Plinio Montagner
Baguassu
lembrou-me de meu pai com saudade.
Era uma pequena
estação de trem entre as cidades de Santa Cruz das Palmeiras e Pirassununga. O
nome, talvez seja pela beleza de coqueiros (babaçu) da fazenda São Luis, hoje
sede de uma Usina do mesmo nome.
Meu pai era
ferroviário, e morávamos numa casa ampla, construída pela Paulista, com um quintal
sem fim, à beira do leito da ferrovia.
A década de
50 foi o tempo do romantismo, do amar à distância, das novelas de rádio, do
terno e gravata, da brilhantina Coty.
As ferrovias
esbanjavam limpeza, zelo, pontualidade. Os assentos dos vagões e encostos de
cabeças eram tão limpos que dava receio de usá-los.
Trabalhar na
ferrovia era um privilégio. As terras cortadas pelos trens eram muito valorizadas
e o apito da locomotiva denunciava progresso. Trem era o único meio de
transporte de passageiros e de escoamento da produção agrícola.
De repente, veio
uma promoção e transferência do meu pai. Fomos morar em Araras, e depois em Pirassununga. A estaçãozinha
ficara para sempre esquecida.
Trinta e
cinco anos depois, não aguentei, voltei a minha infância. Levei minhas filhas
Renata e Ana Paula, de dez e oito anos. A estação parecia aguardar a chegada de
algum trem. Segurava as mãos das meninas
como quando criança eu agarrava a alça da minha bolsa de couro que abrigava cadernos
e meu lanche de pão com goiabada.
A paisagem e
a estação, quase tudo estava como antes: a plataforma, a sala do chefe, o telefone
de manivela, o reservatório de água das locomotivas a vapor, as casas dos funcionários.
Zumbidos de insetos quebravam o silêncio e potencializavam o abandono e a
nostalgia.
Emocionei-me quando
vi os dois pés de manga espada que eram os alvos preferidos das pedradas,
minhas e do Zito, afilhado do chefe da estação, meu amigo de infância.
Manoel Carlos
de Oliveira Pinto, o Zito, estudou violino e mora em Campinas onde mantém uma
empresa de eventos sociais.
Passados
outros trinta anos, voltei. Desta vez, sozinho, mas com uma máquina digital.
A plataforma
e o leito da ferrovia, agora sem trilhos, deixaram a estação capenga. Coisas do
tempo - faltava uma mangueira e as placas “Alt” (altitude), “Km”, “Baguassu”,
“Chefe” e “Bagagem” haviam sumido, talvez retiradas por algum colecionador esperto.
A pia de
ferro também desaparecera. Era onde as crianças lavavam mãos e cotovelos
escorridos do amarelo das mangas.
Fiquei na
plataforma a cismar por horas. Não sei se voltei leve. Talvez triste. O mundo
está sem brilho, sem inocência.
Um fato. Eu tinha
a mania desatinada de saltar do trem em movimento. Um dia
não deu certo o pulo e caí. Fui parar aos pés do chefe da estação. Ouvi
assustado - “Me dá seu passe”! Era o padrinho do Zito, chefe da estação,
querendo o impossível.
Filho de
ferroviário viajava de graça. Eu, sem passe? Deixei o chefe com a mão estendida,
e fui... – como se diz.
Dizem que o
passado deve ser esquecido, que é lenha calcinada. Bobagem. Existem fatos e momentos inesquecíveis.
Sendo o futuro
finito e incerto, viver o presente é decisão sensata.
Hoje, sem
trens, goiabeiras e mangueiras, sem petecas, sem piões e sem espaços as
crianças brincam e conversam sozinhas, virtualmente.
Os brinquedos
antes adorados, hoje são desprovidos de lembranças; eles não têm passado
sofrido, por isso se perdem em caixas e gavetas. Meus foram uns três ou quatro,
e duraram a vida toda. Ainda guardo meu jogo de botão.
A causa de
muitas tristezas é ter muito e o apego ao exagero.
Filosofando: “Nada
é bastante para quem acha que é pouco o suficiente. O que importa é o que está
em nós, pois quem tem muito dentro precisa ter pouco fora”.
Velhos amores
devem ser esquecidos?
Sei lá!
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