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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

BRIGA DE PASSARINHOS




                                                           Leda Coletti

              Já vi brigas entre gato e cachorro, perseguição do gato para com o rato. Até assisti a uma cena chocante, onde dois insetos- a aranha gigante e a vespa cassununga se atacaram e esta última deu cabo da primeira - escrevi até uma crônica sobre esse incidente lamentável.
             Sinceramente desconhecia que havia inimizade entre pássaros. Felizmente não os vi se atracarem, mas soube que devido à perseguição freqüente do bem-te-vi para com o casal de sabiás, estes brindam os fiéis da Igreja do Frades Franciscanos de nossa cidade, com seus cânticos maviosos, pois foi no interior do antigo templo que se refugiaram do incauto predador.
           Por esta razão, tive a felicidade de usufruir naquela manhã de novembro de um verdadeiro concerto  musical. No silêncio confortante, enquanto permanecia meditando e orando, eles cantavam para mim (que pretensão!) como se fosse para uma grande platéia.
            É início de novo ano. Não mais voltei àquele lugar sagrado. Não sei se as avezinhas lá continuam, mas não poderia deixar de registrar o quanto fui grata a elas- os cantores sabiás- pelos momentos prazerosos que me brindaram. 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

BAGUASSU (Passado e presente)



Plinio Montagner

Baguassu lembrou-me de meu pai com saudade.
Era uma pequena estação de trem entre as cidades de Santa Cruz das Palmeiras e Pirassununga. O nome, talvez seja pela beleza de coqueiros (babaçu) da fazenda São Luis, hoje sede de uma Usina do mesmo nome.
Meu pai era ferroviário, e morávamos numa casa ampla, construída pela Paulista, com um quintal sem fim, à beira do leito da ferrovia.
A década de 50 foi o tempo do romantismo, do amar à distância, das novelas de rádio, do terno e gravata, da brilhantina Coty.
As ferrovias esbanjavam limpeza, zelo, pontualidade. Os assentos dos vagões e encostos de cabeças eram tão limpos que dava receio de usá-los.
Trabalhar na ferrovia era um privilégio. As terras cortadas pelos trens eram muito valorizadas e o apito da locomotiva denunciava progresso. Trem era o único meio de transporte de passageiros e de escoamento da produção agrícola.
De repente, veio uma promoção e transferência do meu pai. Fomos morar em Araras, e depois em Pirassununga. A estaçãozinha ficara para sempre esquecida.
Trinta e cinco anos depois, não aguentei, voltei a minha infância. Levei minhas filhas Renata e Ana Paula, de dez e oito anos. A estação parecia aguardar a chegada de algum trem.  Segurava as mãos das meninas como quando criança eu agarrava a alça da minha bolsa de couro que abrigava cadernos e meu lanche de pão com goiabada.
A paisagem e a estação, quase tudo estava como antes: a plataforma, a sala do chefe, o telefone de manivela, o reservatório de água das locomotivas a vapor, as casas dos funcionários. Zumbidos de insetos quebravam o silêncio e potencializavam o abandono e a nostalgia.
Emocionei-me quando vi os dois pés de manga espada que eram os alvos preferidos das pedradas, minhas e do Zito, afilhado do chefe da estação, meu amigo de infância.
Manoel Carlos de Oliveira Pinto, o Zito, estudou violino e mora em Campinas onde mantém uma empresa de eventos sociais.
Passados outros trinta anos, voltei. Desta vez, sozinho, mas com uma máquina digital.
A plataforma e o leito da ferrovia, agora sem trilhos, deixaram a estação capenga. Coisas do tempo - faltava uma mangueira e as placas “Alt” (altitude), “Km”, “Baguassu”, “Chefe” e “Bagagem” haviam sumido, talvez retiradas por algum colecionador esperto.
A pia de ferro também desaparecera. Era onde as crianças lavavam mãos e cotovelos escorridos do amarelo das mangas.
Fiquei na plataforma a cismar por horas. Não sei se voltei leve. Talvez triste. O mundo está sem brilho, sem inocência.
Um fato. Eu tinha a mania desatinada de saltar do trem em movimento. Um dia não deu certo o pulo e caí. Fui parar aos pés do chefe da estação. Ouvi assustado - “Me dá seu passe”! Era o padrinho do Zito, chefe da estação, querendo o impossível.
Filho de ferroviário viajava de graça. Eu, sem passe? Deixei o chefe com a mão estendida, e fui... – como se diz.
Dizem que o passado deve ser esquecido, que é lenha calcinada. Bobagem.  Existem fatos e momentos inesquecíveis.
Sendo o futuro finito e incerto, viver o presente é decisão sensata.
Hoje, sem trens, goiabeiras e mangueiras, sem petecas, sem piões e sem espaços as crianças brincam e conversam sozinhas, virtualmente.
Os brinquedos antes adorados, hoje são desprovidos de lembranças; eles não têm passado sofrido, por isso se perdem em caixas e gavetas. Meus foram uns três ou quatro, e duraram a vida toda. Ainda guardo meu jogo de botão.
A causa de muitas tristezas é ter muito e o apego ao exagero.
Filosofando: “Nada é bastante para quem acha que é pouco o suficiente. O que importa é o que está em nós, pois quem tem muito dentro precisa ter pouco fora”.
Velhos amores devem ser esquecidos?
Sei lá!



