Plínio Montagner
Morrer de
velho ou, antes da hora, ninguém quer saber dessa conversa. O que se quer saber mesmo é de alegria, de
viagens, boas comidas e bebidas, de família reunida, de saúde e de gente
contente. Ficar vivo e viver bastante é
o que interessa. Dinheiro vem depois.
Embora o fim
da vida seja um fato que não se pode evitar, o que é inaceitável é ficarmos
órfãos de pessoas boas, boníssimas, tudo por causa de um drogado, de um
motorista imprudente, de um delinquente qualquer, de um imbecil de má índole que
interrompe a vida de entes queridos e depois a continuar solto.
É impossível
também entender a morte, principalmente de crianças e de pessoas saudáveis. Quando
falece alguém beirando os 100 anos, a dor tem outra dimensão. Dizemos que
chegou seu dia, sua hora, coisas assim. Nesse ponto o sofrimento é menor, Isto
remete aos casos de indenizações: quanto mais idosa for a pessoa que morre,
menores serão os valores que a Justiça determina a serem pagos à família do
morto.
Não há mesmo o
que fazer para desviarmos, ou driblarmos nosso fim; mas podemos prolongá-lo um
pouco, indo mais vezes ao médico, por exemplo.
O não morrer não
existe. A diferença está em como se morre, e quando.
Quando é o
outro que morre, nossos sentimentos e momentos continuam registrados em nosso
cérebro. Não saem de nossa memória. É como se a pessoa não tivesse morrido. A
tristeza será muito maior e cruel, quanto mais amor dedicamos àquele que partiu.
O corpo, fonte
de prazeres e de beleza, um dia nos trai sem avisar. Desaparecerá. Sobrarão
sons, vozes, imagens evocadas por objetos, fotos, frases, lugares, músicas.
Aquele que
amamos nunca morre. Continuará sempre a fazer parte de nossas vidas. Meu mai,
minha mãe morreram há mais de 20 anos; sonho com eles praticamente todos os
dias. Se não sonho, comento com a Nazareth, minha mulher, algo que acontecia em
minha casa, na minha infância, particularidades do meu pai, de minha mãe, o que
faziam, os bolos, o jardim, a hortinha, os carinhos e os nãos, o colo, os
abraços.
Lembranças
boas e gemidos se repetem a toda hora. São as recordações do toque, dos abraços
suaves, ora apertados, dos beijos, das imagens e vultos nos espaços da casa
paterna.
Ganhos e
perdas, disto é feita a vida. Só perde quem tem. A vida é um bem que também se
perde.
O envelhecimento
começa desde o primeiro dia de vida. Depois, devagarzinho, a formosura se
desbota e se inicia a decadência do entusiasmo, o ímpeto da libido, os
bate-papos rareiam, e, à nossa volta, surge um imaginário deserto, um vazio de
coisas, de pessoas e de recentes lembranças.
Seria impossível
a existência contínua se nada morresse.
As folhas não
caem porque querem, mas porque tem de ser assim. Elas se soltam ao mais leve
sopro porque seus espaços precisam ser ocupados por outras, viçosas, que um dia
também se desprenderão.
Saúde e doença
nunca se separam. Sempre chega o dia em que a medicina perde o jogo.
Se o ser
humano fosse desprovido de consciência, o amor, talvez, não existisse, e o sofrimento
seria zero. Mas, então, por que é assim? Por que amamos?
Nenhum
filósofo explica isso, tampouco a morte coletiva causada por um tsunami ou de
uma boate que incendeia.
A morte não
está nem aí para a vida. Basta estar no lugar errado na hora errada.
Assim como
Deus, que supondo se o criador, Ele também não tem nada a ver com tragédias e as
finitudes.
No tempo
astronômico o homem nasceu há um segundo.
Ninguém
escapa. Vale para os honestos, os bandidos, os doentes, os sadios, jequitibás,
roseiras, pés de milho ou para um filhote de tico-tico.
Arnaldo Jabor,
um dos meus preferidos escritores e cronistas, diz que a morte virou lugar e
coisa comum, banal, normal. Não somos nada. Viver o hoje, só isso. O amanhã é
melhor esquecer.
Aquele que
alimenta e conforta, um dia ferirá o outro por ódio, por amor, por prazer ou por
divergências de um real. Os homens morrem por burrice e por não saber frear nem
se precaverem do atavismo.
É isso, só não
sabemos, quando nem como, se subitamente, se devagar, ou por alguma forma absurda
e inaceitável.
Arnaldo Jabor
lembra uma frase interessante de Guimarães Rosa: “Morremos para provar que
vivemos”.
Quis dizer,
talvez, que a morte serve apenas para provar que existíamos.