revolução de 32 durou pouco, mas muitas vidas jovens se perderam. São Paulo levou a pior.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Convite - Lançamento do jornal Notícias Fraternas da CAF



Recebemos o gentil convite do Evair para o lançamento do jornal Noticias Fraternas da Casa do Amor Fraterno e repassamos a todos

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Por que ter uma linda moradia?

Elda Nympha Cobra Silveira

Temos anseio em adquirir uma boa casa ou apartamento e fazemos muitos sacrifícios para isso. Depois de comprados, às vezes precisamos reformar para que fiquem ao nosso gosto. Daí: troca azulejo, piso, carpete e os itens vão sendo acrescentados. E o desfile começa: decorador, jardineiro, marmorista, especialista em gesso, e naquele entusiasmo todo, vamos deixando a moradia conforme nosso sonho de consumo; mesmo que para isso sejamos obrigados a fazer hora extra para poder saldar compromissos, que muitas vezes se tornam insolúveis...
Quando chega o momento de morar no imóvel reformado as dívidas ainda estão pesando no orçamento por muito tempo ainda, e toda a família já está perdendo a calma e o sono por causa da tal dívida. Até o dia que tudo se resolve e: “Ufa! Vamos dormir tranqüilos porque essa etapa foi vencida. Vitória! Agora ela é nossa finalmente.”Mas ainda pesam no orçamento os gastos com condomínio, empregada doméstica, faxineira, gás, luz , telefone, internet, televisão e “otras cositas mas.”
O nosso pensamento é viverem todos juntos, em família e bem instalados numa bela moradia. Mas vamos analisar: os filhos quando pequenos ficam nas escolas, e em outras atividades educativas ou esportivas. Seus pais vão para o trabalho e mal têm tempo para virem almoçar em casa. As mães passam muitas horas do dia transportando seus filhos para suas atividades e além de trabalharem fora, têm que deixá-los com babás ou empregadas domésticas.
Os membros da família mal se vêm porque todos estão muito apressados para sair novamente. À noite um dos pais faz cursos noturnos e quando chega, seus filhos precisam ir dormir, pois no outro dia levantam-se muito cedo. Os anos passam e os filhos vão estudar fora da cidade e o casal aproveita esse tempo para sair à noite para freqüentar eventos por lazer ou estudos noturnos.
A casa então serviu para quê? Ela foi usada apenas para dormir! Isso mesmo! A casa tão sonhada se transforma numa casa dormitório ou num hotel! Como uma família consegue se manter unida, se não há tempo para um dialogo, um contato mais carinhoso e sem pressa?
Quando viajamos e ficamos num apartamento pequeno, percebemos que não precisamos de tanto requinte. Tudo é resolvido simplesmente. Viveríamos muito melhor com muito menos e percebemos como é gratificante estarmos todos juntos. É um resgate dos momentos íntimos entre todos da família. A vida física para nós tem um valor preponderante, como se todos os bens da Terra fossem eternos e acabamos nos assemelhando aos antigos egípcios e outros povos que cultivavam as ideologias do além tumulo. Por que então viver tão preso a tudo que é material? É um contra-senso se sabemos que tudo será deixado aqui. Nós damos aos imóveis o mesmo valor que uma criança dá a um brinquedo.
A família desde os tempos imemoriais são pessoas que se admiram reunidas ao pé do fogo, por isso a lareira simboliza o lar. Ao invés de conversarmos num grupo familiar trocando idéias e acertando ponteiros, sem brigar lógico, ou apenas sendo ouvinte de um desabafo, vamos nos abrir no consultório do terapeuta, porque não temos esse tempo aberto para o diálogo. Declaramos amor pela internet com nossos amigos, mas não falamos ao vivo, porque não temos tempo para nos encontrar.

domingo, 23 de janeiro de 2011

JANELA


Janela
Ana Marly de Oliveira Jacobino

A tinta descascada deu um charme especial à janela. Nos vidros a história explora sutil seu rosto enrugado por momentos. Divago... Ouço a voz do tempo!