sábado, 23 de fevereiro de 2013

APOGEU




Shirley Brunelli Crestana

Como será
quando eu tiver trilhado
todos os caminhos
e vivido todas as vidas?
Quando eu não mais precisar
de grades de proteção
de atitudes ensaiadas
e desta carne emprestada?
Quando eu deixar de ser
o que as fraquezas fizeram de mim
e minha individualidade
minha essência
meu eu
eu tiver encontrado?
Então
como  será
quando eu deixar de ser um viageiro
para ser um recém chegado?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

DIA CINZENTO



Maria Cecilia Graner Fessel

Um manto de cinzenta apatia
um desejo de silêncio e sombra
de fechar cortinas e fugir do dia...
Será quebranto isso que me assombra?

Nenhum anseio me ilumina a mente,
nada sacode esta mortal modorra,
o que ficou lá atrás ou inda vem lá frente
ganhar algemas ou ser negra forra...

É como estar à deriva na corrente
num barco folha de vitória régia
à dor e ao gozo alheia e indiferente
sem nenhum sonho ou lúcida estratégia.

Quão mal tremula em mim a luz da vida
que com tantos reparti a minha mesa!
Melhor seria, em meio a tanta lida,
já se apagar, que lutar por vê-la acesa...

domingo, 17 de fevereiro de 2013

O poder da oração *



Ivana Maria França de Negri

Muita gente pensa que recitar orações é a única maneira de rezar. Só que enquanto a boca diz os mantras decorados, a mente viaja para bem longe, e as pessoas não se concentram no que estão fazendo.
Estudei num colégio de freiras e elas sempre incentivavam as alunas a rezar. Havia rezas antes das aulas, antes das refeições e no final das aulas também. Havia as orações de agradecimento, de pedidos, ou simplesmente para externar o amor a Deus. Lembro-me de uma freira dizendo que devíamos sempre pedir em nossas orações para que o manto azul de Maria nos envolvesse e à nossa família, assim, estaríamos protegidos de todo o mal, de todos os perigos.
Eu era menina, e ficava imaginando Nossa Senhora coroada de flores, descendo dos céus em suas vestes brancas, douradas e azuis e estendendo o manto protetor sobre todos. Nunca mais me esqueci dessa imagem. Fui crescendo, mudando minhas maneiras de enxergar as coisas, o ato de rezar foi tomando outras formas, mas a imagem do manto azul de proteção, permaneceu.
Para mim, rezar é entrar em sintonia com o Universo e com o Criador de todas as coisas. É receber a energia pura do Cosmos (seria azul?...), ficar impregnada dela, e só então mandá-la, como se fôssemos um difusor gigante, para os outros seres, aos quais dedicamos nossas orações. Eles receberão essa alta carga de vibrações positivas e vão melhorar de seus males, pois doenças, aflições, medos, angústias, nada mais são do que falhas de energia.
Rezar é intermediar a energia pura do Criador fazendo com que flua diretamente para as criaturas.
Por isso as orações funcionam e têm alto poder de ajuda. Quando desejamos alguma coisa com muito ardor e fé, o Universo inteiro se move para que esse desejo se realize, pois se pedimos algo com muita força, esse “algo” se torna real.
Li outro dia, nem sei ao certo onde, pois leio tudo o que me cai nas mãos, que é bom mentalizar um círculo azul envolvendo a pessoa para a qual pedimos proteção. No mesmo instante que li, me veio a analogia com o manto de Maria que a freira pregava. E nessa publicação, afirmavam que o círculo azulado protegia as pessoas do mau olhado, da inveja, de todas energias e sentimentos negativos. Seria como um forte escudo que repeliria as negatividades, as coisas ruins.
Fiquei a pensar na beleza profunda desse pensamento! E lembrei que a Terra também é envolvida pela atmosfera azul que a protege e nutre.
Concluo que tudo é perfeito no Universo, que é o verso de Deus.
Rezar, orar, pedir, fazer uma prece, meditar, mentalizar, enviar energias, vibrações, cada um escolhe a maneira de se conectar com o divino. Para pedir graças, para agradecer, para dar glórias, ou simplesmente desabafar, “conversar” em silêncio, sem proferir palavras, apenas o coração se externando e a alma vibrando em sintonia com o universo.
Em minha recente viagem à África do Sul, tive a felicidade de ver animais vivendo livres em seus habitats naturais, sem precisar de veterinários, de parafernálias modernas ou ajuda dos humanos. A mãe natureza os protege e provê sua alimentação.
E foi sempre assim, pelos séculos e séculos... Amém.

*Texto publicado na Gazeta de Piracicaba

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

PERDAS NECESSÁRIAS



Maria de Fatima Rodrigues

“Em meu voo incansável aprendi muitas coisas, e quando minhas asas fraquejaram, pousei nas montanhas, criando forças para novamente voar!”  (filosofia budista)

