Ludovico
da Silva
O sol lá fora parecia preguiçoso, na
tentativa de furar nuvens cinzentas, que se engalfinhavam, naquele vaivém
provocado pelo vento. Por trás, o céu ficava emoldurando o floreio, misto de
borrasca e bailado.
Eu
observava da janela aquela manifestação incompreensível de fatos ante meus
olhos e divagava sobre os mistérios que se escondiam pelos vãos da natureza.
De
repente, aquela imagem desapareceu, dando lugar à beleza de um dia de alegria e
esperança, com o sol incendiando a vida com seus raios brilhantes.
Recolho-me
e me acomodo em uma cadeira de balanço. Ia até cochilar, quando um estalo forte
chamou-me a atenção, vindo não sei de onde, que me pôs de sobressalto e a andar
pela casa, à procura de alguma assombração a pedir socorro.
Em
passos incertos, vejo-me perdido entre os cômodos da casa. Os estalidos
estremeciam os móveis, antes calados e adormecidos no passar do tempo.
Restava-me
ouvi-los, se tinham algo a me dizer.
Estou
em frente a uma penteadeira, de minha avó, encostada em um canto do quarto. A
imagem que aparece no espelho mostra traços físicos de meus antepassados, o que
me assusta, por que sou jovem e me vejo transformado no homem do futuro.
A
curiosidade me faz abrir todas as gavetas, à procura de segredos camuflados
entre papéis e fotografias. Encontro cartas cheias de palavras de amor, de um
sentimento íntimo de lealdade. Bem no fundo de uma gaveta a foto dos avós,
semblante cheio de seriedade, mas de confiança. Um leve sorriso de minha avó e
um porte elegante de meu avô. Um toque em uma caixa de papelão, amarelecida,
desperta os sons maravilhosos e cheios de saudade da música da bailarina, que
recorda aquele rodopiar elegante em volta de si mesma. Parecia alegre como
feliz, esquecida e calada por tanto tempo.
Ouço
um tilintar que vem da sala. É o telefone de tempos imemoriais, assentado na
parede, que me chama. Levo o fone ao ouvido e seguro como a mão direita aquele
bocal escuro, que vai transmitir as minhas esperanças de conversar com meus
antepassados. Só escuto. As palavras que me chegam vêm de longe e traduzem um
sentimento de saudade. Recordações que ficaram guardadas no tempo. Não sei o
que falar. As palavras me fogem. Meus pensamentos se embaralham. A voz do lado
de lá vai sumindo lentamente. Não se despede. Fico triste e só me resta enxugar
os olhos.
O
ranger de uma mesa me leva à sala de jantar. As refeições reuniam toda a
família. Hora dos tratamentos das atividades do dia, dos negócios e soluções de
pendências familiares. Dos passeios, dos namoros e aventuras dos jovens. Sinto
penetrar pelos meus ouvidos doces palavras e conselhos de minha avó aos meninos
de calças curtas e meninas de vestidos de chita e fita nos cabelos. Meu avô só
acompanha e me dá uma piscadela com o olho esquerdo, dando a entender para
sairmos e deixar as demais à vontade. Ele me leva para a sala de visitas, onde
liga uma velha vitrola.
Enquanto
meu avô ouve música, me sobra tempo para correr os olhos pelos cantos da sala.
À entrada da porta um mancebo agasalha um casacão escuro e grosso e um chapéu
de feltro. A escrivaninha porta um tinteiro de vidro. De um lado, tinta azul.
Do outro, vermelha. A caneta de madeira com pena de aço descansa sobre a mesa.
Tudo meio esquecido. Culpa do tempo. Nada posso fazer. Apenas admirar todas
aquelas lembranças que permanecem na saudade.
Meu
avô parece absorto, ouvindo música. Os olhos fechados. Me aventuro pelos fundos
da casa e entro no quarto do velho casal. A cama bem arrumada, coberta com uma
colcha de crochê. Os criados ao lado mudos, discretos. Na minha imaginação,
guardando segredos. Por sobre a cômoda, retratos dos filhos. A prole é grande.
Aqui não ouço nada. Tudo é silêncio.
Volto
para o meu ponto de partida, a janela. Lá fora o entardecer está se despedindo.
O sol se escondendo, deixando aquela obra plástica do ocaso. A lua cheia mostra
a sua cara. Espero uma noite de muitas estrelas, para completar este meu tempo
de saudade.
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