sábado, 22 de janeiro de 2011

Olhos de Oceano

OLHOS DE OCEANOLídia Sendin

Miranda colocou os braços sobre o parapeito da janela e apoiou o rosto neles, pensativa, os grandes olhos azuis perdidos no infinito não viam as imagens reais à sua frente.
O pensamento voltava nostálgico ao passado, ela via somente com os olhos da alma.
Criança agitada e esperta tinha sido a alegria dos pais, já maduros, orgulhosos da filha temporã, de cabelos de anjo loiro emoldurando o rosto sempre rosado de onde sobressaiam os olhos cheios de luz.
Seu pai, o mais coruja dos pais, não passava um dia sequer sem ressaltar a beleza de seus olhos – parecem duas gotas de oceano, dizia, enquanto beijava-lhe a bochecha corada.
Nunca dera importância devida às palavras do pai, a nenhuma delas, infelizmente.
Agora, enquanto olhavam para o nada, as águas salgadas daqueles pedaços de mar jorravam abundantes, sulcando o rosto melancólico, com uma tristeza tão profunda quanto o mais profundo dos oceanos.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Caixa surpresa

Leda Coletti

O bisavô Nicolau, de bigode e cabelos grisalhos, não estava entendendo nada do diálogo dos bisnetos. Ouviu vagamente umas palavras estranhas: “deletar”, “backspace”, “out-look,” “pen drive”...
Não conseguia acompanhar a conversa dos guris. Achava-os um tanto distantes, por não quererem mais ouvir suas histórias do sítio do Pica-Pau Amarelo, nem mesmo se interessando tanto pelas pescarias aos domingos. Sentiu saudade do tempo em que os ajudava nas tarefas escolares. Gostava de ver seus cadernos, livros e, juntos, quebrarem a cabeça para resolver alguns problemas de Matemática. Sentia-se orgulhoso quando voltavam da escola e diziam:
- Bisavô, o senhor ensinou certinho aquela conta.
Agora, no entanto, andava aborrecido e se sentindo abandonado, pois eles não o procuravam mais e viviam falando por códigos; também em relação aos programas de lazer. Os garotos que inauguraram a bandinha das crianças e adolescentes do bairro, se recusavam a tocar flauta e sininho.
-Isso já era, Bisa.
Em vez de tocarem tais instrumentos, preferiam os de percussão, num som altíssimo, o qual atrapalhava seu sono noturno. Sim, porque os guris ensaiavam as músicas no velho porão da casa.
Um dia, eles lhe apresentaram aquela caixa que, além de ser grande novidade, fazia quase tudo em matéria de escrita. Mas não era só nessa área; além de ver lindas ilustrações, ouviu músicas antigas, modernas e as notícias atuais. Era uma segunda televisão e com mais possibilidades de escolhas de programas.
Vibrou quando os bisnetos lhe mostraram a velha Itália, focalizando aspectos culturais e até cidades próximas daquela onde nasceu. Então ele matou a charada, do motivo pelo qual andavam desinteressados por alguns assuntos e distrações, que os ocupavam anteriormente.
Quis também aprender a lidar com aquela geringonça. Começou a dispensar até a tevê colorida. Não demorou muito para se tornar mais um novo internauta. Não acreditava que, com os seus oitenta e oito anos de vida, fosse aprender algo tão interessante, e graças aos pestinhas queridos, seus amados bisnetos! Aquela caixa, batizada como computador, passou a ser para ele a maior invenção dos últimos tempos.
Hoje, o bisavô Nicolau, satisfeito da vida, diz aos poucos colegas de sua idade, quando estão matando o tempo no banco da praça:
- Preciso ir andando. Vocês não fazem ideia, colegas, como estou a viajar ultimamente!
E, despedindo-se deles, convida-os:
-Querem ir até à Itália? Eu vou navegar até lá, agora mesmo.
Os companheiros, ainda alheios às peraltices do colega Nicolau, nada entendem e observam após sua saída:
- O amigo Nicolau deve estar caduco, ou, pior, pirou de vez.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Sonho, logo existo

Lídia Sendin

Nos dias calmos em que se abre a agenda e não se tem nenhum compromisso é bem capaz da gente ainda não estar acordado, por isso Sonia voltou para a cama, fechou os olhos e esperou o despertador tocar. Mas, pouco a pouco ela percebeu que aquele dia era especial, no calendário o número brilhava em vermelho no meio da semana e a perspectiva de fazer qualquer coisa naquela tarde vazia encheu seu corpo de adrenalina e ela pulou da cama cheia de projetos.