Existe um momento em nossas vidas em que acredito, tenhamos de imitar as águias.
Elas precisam trocar seus bicos já arqueados pelo tempo, pois não conseguem prender uma presa, precisam trocar suas unhas, porque já muito compridas, não conseguem segurar a caça, e suas penas velhas e pesadas,  pois não conseguem alçar voo. Têm a sabedoria de isolarem-se no alto de uma pedreira, e sentindo dor e fome, começam a bater os bicos nas pedras até que eles caiam e sejam substituídos por bicos novos, leves e fortes; depois passam a arrancar as unhas para que venham novas e afiadas, e exaustas, porém não podem se entregar, ainda têm que arrancar as penas, para que novas plumagens venham cobrir seus corpos. Então, só assim estarão prontas para continuarem a viver, talvez mais vinte anos!!
Nós não podemos mudar nada em nossos corpos, pelo menos que estejam de acordo com a Natureza, pois, mesmo fazendo plásticas não adianta em nada. É claro que fazer correções melhora um pouco o aspecto, mas não nasce nada novo.
O pior é que, nesse processo de envelhecimento, as maiorias das pessoas estacionam também seus pensamentos. Como se o corpo pudesse inibir o espírito, a alma, ou até a mente. Mas... nossa mente pode reverter isso.
 Acredito que todas as perdas que vão aparecendo no decorrer de nossas vidas são NECESSÁRIAS.
Não as aceitamos plenamente, e muitas vezes nem é a perda da juventude, da energia, e da elasticidade do corpo, mas da importância que tínhamos para as pessoas, do status na sociedade, do poder, do discernimento para resolver problemas.
 Muitas pessoas não querem nem aposentar, eu acho isso um absurdo, mas conheço muitas pessoas assim.
Bom, é claro, que muitas querem continuar trabalhando porque se não o fizerem, o valor que passariam a ganhar em suas aposentadorias seria muito pouco em relação à qualidade de vida que possuem. Mas, mesmo neste caso, a vida também é sábia, porque em inúmeros casos a pessoa era provedora de outras que se aproveitavam de sua generosidade, mas como não poderão mais disso usufruir, se afastam, e isso é bom, daí haverá uma verdadeira seleção natural de pessoas que viviam ao redor.
Em muitos casos a revolta é consigo mesma, por não viajarem mais vezes como antes, não podem mais comprar roupas tão caras, enfim limites não só físicos, mas financeiros. A não aceitação  aos limites fará com que uma pessoa inevitavelmente procure a espiritualidade, seja como for, dependendo de seu grau de instrução.
No entanto, como dizem os conselheiros espirituais, a aceitação dessa realidade de uma forma serena só fará bem, pois o caminho de “volta” exigirá de nós muito mais do que o de “chegada”.
Quando “chegamos” (nascemos), tivemos que nos adaptar aos limites do corpo, às regras sociais, estudar, trabalhar para comer, ter um teto. Lutarmos pela sobrevivência, e o que aprendemos a ganhar, teremos que aprender a perder...
Assim como tivemos que aprender a nos apegar ao material para o bem viver, teremos que começar a nos desapegar novamente!
E para isso, nada melhor do que a sutil linguagem “criptográfica” das Leis da Natureza, visto que o corpo, as fortunas e os bens, não poderemos levar conosco.
Então, quaisquer que sejam as perdas que estivermos dando tanto valor no momento, podemos vê-las como o início da transformação para um Novo Ciclo!
Portanto, por que não criarmos novos hábitos, de acordo com nossa realidade? Podemos tentar afastar medos, aprender coisas novas, mudar conceitos, e quem sabe, aqueles mais corajosos, darem um novo rumo à suas vidas, um novo sentido.
