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Reunião na Biblioteca

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

TERRORISMO DE EXPRESSÃO





                                                                       Pedro Israel Novaes de Almeida

            Em tempos de severo policiamento e velada censura, é normal, e incômoda, a busca de termos e expressões que não deixem a mínima dúvida quanto ao real significado da palavra e intenção do eventual autor.
            A rigor, não existe qualquer diferença em dizer que alguém pertence ao estrato LGBT, ou que é uma bichona ou um sapatão. No atual contexto, só o termo LGBT não soa preconceituoso ou ofensivo, embora os demais possam soar naturais e inofensivos, ao autor.
            Outrora, dizia-se que todos tínhamos responsabilidade pelo que saia de nossa boca, e não pela interpretação causada no ouvido alheio. Ocorre que palavras e expressões, repetidas por gerações, possuem o condão de transmitir preconceitos e depreciações, e é justo que sejam, a qualquer custo, evitadas.
            As palavras possuem significados personalíssimos, ao sabor de vivências, culturas e tradições de cada um. A nós, o termo “preto” soa como uma simples, carinhosa e inofensiva referência, ao contrário de “negro”, nada simples e tampouco inofensivo.
            As piadas foram as maiores vítimas da crescente onda de policiamento e censura de palavras e expressões. Tornaram-se formais, métricas e até sem graça.
            Marchinhas de carnaval tendem a parecer óperas, quase impedidas de expressões do tipo “seu cabelo não nega” , “Maria Sapatão” e “ Olhe a cabeleira do Zezé”.
            Em um contexto de radicalismo ideológico e primarismo conceitual, movido a chavões, um dos subprodutos de nossa crise, até Monteiro Lobato acabou sendo censurado, por escrever que alguém subia na árvore “como uma macaca”. Por pouco o festejado autor não teve os livros apreendidos e reimpressos, com modificações.
            Foram fundados tribunais de exceção, que promovem  cruéis linchamentos de pessoas que teriam dito, em algum tempo, uma ou outra frase infeliz. Muitas vezes, a frase sequer existiu, ou teve seu contexto distorcido.
            Existe, e viceja nas redes sociais, uma espécie de esquizofrenia coletiva, que só agrava a tensão que todos vivemos. Trata-se, em verdade, de um terrorismo de interpretações.
            A crescente radicalização, e a ferocidade das reações, acabam vitimando a espontaneidade natural das pessoas, que tendem a medir palavras, segundo o ambiente onde estejam. Existe uma truculência pouco disfarçada, com predisposição para sentenciar com a pior das interpretações qualquer palavra ou expressão.
            Até a imprensa mudou seu estilo. Hoje, um criminoso confesso, que teve o crime filmado, com milhares de testemunhas, é referido como “suspeito”.
            Hoje, a maldade habita mais o ouvido que a boca.

                                                                                   

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