Pela manhã cuidaria dela mesma: um banho demorado, um café tomado na varanda, com calma e prazer, nada pra esquentar a cabeça, a não ser talvez o secador de cabelos. As possibilidades eram tantas que no fim da manhã ainda não tinha decidido o que fazer. “Posso criar minhas circunstâncias e mergulhar nelas como patinhos na água”, pensou.

Logo após o almoço sentou-se preguiçosa na poltrona mais confortável da sala e seu olhar perdeu-se na paisagem que só parava nas montanhas ao longe. Pegou o livro que a muito ela lia com vagar por falta de tempo e entrou na história como se pudesse sentir na própria pele as alegrias e tristezas da apaixonada heroína. Seu olhar vagava das páginas do livro ás dobras da cortina que teimavam em lhe roçar os cabelos à cada lufada de vento. Aquele marasmo da tarde entrava suavemente janela adentro e ficava difícil manter os olhos abertos.

O movimento rápido das pálpebras e o rosto iluminado pelo leve sorriso indicavam um sonho em andamento. Vagando pelos caminhos do inconsciente a garota idealizava o homem perfeito: cavalheiro, mas firme, sensível, mas determinado, inteligente, porém não presunçoso e muito, muito romântico, sem ser piegas, naturalmente.

Tão perto estavam um do outro que ela podia sentir sua respiração e seu perfume. Suas mãos se tocaram e tudo ficou luminoso como um fim de tarde. A estrada a sua frente se abre e os dois caminham enlevados em direção ao horizonte vermelho do pôr-do-sol.

De repente ele para, passa os braços ao seu redor e aperta seu corpo contra o dela. A jovem prendeu a respiração e aguardou ansiosa uma declaração de amor eterno digna de um filme romântico. Mas, pausadamente, olhando em seus olhos ele falou: “Não se apaixone por mim querida, sou apenas uma criação, uma ilusão passageira, um sonho bom numa tarde de verão.”

Um vento mais forte fez a cortina roçar em seu rosto abrasado e ela acordou sobressaltada, amaldiçoando a brisa que a acordara no melhor momento, sem dar tempo a ela de contestar o argumento do rapaz.

O livro tinha escorregado do seu colo para o chão e enquanto se abaixava para pegá-lo meditava cheia de dúvidas: afinal tudo o que conhecemos é verdade para o pensamento mesmo que não seja verdade para a realidade. Como sei se não estou sonhando agora e o que vivi a minutos atrás era realmente minha vida? E a paixão por sua vez não é sempre passageira? Então qual era a novidade nas palavras do herói da minha fantasia?

Enquanto abria novamente o livro suspirou tristemente. Ah! Como seria bom se a vida fosse um sonho e as noites reais pudessem ser esquecidas.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Até onde seremos culpados?