Assim, mesmo que tenhamos que sofrer um pouco para, assim como as águias  que sofrem muita dor por mais ou menos uns seis meses trocando seus bicos, as unhas e as penas para viverem bem por mais vinte anos, podemos mudar o que for necessário, para também vivermos bem ainda neste mundo por mais uns vinte anos!!
É assim que compreendo o porquê da necessidade dos desapegos... será mais fácil, pois quando estivermos em outra dimensão não sofrermos tanto, e seguirmos em frente rumo à plenitude...

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O PAPA E O MURO




                                                      Pedro Israel Novaes de Almeida

            Seria insanidade pretendermos comentar a renúncia do Papa.
            Nossa cultura religiosa não vai além da esquina mais próxima, e nossos ritos não vão além do exercício diário da vida franciscana que levamos, mesmo sem renunciarmos a heranças e salários.
            Temos amigos fiéis extremados e ateus convictos, o que permite a conclusão de que religiosidade não é sinônimo de bondade. A bondade e a fraternidade humanas nem sempre são consequências da fé, mas virtudes pessoais.
            Invejamos os que professam qualquer crença, e fazem de tal condição um parâmetro em todos os momentos da vida. Tais crentes, que agem na terra conforme o que acreditam ser a vontade dos céus, são sobretudo coerentes, e, não raro, felizes.
            Há crentes de ocasião, como candidatos políticos que comparecem com assiduidade aos templos, em anos eleitorais, e crentes sociais, que fazem dos rituais um modo de vivenciar a sociedade e até valorizar a profissão ou comércio.
            As religiões curvam-se aos céus, mas disputam espaços na terra. O respeito entre os credos é falacioso, e existe uma guerra silenciosa entre eles, pela atração de fiéis.
            Dizem, com razão, que quanto mais carente e inculto o povo, maior o número de tendências religiosas a assediá-lo. Carentes e incultos são presas fáceis de falsos profetas, vendedores de milagres e bênçãos.
            Nossa constituição garante a liberdade de crença e culto, mas tal liberdade não é absoluta. Cultos não podem perturbar o sossego público, sacrificar animais e tampouco açoitar seres humanos.
            Sequer a laicidade do Estado é obedecida, quando da concessão de benesses como passaportes especiais, emissoras de rádio e TV e até mesmo inscrições e imagens em prédios e ambientes públicos, quando ultrapassam os limites da tradição e cultura.  Partidos religiosos tendem a semear a discórdia, em nome de Deus, e não são raros os povos infelicitados pelo confronto político entre religiões.
            As estatísticas demonstram que existe um movimento coletivo em direção ao culto a Deus sem a intermediação das igrejas. As igrejas são cada vez mais humanas, repletas de problemas organizacionais e de convivência, além da dificuldade em prosseguir formando quadros de direção e liderança.
            Apesar dos pesares, a maioria das religiões presta inestimáveis serviços sociais, amparando estratos carentes, atuando em assuntos e regiões onde o Estado é falho, e promovendo a cultura e profissionalização.
            Retornando ao Papa, desconhecemos os reais motivos e circunstâncias da renúncia, e tudo o que sabemos flutua ao sabor do noticiário da TV e jornais. Resta-nos esperar, sempre respeitando os que o respeitam.
            Iniciamos o artigo do alto do muro. Descemos de ambos os lados, e terminamos por novamente escalá-lo. Não convém dar sequência aos ditos rancorosos, baseados em levantamentos históricos milenares, nem a juras quase cegas de infalibilidade.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

