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quarta-feira, 25 de março de 2015

CONVERSANDO COM A SAUDADE


          Ludovico da Silva

            O sol lá fora parecia preguiçoso, na tentativa de furar nuvens cinzentas, que se engalfinhavam, naquele vaivém provocado pelo vento. Por trás, o céu ficava emoldurando o floreio, misto de borrasca e bailado.
            Eu observava da janela aquela manifestação incompreensível de fatos ante meus olhos e divagava sobre os mistérios que se escondiam pelos vãos da natureza.
            De repente, aquela imagem desapareceu, dando lugar à beleza de um dia de alegria e esperança, com o sol incendiando a vida com seus raios brilhantes.
            Recolho-me e me acomodo em uma cadeira de balanço. Ia até cochilar, quando um estalo forte chamou-me a atenção, vindo não sei de onde, que me pôs de sobressalto e a andar pela casa, à procura de alguma assombração a pedir socorro.
            Em passos incertos, vejo-me perdido entre os cômodos da casa. Os estalidos estremeciam os móveis, antes calados e adormecidos no passar do tempo.
            Restava-me ouvi-los, se tinham algo a me dizer.
            Estou em frente a uma penteadeira, de minha avó, encostada em um canto do quarto. A imagem que aparece no espelho mostra traços físicos de meus antepassados, o que me assusta, por que sou jovem e me vejo transformado no homem do futuro.
            A curiosidade me faz abrir todas as gavetas, à procura de segredos camuflados entre papéis e fotografias. Encontro cartas cheias de palavras de amor, de um sentimento íntimo de lealdade. Bem no fundo de uma gaveta a foto dos avós, semblante cheio de seriedade, mas de confiança. Um leve sorriso de minha avó e um porte elegante de meu avô. Um toque em uma caixa de papelão, amarelecida, desperta os sons maravilhosos e cheios de saudade da música da bailarina, que recorda aquele rodopiar elegante em volta de si mesma. Parecia alegre como feliz, esquecida e calada por tanto tempo.
            Ouço um tilintar que vem da sala. É o telefone de tempos imemoriais, assentado na parede, que me chama. Levo o fone ao ouvido e seguro como a mão direita aquele bocal escuro, que vai transmitir as minhas esperanças de conversar com meus antepassados. Só escuto. As palavras que me chegam vêm de longe e traduzem um sentimento de saudade. Recordações que ficaram guardadas no tempo. Não sei o que falar. As palavras me fogem. Meus pensamentos se embaralham. A voz do lado de lá vai sumindo lentamente. Não se despede. Fico triste e só me resta enxugar os olhos.
            O ranger de uma mesa me leva à sala de jantar. As refeições reuniam toda a família. Hora dos tratamentos das atividades do dia, dos negócios e soluções de pendências familiares. Dos passeios, dos namoros e aventuras dos jovens. Sinto penetrar pelos meus ouvidos doces palavras e conselhos de minha avó aos meninos de calças curtas e meninas de vestidos de chita e fita nos cabelos. Meu avô só acompanha e me dá uma piscadela com o olho esquerdo, dando a entender para sairmos e deixar as demais à vontade. Ele me leva para a sala de visitas, onde liga uma velha vitrola.
            Enquanto meu avô ouve música, me sobra tempo para correr os olhos pelos cantos da sala. À entrada da porta um mancebo agasalha um casacão escuro e grosso e um chapéu de feltro. A escrivaninha porta um tinteiro de vidro. De um lado, tinta azul. Do outro, vermelha. A caneta de madeira com pena de aço descansa sobre a mesa. Tudo meio esquecido. Culpa do tempo. Nada posso fazer. Apenas admirar todas aquelas lembranças que permanecem na saudade.
            Meu avô parece absorto, ouvindo música. Os olhos fechados. Me aventuro pelos fundos da casa e entro no quarto do velho casal. A cama bem arrumada, coberta com uma colcha de crochê. Os criados ao lado mudos, discretos. Na minha imaginação, guardando segredos. Por sobre a cômoda, retratos dos filhos. A prole é grande. Aqui não ouço nada. Tudo é silêncio.
            Volto para o meu ponto de partida, a janela. Lá fora o entardecer está se despedindo. O sol se escondendo, deixando aquela obra plástica do ocaso. A lua cheia mostra a sua cara. Espero uma noite de muitas estrelas, para completar este meu tempo de saudade.


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