Rogério
Gonçalves
Poucos saberão
se tratamos de história ou ficção. Ou, quase nenhum saberá. Melhor assim.
Personagens anônimos de travessia extensa, experiências vastas, entroncamentos,
desvios, construções e demolições.
Verdade. Assim
é melhor. Como explanar o cenário em que estou? Filho da madrugada, do frio da
noite, amigo da escuridão, irmão da natureza, admirador incansável do infinito
universo. Uma luz me guia. Dá a necessária luminosidade para escrever esparsos
parágrafos que aturdem minha mente.
Crônicas,
contos, passagens, são obras do acaso e, por vezes do ocaso. Acontecem. Como o
rio que, pertinho daqui, ouço correr em fria água, banhando pedras e levando
vida. Vento que balança árvores. Silêncio. Abrigo. Os animais dormem. Outros
vivem sua trajetória noturna e notívaga, face ao albergue da mansidão escura.
Para quê
nomes? Julgamentos? Textos são para ilustrar, embelezar, aprender,
admirar. Diante disso, sigamos.
Todos nós
seres vivos, devemos graças ao feminino. Não se trata de bajulação tola, mas de
dogma mais puro. Mesmo aquele fruto da iniquidade, abandonado por quem lhe deu
e concedeu o bem da vida, aqui chegou pela beleza da fêmea.
O dia, por
exemplo, é masculino. Ilumina-nos. Dá calor pelo irmão sol. Porém, só aparece
fruto da escuridão universal. Ela que, ao que tudo indica, nos acolhe e abençoa
pela e na mãe Gaia.
A mãe, a
fêmea, que segura, conduz, induz e se farta em ensinar. Minha caminhada foi
feita por elas. As meninas, estrelas, caminhos e entes de luz, fachos
brilhantes de sabedoria, conhecimento e sentimento visto serem abençoadas com o
dom da geração.
Podem pensar.
Tudo, todas as coisas, nascem das fêmeas. E que beleza tal verdade. Feliz
aquele que vê no cheiro, no andar, vestir, caminhar, acompanhar, as beldades
femininas.
Primeiro,
devemos para seguir neste parco texto, abandonar bem ou mal. O mundo não é
assim. Nada é tão nefasto ou, angelical. A dicotomia é algo que afaga nossas
mentes em razão de firmar conceito, e proporcionar uma reflexão mais linear e
menos abrangente. Abandone esta trilha. Abra seu horizonte. Sonhe vivendo,
nunca viva sonhando.
A mãe. Nada
traduz este porto seguro. Aquela que nos conforta. Vejam. Qualquer mãe
conforta. Até aquelas que tristes e desconhecedoras do dom que possuem,
abandonam. Antes disso, geram. Formam. Senão sempre, ao menos, são fio
condutor.
A primeira
lição minha de fêmea, foi da mãe. O estereótipo que todo ser masculino leva
consigo pela eternidade, mesmo os que pouco gozaram dela. Eu fui aquinhoado com
um ser maravilhoso.
Corajosa, por
vezes topetuda, arguta, sagaz e jamais temerária. Não tinha medo, do contrário,
soube desde cedo que para enfrentá-lo havia um truque simples. Bastava
causá-lo.
Nem sei se
gostava. Mas era naquela postura firme de palavras retas e jorrando enigmas
puros e repletos de malícia, picardia, que apontava onde e quando suas verdades
absolutas deveriam seguir. E não duvidem. Há vários signos e símbolos na vida.
Há também regras universais. Para nós puros machos, desconhecedores e desprovidos
de sentir o gerar, duas frases básicas com as quais tudo será mais fácil de
lidar com elas. Fêmeas tem razão, ou estão com a razão. Basta isso. Nada mais
simplório e fácil.
Antes de me
taxarem por menos viril, ou coisa que o valha, digo que as regrinhas acima,
postas em prática facilitaram e muito o trato com o ser dadivoso. Não, não é
submissão. Constatação. Vivência. Elas, quando tratadas nas regrinhas
maravilhosas, se questionam e por vezes, fazem o inverso do que diziam.
Justamente aquilo que você menino macho, queria. Não conte para elas tal
segredo. Fica entre nós.
Mãe,
formadora. Tive esta sorte. Asseio, disciplina, retidão, carinho e sempre a
verdade. Pode tudo, desde que assuma seus atos. Mãe tudo perdoa. Só não suporta
ser enganada. Típico delas. Nós, por vezes, admitimos um ceder que cheira
vítima e um engano, visando um bem que colheremos mais na frente.
Elas não. Eu?