MEDITAÇÃO




Eloah Margoni
Se o meu tecido da vida
(até rica)
se esgarça, amarrota,
simplesmente
desemaranho os fios e as notas
com a ponta do nariz.
E fios de ouro já fiz!
traduzindo linhas estranhas
com símbolos pálidos
esquálidos
ou rutilantes.
Se tudo que se passou,
agora
abissalmente
soa frágil,
titubeante,
basta apenas
que me sente
que relembre
de um instante

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

CIRANDA



Lídia Sendin

A morte cerca a vida,
Ciranda de canto macabro,
Morre-se nesta corrida,
Morre-se também parado.

Morre-se de amor perdido,
Morre-se de saudade,
Morre-se por ter sabido
E não crer na realidade.

A morte corre em volta,
Círculo eterno e fatal.
Morre-se de revolta
E de pena capital.

Morre-se tendo demais,
Morre-se sendo carente
E a morte, nunca, jamais,
Vai esquecer-se da gente.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

MINHA AVÓ E O CARNAVAL



Maria Cecilia Graner Fessel

Uma das coisas que tive desde menina é a curiosidade sobre costumes de outros povos, outras civilizações, outros tempos. Gostava de ouvir minha avó materna falar sobre as antigas comemorações de Piracicaba, como a festa do Divino, as cerimônias da Semana Santa, o Natal com suas visitações aos muitos presépios da cidade.
 Sobre o Carnaval, muitas vezes a fiz contar-me como as pessoas se divertiam nesta última data, isso em fins do século 19, começo do século 20.
Sendo uma pessoa que não gostava de brincadeiras, era emocionante ver seus olhos brilharem quando eu a inquiria sobre essas lembranças.
-“Conta, vó, conta das folias do Carnaval!”
Então ela descrevia, como se as visse de uma alta janela na velha praça, os grupos de foliões a
 circular nos arredores da antiga igreja, fantasiados ou não,  desafiando-se mutuamente, as famílias procurando identificar os encapuzados e provocando os brincalhões, para logo retrairem-se no interior das casas, fugindo das represálias.
Falava bastante das famosas “Laranjinhas de cera”, que eram oferecidas em tabuleiros sobre as cabeças dos vendedores, e eu ficava imaginando como seriam feitas... Como conseguiam a tal cera e a moldavam perfeitamente esféricas e de paredes muito finas, enchendo-as com “água de cheiro”, para que se arrebentassem ao serem jogadas. Serviam assim para verdadeiras guerras entre os grupos que podiam comprá-las , das quais todos saiam ensopados e perfumados (segundo ela, também havia laranjinhas cheias com líquidos bem menos agradáveis....).
Estando assim ensopados de perfume ou de outros odores, suados  das correrias pela praça, vinham os moços provocar as moças em suas janelas, aproveitando o clima de maior tolerância para mostrar seu interesse por esta ou aquela donzela sempre vigiada.
-E aí, vó, o que acontecia?
Com um ar travesso, me respondia ela:
-Ora, se o folião agradasse, as pessoas jogavam água para lavá-los e aliviar o calor de fevereiro...Se não, despejavam sobre eles conchadas de polvilho ou farinha, que grudavam no corpo e eles iam embora...
Com uma certa malícia, admirada do entusiasmo com que minha circunspecta avó descrevia essas cenas, certa vez lhe perguntei:
-E o que a senhora. fazia, vó? Jogava baldes de água ou farinha?
Tomada de surpresa no meio de um sonhador sorriso quase jovem, ela então fechava a cara e me dizia:
-“Ora, menina, eu...eu não fazia nada... eu... só ficava olhando!”
E logo me censurava tantas perguntas e encerrava a conversa...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Uma rosa



