Plínio
Montagner
Estamos sofrendo muito por
causa de medos. E nem estamos computando os medos imaginários, como o poeta
argentino Jorge Luis Borges cantou em versos no clássico poema Instantes.
Doenças, nem é bom falar. Estamos
num clima de pavor generalizado, como criança que tem medo de escuro. Do nada
aparece um revólver na nossa cara. Nossa felicidade anda muito fragmentada. Muita
informação dá nisso. Muita liberdade dá nisso. Muita impunidade dá nisso.
Cadê aquela
vida calma, de papo lento, do namoro de um parceiro só? Onde está a visita do
compadre e da comadre?
O perigo está até em nossa mesa. Não podemos comer
mais nada que é gostoso. Tudo que é bom não pode: feijoada, linguiça, carne de
porco, costela, pudins e manjares. Tudo que vamos comer nosso anjinho da guarda
dá uma espiada: Pode, não pode, pode, não pode.
À mesa acabou
a farra. Estamos liberados para comer só o que é verde, amarelo, vermelho. Ara!
Chega! Carne? Ah! Só se for sem gordura, e de frango. Peixe? Assado. Café? Descafeinado, e sem
açúcar.
Beber é a
mesma coisa. Só água. Água? Tem de ser mineral, ou água bem tratada.
Em momentos de
fúria as pessoas são um perigo. Nossas válvulas de escape não dão conta, nem as
religiões, nem os pais, porque não ficam em casa. Nem nome feio não
se fala mais para extravasar. Existem pessoas que não falam nem sob tortura. Nos
estádios pode, e quem não sabe, aprende. Um palavrão na hora certa faz um bem danado. Tem
dia que tudo dá errado desde a hora que a gente sai da cama.
Michael
Douglas, no filme “Um dia de Fúria”, retrata a vida de um cidadão americano
pacato, trabalhador e estressado. E não é para menos: A esposa o abandonou, a
filha namora um desajustado, a casa está hipotecada e ele não suporta o chefe.
Um dia, o
trânsito emperra. Ele não aguenta. Pega sua maleta e desaparece, deixando seu
carro no meio da rua com a porta aberta.
Até o mais
calmo cidadão tem seu dia de fúria. Não existe idade nem sexo nem profissão nem
hora para explodirem episódios de insanidade.
Eu estudava numa
escola rural em
Santa Veridiana. Tinha 7 anos. Primeira série. A professora,
Dona Antônia, era um doce, paciente demais. Uma santa.
A escola da
roça era assim. Uma professora só para três séries: 3ª, 2ª e 1ª. E para piorar,
a primeira série era subdividida em três seções: A, B e C.
Os alunos da
seção “A” eram os mais adiantados; os da seção “B” eram mais ou menos, e os da
seção “C” iriam repetir o ano.
Um dia, depois
do intervalo, não parávamos de gritar. Uma folia danada. Silêncio zero. A
professora implorava para ficaremos quietos. Nada. De repente, lápis, canetas, compassos,
réguas, caixa de giz voaram sobre nossas cabeças. Um objeto passou pela janela.
Ficamos
quietinhos, quietinhos. Dava para ouvir o vento nas folhagens da mangueira e a
respiração da criançada.
Nossa querida
professora baixou sua cabeça sobre seus braços.
Ah! Como gostávamos
dela! Aluno da roça não tem maldade. Brinca por brincar. Zoa por zoar.
Um aluninho que
sentava atrás de mim, sempre de paletozinho marrom, levantou-se. E lenta e
timidamente foi até à mesa da professora e disse alguma coisa ao seu ouvido.
Era um pedido de desculpas. Dona Atonia levantou o rosto e, com lágrimas
rolando, abraçou o menino. Os dois ficaram assim um tempo parados, em completo
silêncio.
Treze anos
depois, em Tupi Paulista ,
numa cidadezinha da Alta Paulista, tive também meu dia de fúria numa sala de
aula da roça, numa classe do segundo ano de um grupo escolar.
Ninguém me abraçou, mas no dia seguinte apareceu
sobre minha mesa uma enorme abóbora.
Meu coração foi a mil!
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