Elda Nympha Cobra Silveira

As nuvens esparsas foram se agregando e formando figuras grotescas, ao sabor do vento que soprava, obedecendo às ordens climáticas. Quando todas se agruparam, desanuviaram por inteiro, dardejavam raios e trovejavam e mandavam para a Terra chuvas torrenciais, que intimidavam a todos.
Nesse momento, o gado amedrontado corria pelo pasto em galope desabalado, à procura de abrigo. Mas ai deles! Se buscassem as árvores, seriam alcançados pelos raios e morreriam carbonizados. Mesmo assim, ali se abrigaram...
As águas caiam dos céus como castigo, levando pontes, inundando casas e matando quem encontrassem pela frente. Era mesmo uma calamidade! Depois da tormenta uma chuvinha miúda, fininha e mansa era despejada pelas nuvens e tudo se acalmou e ficou cheirando à terra molhada.
Antes, os homens haviam pedido aos céus que mandassem chuva, batendo latas e tambores, fazendo muito barulho para despertar os deuses da natureza. Foram atendidos e receberam a chuva. Agora suplicavam para que a ira dos deuses fosse aplacada e não mandassem mais chuva. Eles foram piedosos e não choveu mais.
A Terra foi ficando calcinada e gretando rapidamente, a ponto de nada mais crescer entre as rugas daquele solo ressequido. Assim, um céu limpo e sem nuvens foi tornando a terra inóspita. Sedentos, os animais morriam aos milhares, deixando as carcaças à mostra na terra árida. Jamais tinha acontecido um período de seca parecido. Sem água, sem árvores nem a caatinga resistiu. O mar transformou em deserto, os rios pareciam estradas ladeadas de gargantas e grotões, tudo que havia neles desaparecera. Sem animais, sem plantas nem esperança, os homens não conseguiam entender porque aconteciam aquelas alterações que rapidamente iam transformando tudo num deserto.
Muitas hipóteses foram levantadas e algumas chegaram a concluir que tudo ocorrera, porque chegou um tempo em que nada satisfazia o ser humano, porque ele tinha pensamentos imediatistas, não tinha amor à sua terra e só queria usufruir dela, derrubando as árvores por causa da madeira, sem esperar que dessem frutos. Essa maneira de agir abalou todo o ecossistema terrestre, pois ninguém se lembrou daqueles que viriam depois. Comeram tudo e se entupiram sem deixar sobras para ninguém, nem para seus filhos.
Assim, os homens migravam de um lado para outro, sem saberem para onde ir, e somente encontrando uma forma cada vez mais profunda de um caos absoluto. Muitos sobreviventes, sentindo-se solitários, num lugar ermo, abandonados ao deus dará e sem esperança, buscavam a morte. Milhares de outros, movidos ainda por uma longínqua esperança, se reuniam, para orar. Dobravam os joelhos pedindo aos céus que mandassem novamente as chuvas, mas as nuvens estavam tão longe dali que não podiam ouvir aqueles lamentos, e o vento soprava levando-as para mais longe de onde ainda existisse água para que os seus vapores não as transformassem em nuvens de chuva. Vagarosamente, com o passar do tempo, as orações foram sendo substituídas pela competição, pela lei do mais forte, e os homens perceberam que sem brutalidade não conseguiriam sobreviver.
Todo potencial ao qual a humanidade tivera acesso e do qual sabia fazer uso, era obsoleto. Não havia mais água encanada, nem modernidades. Luz, só a do sol causticante, porque não existia mais eletricidade. Como poderiam se comunicar, na busca de outros sobreviventes se não dispunham de televisão, computador, carro, gasolina. Tudo o que tinham usufruído um dia, no momento, era virtual e sem a base cientifica que possibilitaria fazer uso dessas facilidades. Era complicado fazer contas sem uma calculadora, saber as horas sem relógio. Enquanto os sobreviventes perdiam a noção do tempo, contavam os momentos da vida pela passagem dos dias e das noites.
Estavam a zero e teriam de começar um mundo novo, muito diferente, sem a infra-estrutura que conheceram advinda do progresso, do desenvolvimento e da tecnologia. Sentiam-se como astronautas abandonados num mundo ermo sem esperança de socorro ou de resgate. Era como se tivessem retornado à Idade da Pedra.
Se aparecesse um animal teriam que se defender dele da mesma maneira que seus ancestrais, da mesma forma fariam se precisassem caçá-lo para se alimentar.

****
Então ele percebeu que nada havia aprendido para essa nova realidade... Nesse novo mundo seria um inútil. Não teria competência nem para sobreviver! Nisso ele ouviu o som de um avião a jato que passava deixando seu rastro e num pulo saiu da sua cama coberta por um edredom e, aliviado, foi beber um grande copo de água gelada.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Tragédia das chuvas


