Olivaldo Júnior
A pequena crônica que lhe escrevo agora é de
um anjinho que conheci dobrando a rua de casa, quando eu ia para o trabalho.
Ninguém mais o viu, só eu. Cabelos encaracolados, cheirando a azeite
extravirgem, era, sem talvez, um anjinho português.
Pediu, por gentileza, que eu lhe desse um
tostão de meu tempo para ouvi-lo, e ele embarcou comigo no "bus" que
tomo todas as manhãs. Sentadinho ao meu lado, contou-me que seus amigos
lusitanos, outros anjos como ele, o deixaram cá, neste Brasil de meu Deus, para
ver se se arranjava melhor, ficando mais independente, mas ele queria ter o sal
do mar de Camões.
O anjinho, numa virada mais brusca, invocou
Nossa Senhora de Fátima, pedindo a ela que nos guardasse a todos, como aqueles
três pastores que a avistaram e, dos olhos, nunca mais a tiraram. Amém, eu lhe
disse. E ele estava com saudade.
Fazia tempo que não comia um bom bacalhau,
nem pasteizinhos de Belém, muito menos toucinhos do céu, e sentia falta de um
cálice de vinho do Porto, para abrir seu apetite, celestial e europeu, ora
pois! O pobre, em vez de harpa, era a guitarra portuguesa que entoava, trazendo
à tona velhos fados, lindos e tristes, que um marujo português ensinara a ele
outra noite, lá.
Quando o ônibus chegava perto de meu
trabalho, o anjinho, declamando Pessoa, sumiu no ar como a fumaça de alvas
nuvens, altas demais para o nosso entendimento, e nunca mais o vi. No banco,
uma pena, verde-rubra, me deixou, e "só"...
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