Olivaldo Júnior

            Era uma vez uma rosa que não era rosa. Eu explico: era uma rosa vermelha. Dona de um jardim só dela, não se via nada humilde, nem fazia questão de ser. Nadava em cravos e pousava em flores menos “pop”. Pode ser que tivesse, lá no fundo de suas pétalas, um pouco de humildade, mas não se via mesmo nada que a pudesse salvar. O orgulho é um grande abismo entre a beleza e o dia a dia, pois nem sempre é primavera.
            Julgando-se eterna, uma rosa começou a murchar. Já não tinha o mesmo rubro nas bordas, e o verde no caule que a sustinha já nem dava bandeira. As margaridas, bem mais fortes que ela, madrugadoras, já cochichavam, quando a rosa acordou. Era uma rosa preguiçosa e, mais que isso, dormia para ver se a beleza a impregnava de novo com seu rastro de estrela, com seu porte de estátua que não é de mármore, mas se martiriza.
            Feinha, com as pétalas por desabar, viu-se nas mãos de uma senhora que passava defronte ao jardim da casa em que morava. Desesperada, viu a porção de cravos envoltos em pobres margaridas, todos lhe dizendo adeus do canteiro em que estavam. De que havia valido a uma rosa tanta pose? A pobre, quase sem pétalas, sem caule, acabou assim, no cemitério mais próximo, dando vida a um túmulo, em preto-e-branco.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