Ivana Maria França de Negri

Desta vez o estrago não veio com as famosas águas de março a desfechar o verão, mas sim de um verdadeiro dilúvio em pleno janeiro.
Muito se tem falado da água, de sua escassez, do futuro incerto do abastecimento mundial, da conscientização das pessoas da necessidade de economizar o precioso líquido para que não venha a faltar.
Mas a natureza, sempre submissa, passiva, suportando sucessivas depredações, incêndios criminosos, derrubada das suas centenárias florestas, desvio do curso de rios, destruição da camada protetora de ozônio, poluição de seus rios e mares, de repente mostra seu poder, só um pouquinho da sua força descomunal, apenas para lembrar o quanto é poderosa.
O homem foi muito além em sua ambição e a Mãe Natureza se defende e dá seu recado para mostrar que é ela que está no comando.
Prefeituras autorizam habitações em locais de risco. Mata ciliares vão sendo substituídas por construções e o crescimento urbano desenfreado desestabiliza a segurança. Mesmo sabendo que é arriscado, as pessoas constroem casas de veraneio, hotéis e pousadas ao pé dos morros. Os pobres constroem seus barracos em áreas perigosas, ocupam as encostas e os governos fecham os olhos.
E o resultado dessa irresponsabilidade, podemos constatar quando chegam as chuvas de verão, tragédias anunciadas que poderiam ser evitadas.
Cidades alagadas, morros deslizando, pontes destruídas, árvores arrancadas pela raiz, postes tombados e asfalto e casas levados pela correnteza. Caos, tristeza, dor, e muitas vidas ceifadas.
Enxurradas formam verdadeiros rios arrastando tudo consigo. As paisagens são desoladoras, tudo enlameado e as pessoas não sabem por onde recomeçar. Muitos perderam tudo o que levaram décadas para construir, mas ainda assim, não perdem a fé, e agradecem a Deus por terem a vida poupada.
Esses episódios servem de alerta a todos nós, que nos consideramos os reis da natureza. Achamos que podemos utilizá-la ao nosso bel prazer, profaná-la e submetê-la aos nossos caprichos.
Talvez por isso ela mostre, às vezes, todo o seu potencial. E o faz através de tempestades, raios, terremotos, maremotos, furacões, inundações, erupção de vulcões e outras manifestações poderosas, diante das quais os seres vivos nada podem fazer.
E quando isso acontece, o homem acaba repensando suas atitudes e recolhe-se à sua insignificância. É a voz de Deus alertando-nos. E constatamos quão vulneráveis somos diante da sua grandiosidade.
Para muitas famílias, o sonho acabou. Restam escombros, tristeza e apenas um fiozinho de esperança para recomeçar.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O licor irlandês

O licor irlandês
William Moffitt Harris

Eram já oito horas da noite e minha esposa lavava as coisas do jantar na cozinha. Ainda morávamos em Osvaldo Cruz na Alta Paulista. Resolvi telefonar para o colega e nosso amigo José Afonso Tavares e convidá-lo para bater uma prosa em casa. Também já tinha jantado.
Assim que chegou, falei:
Tavares, hoje é o Dia Nacional da Irlanda e meus irmãos e eu, como bons descendentes daquele estóico e bravo povo, costumamos festejar tomando um golinho, e apenas um golinho, de um licor que de lá veio especialmente para a gente. Tanto é, que dividimos a gar rafa em quatro e cada um ficou com um pouco. Nem rótulo minha garrafa tem.
Fui buscar nossa garrafa na despensa e me desculpei enquanto tirava o pó, porque só a pegávamos naquela data, uma vez por ano.
Tavares me acompanhava com o olhar. Era de falar pouco, quando atento.
Derramei um pouquinho em dois pequenos cálices para licor, tomando o cuidado de não passar da metade e informei:
Só tem uma coisa, Tavares: tome bem devagarzinho porque é forte; na verdade, é muito forte. Sabe como é o clima lá naquelas partes, Irlanda, Escócia, Noruega, etc. O povo lá está acostumado com coisas mais fortes do que a gente aqui nos trópicos, mesmo em fins de outono, como agora.
E, bem lentamente, dava o exemplo. Não tínhamos nenhuma bolacha típica irlandesa para oferecer, mas a Maria Lúcia tinha torrado um pouco de amendoim. Continuamos a conversar trivialmente e eu observava meu amigo de perto, porque sabia o quanto ele era influenciável por uma boa conversa.
Não deu outra.
Mas que bebida gostosa, William. Realmente é muito, muito forte. Acho que nunca tomei algo tão alcoólico em minha vida. E que sabor! Dá até impressão de ser de alguma dessas frutas exóticas dos Alpes que a gente nem conhece.
Dos Alpes, não diria, Tavares, mas, provavelmente, dos morros perto de Cork no sul da Irlanda, onde viveram alguns de meus antepassados.
Já tínhamos quase esvaziado nossos cálices, tomando o famigerado licor, de golinho em golinho, de permeio ao amendoim.
Que coisa forte, William. Sabe que estou até me sentindo meio tonto?
O que é isto, Tavares, imagine só se meio cálice deste vai lhe afetar. Eu servi só um pouquinho, principalmente porque o licor da garrafa precisa durar pelo menos por mais dez anos.
Não, fora de brincadeira, William, meu caro colega, já nem estou enxergando direito. Não vou nem tomar o restante. Acho que você vai ter de me levar para casa, depois desta. Amanhã cedo venho pegar o jipe.
Fiquei, realmente, preocupado. E se o Tavares despencasse e tivesse um coma hipoglicêmico psico-induzido?
Eta, doutor Tavares, sabe o que o nobre colega acabou de tomar?
Ué, você já não me disse que era um licor irlandês?
É, mas foi somente uma brincadeira. Acabamos de tomar Vinho Reconstituinte Silva Araújo Roussel do SARSA! Poderíamos tomar o vidro todo e, certamente, acostumados quen b somos a uma boa caipirinha que você me ensinou a fazer, nada sentiríamos.
Recuperou-se na hora e desandou a rir. Acendeu seu cigarro de palha e, entre tossidas, pigarreadas e baforadas, deu muitas gargalhadas.
Continuamos bons amigos até seu falecimento aos oitenta e cinco anos de idade em novembro de 2007. Deixou muitas saudades!