Só aprendi com elas. Confesso. Vivo por elas. Fui criado pelas lobas. O pai,
fruto de trabalho do provedor macho, se afastou da cria, pela sabedoria que
possuía do poder delas. A avó que me mostrou aventuras, novidades,
desejos, quebra de paradigmas.
A tia frágil
que esbanjava doçura e singelitude. A mãe protetora, genitora, acolhedora e
símbolo da coragem feminina. A coragem da maquiagem da mulher que se embeleza
em potes, realçando seus mais belos dotes. A coragem da garra transgressora do
beijo, símbolo maior da entrega, onde dois se entrelaçam em um, e olhos
cerrados tudo enxergam.
Abraços,
carícias, afagos e mesmo correções feitas por elas, soam como sinos de badalar
felicidade. O som do acalanto.
Ouço passos
aqui do alpendre. Sons de folhas, talvez olhos de ninfas que, novamente, guiam
a escrita que flui.
Amei todas as
mulheres que conheci e gerei. Todas com tamanha devoção, em seus tempos, pouco
importando horas, minutos ou anos. Hoje, encontrei o seio de compreensão. Do
amor amplitude, onde desejo se funde a razão e compreensão. Não foi fácil
chegar aqui. Os solavancos foram inúmeros, por vezes beirando o desânimo e
mesmo o desprendimento e entrega para as trevas, mas, o quão prazeroso é
conhecer as fêmeas e viver para elas.
As filhas
lindas que tenho, senão tão perto o quanto gostaria jamais distante de
pensamentos, linhas e sentidos.
As minhas
modeladoras que já se foram, aquelas com que dividi os ninhos que fiz, ainda
que depois, eles se desfizessem ao findar da primavera.
A namorada
infantil que deu a mão e mostrou o beijo. Aquela juvenil com quem jurei casar
cuidei e, em desvio, traiu a confiança que tanto eu dei e construímos passagem.
Com todas só
aprendi. Reverencio aqui, as minhas deusas de amor, cumplicidade e ardor. As
Anas que homenageei ao partilhar da escolha em nomes de minhas crias. Crias
fruto do deus grego Dionísio, aquela com quem dividi boa parte de trilhas e que
quis o destino, colocar em nossas vidas um desvio.
Às namoradas
do orvalho, das estradas tortuosas ou não, que só me fizeram ver as
maravilhosas belezas das curvas. Aos meus amigos bichos, principalmente aquela
razão e divisão de agruras, fruto de salvamento meu, que jamais lerá este texto
grato e que a mim perdoa tudo. Trista, sem prejuízo de todas as meninas animais
que convivi, meu grande amor.
Aquela que me
fez soltar da mãe e construir aquilo que ela queria com o macho que desejara.
Lençóis, fronhas,
danças, abraços, o tato, o carinho, a querência gostosa. Tudo emaranhado,
misturado, como em prato de comida, onde cada garfada e bocada traduzem sabor
de acolhimento e saciedade.
Talvez a elas
deva meu vício por doces. Às minhas formigas que apontaram o quão saboroso é a
sensação gustativa do adocicado. Jamais abandono também o salgado. Este vem nos
devolver ao real e acordar na balança fêmea que é a dosagem igualitária e
necessária. Em qualquer situação.
As meninas em
que só sorvi paixão me deram o mesmo. A mão dupla do relacionamento, da
semeadura feliz, onde se plantando tudo cresce e floresce. Há os momentos de
geadas severas, de furacões, tormentas que, com sabedoria feminina posta em
prática, saberemos levar.
Elas erram
sim. E muito. Mas são como perfume quando em exagero, causam dor de cabeça, e
deixam algo de ruim no ar, porém dissipando vejo que novamente aprendemos pelo
aroma que foi deixado para trás.
Reverencio
vocês minhas meninas. Agradeço. Eu peço desculpas se não tive a clarividência no
momento em que as conheci, abrindo mão de um jardim que poderíamos ver em flor.
Só digo e
desejo à todos, principalmente à vocês, a felicidade que hoje vivencio.
Um novo arado,
uma nova obra, uma bela floreira. Com os dons de minha amada mãe que sei abençoar
do céu. Com o nome de minha avó que sorri altiva, gargalhando e
transbordando em lágrimas de ternura por eu ter enfim encontrado, o fermento, o
adubo do meu pequeno trajeto.
A rosa que eu
desejei à todas, que à algumas proporcionei, hoje colhi. Hoje vivo para ti,
minha Rosa, a rosa cor de rosa, a Rosa beldade que amo perdidamente, a flor da
minha parca existência.