FINITUDES



Plínio Montagner

Morrer de velho ou, antes da hora, ninguém quer saber dessa conversa.  O que se quer saber mesmo é de alegria, de viagens, boas comidas e bebidas, de família reunida, de saúde e de gente contente.  Ficar vivo e viver bastante é o que interessa. Dinheiro vem depois.
Embora o fim da vida seja um fato que não se pode evitar, o que é inaceitável é ficarmos órfãos de pessoas boas, boníssimas, tudo por causa de um drogado, de um motorista imprudente, de um delinquente qualquer, de um imbecil de má índole que interrompe a vida de entes queridos e depois a continuar solto.
É impossível também entender a morte, principalmente de crianças e de pessoas saudáveis. Quando falece alguém beirando os 100 anos, a dor tem outra dimensão. Dizemos que chegou seu dia, sua hora, coisas assim. Nesse ponto o sofrimento é menor, Isto remete aos casos de indenizações: quanto mais idosa for a pessoa que morre, menores serão os valores que a Justiça determina a serem pagos à família do morto.
Não há mesmo o que fazer para desviarmos, ou driblarmos nosso fim; mas podemos prolongá-lo um pouco, indo mais vezes ao médico, por exemplo.
O não morrer não existe. A diferença está em como se morre, e quando.
Quando é o outro que morre, nossos sentimentos e momentos continuam registrados em nosso cérebro. Não saem de nossa memória. É como se a pessoa não tivesse morrido. A tristeza será muito maior e cruel, quanto mais amor dedicamos àquele que partiu.
O corpo, fonte de prazeres e de beleza, um dia nos trai sem avisar. Desaparecerá. Sobrarão sons, vozes, imagens evocadas por objetos, fotos, frases, lugares, músicas.
Aquele que amamos nunca morre. Continuará sempre a fazer parte de nossas vidas. Meu mai, minha mãe morreram há mais de 20 anos; sonho com eles praticamente todos os dias. Se não sonho, comento com a Nazareth, minha mulher, algo que acontecia em minha casa, na minha infância, particularidades do meu pai, de minha mãe, o que faziam, os bolos, o jardim, a hortinha, os carinhos e os nãos, o colo, os abraços.
Lembranças boas e gemidos se repetem a toda hora. São as recordações do toque, dos abraços suaves, ora apertados, dos beijos, das imagens e vultos nos espaços da casa paterna.
Ganhos e perdas, disto é feita a vida. Só perde quem tem. A vida é um bem que também se perde.
O envelhecimento começa desde o primeiro dia de vida. Depois, devagarzinho, a formosura se desbota e se inicia a decadência do entusiasmo, o ímpeto da libido, os bate-papos rareiam, e, à nossa volta, surge um imaginário deserto, um vazio de coisas, de pessoas e de recentes lembranças.
Seria impossível a existência contínua se nada morresse.
As folhas não caem porque querem, mas porque tem de ser assim. Elas se soltam ao mais leve sopro porque seus espaços precisam ser ocupados por outras, viçosas, que um dia também se desprenderão.
Saúde e doença nunca se separam. Sempre chega o dia em que a medicina perde o jogo.  
Se o ser humano fosse desprovido de consciência, o amor, talvez, não existisse, e o sofrimento seria zero. Mas, então, por que é assim? Por que amamos?
Nenhum filósofo explica isso, tampouco a morte coletiva causada por um tsunami ou de uma boate que incendeia.
A morte não está nem aí para a vida. Basta estar no lugar errado na hora errada.
Assim como Deus, que supondo se o criador, Ele também não tem nada a ver com tragédias e as finitudes.
No tempo astronômico o homem nasceu há um segundo.
Ninguém escapa. Vale para os honestos, os bandidos, os doentes, os sadios, jequitibás, roseiras, pés de milho ou para um filhote de tico-tico.
Arnaldo Jabor, um dos meus preferidos escritores e cronistas, diz que a morte virou lugar e coisa comum, banal, normal. Não somos nada. Viver o hoje, só isso. O amanhã é melhor esquecer.
Aquele que alimenta e conforta, um dia ferirá o outro por ódio, por amor, por prazer ou por divergências de um real. Os homens morrem por burrice e por não saber frear nem se precaverem do atavismo.
É isso, só não sabemos, quando nem como, se subitamente, se devagar, ou por alguma forma absurda e inaceitável.
Arnaldo Jabor lembra uma frase interessante de Guimarães Rosa: “Morremos para provar que vivemos”.
Quis dizer, talvez, que a morte serve apenas para provar que existíamos.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O que você está lendo?



Edson Rontani Júnior é jornalista, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e assessor de comunicação da UNIODONTO

Recebi várias publicações do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP) e, confesso, que estou lendo uma obra atrás da outra. Isso por dois motivos: o primeiro pela curiosidade em conhecer os fatos que fizeram de Piracicaba a importante cidade brasileira que ela é. A segunda é que os livros são curtos, facilitando a leitura.
Estou com cerca de 15 títulos do Instituto em minha estante, mas no momento leio o “Manual de História Piracicabana”, inicialmente publicada em 1967 e reimpresso em 2009. Neste, o professor Guilherme Vitti aborda fatos curiosos de Piracicaba com base em documentos existentes na Câmara de Vereadores de Piracicaba, um verdadeiro legado dos fatos desde o final do século 18 até o início do século passado, com citações de ruas, praças e pessoas que por aqui passaram ou viveram.
Um dos fatos curiosos foi a visita de Dom Pedro II a cidade, conhecendo os distritos tiroleses de Santa e Santa Olímpia. Devido à descendência do imperador, ele deixou um tostão de ouro para a primeira moça das comunidades que contraísse o matrimônio. A história termina aí. A dúvida é quem foi a felizarda que levou o marido e a moeda tão cobiçada.