Primeira versão publicada no livro do autor ERA UMA VEZ UM MENINO TRAVESSO São Paulo: Legnar Editora, 2004 (esgotado). Apresentado, ligeiramente modificado, na 110ª Tertúlia Literária do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL no Núcleo de Santo André em 12/09/2009 (12ª reunião de Sto. André), na reunião “ Academia em Poesia” da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S.Vicente – SP em 14/09/2009 e também na tertúlia literária do Movimento Literário Saberes e Sabores – MLSS de 22/02/2010 em S. Gonçalo do Sapucaí – MG. Pediatra Sanitarista. Professor Doutor da USP (aposentado). Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do MMCL. Membro Titular da Associação Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES desde 2003. Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras (Cadeira 94 – José Afonso Tavares Filho) e Associado na Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” . Isto aconteceu em 1962. Mantivemos nossa amizade até seu falecimento em novembro de 2007. Seu nome foi perpetuado na Cadeira 94 da Academia Maceioense de Letras.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O perfume

O perfume
Eloah Margoni

Nos últimos dias, com o maluco novo anti-sistema de informática do Detran, se minha moral no trabalho baixou, se a preocupação bateu pesada à porta como novo desafio profissional, ao menos as pernas se exercitaram bem e queimei gordura. Durante uns cinco dias seguidos andava da Ciretran ao meu consultório (uns quatrocentos metros), pelo menos quatro vezes ao dia. Contem e multipliquem, por favor, idas e voltas. O restante do tempo era ao telefone tentando falar com a Prodesp, e aqui faço parêntesis, falar com a Prodesp não sei por que, pois quando a musicazinha (diminutivo de música; se não for, leia-se “musiquinha”, se também não for o diminutivo correto, deem um tempo, tá? pois Almodóvar fez um filme pra mim, “Mulheres à Beira...”). Enfim, quando a musicazinha parava e lá atendiam ao telefone, em nada nos ajudavam. Fecha-se o segundo parêntesis. Tem dois parêntesis dentro destes parêntesis.


Daí, eu ligava para o Departamento Médico do Detran, por recomendação da Prodesp, mas o telefone ninguém atende por lá. Passava mensagens eletrônicas que também ninguém lia, ou se as lia fazia que não; por aí vai. Nesta maratona de torturas, voltava eu à Ciretran, e assim sucessivamente. O calor sempre absurdo, sob sol de rachar mamona se é que ainda existe mamona, ia suando e punha, com frequência uma colônia lima/verbena que adoro, refrescante.

Numa das voltas da Ciretran, subia cabisbaixa a íngreme rua, com pensamentos escuros no hipotálamo, os quais se espalhavam por todo o sistema límbico, quando notei à minha frente dois homens simples que conversavam alto e animadamente, subindo a rua a pé também. Éramos só nós ali. Um dos homens era jovem, o outro com cinquenta anos talvez. De costas, pareciam pai e filho. Eu quase os alcançava quando o rapaz falou bem audivelmente:

- Que cheiro bom! De onde será que vem?
Ao que o “pai” respondeu:

- Será de alguma árvore por aqui...

Qual o quê! Pensei, aqui não tem árvore perfumada! Foi quando me dei conta que era eu, que já chegava à altura deles e os ultrapassava, que rescendia à verbena e à lima. Calaram-se, creio que percebendo que o perfume era o que eu usava. E era de plantas. É uma bobagem de nada bem sei, mas alegrou a tórrida tarde, talvez para nós três. Sim, pura besteira, mas muitas vezes são as besteiras que nos salvam a vida ou melhoram nosso brio. Imaginem só um perfume de plantas cítricas, no calor imenso da tarde, na aridez e austeridade da informática defeituosa!