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domingo, 24 de abril de 2016

Um anjinho português


Olivaldo Júnior

        A pequena crônica que lhe escrevo agora é de um anjinho que conheci dobrando a rua de casa, quando eu ia para o trabalho. Ninguém mais o viu, só eu. Cabelos encaracolados, cheirando a azeite extravirgem, era, sem talvez, um anjinho português.
        Pediu, por gentileza, que eu lhe desse um tostão de meu tempo para ouvi-lo, e ele embarcou comigo no "bus" que tomo todas as manhãs. Sentadinho ao meu lado, contou-me que seus amigos lusitanos, outros anjos como ele, o deixaram cá, neste Brasil de meu Deus, para ver se se arranjava melhor, ficando mais independente, mas ele queria ter o sal do mar de Camões.
        O anjinho, numa virada mais brusca, invocou Nossa Senhora de Fátima, pedindo a ela que nos guardasse a todos, como aqueles três pastores que a avistaram e, dos olhos, nunca mais a tiraram. Amém, eu lhe disse. E ele estava com saudade.
        Fazia tempo que não comia um bom bacalhau, nem pasteizinhos de Belém, muito menos toucinhos do céu, e sentia falta de um cálice de vinho do Porto, para abrir seu apetite, celestial e europeu, ora pois! O pobre, em vez de harpa, era a guitarra portuguesa que entoava, trazendo à tona velhos fados, lindos e tristes, que um marujo português ensinara a ele outra noite, lá.

        Quando o ônibus chegava perto de meu trabalho, o anjinho, declamando Pessoa, sumiu no ar como a fumaça de alvas nuvens, altas demais para o nosso entendimento, e nunca mais o vi. No banco, uma pena, verde-rubra, me deixou, e "só"...

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