Leda Coletti
Depois de um longo e tenebroso inverno (na verdade estamos no fim do verão), retorno a escrever, só que em viés. Aliás, nestes últimos quarenta dias enxergo tudo assim. Estou sem simetria de formas. A responsável dessa situação foi a retina do olho esquerdo que se descolou. Devo ter feito algo que não a agradou e ela se vingou, deixando-me algum tempo totalmente cega deste lado.
Ficar metade na claridade e outra na escuridão foi uma experiência que nunca sonhei; sequer imaginava pudesse acontecer comigo, pois segundo o médico que costumava me consultar periodicamente, era tida como pessoa com visão de qualidade superior. Na verdade só usei óculos no tempo em que fui diretora de escola e precisava ler Diário Oficial, pois as letras eram exageradamente minúsculas. Fiquei orgulhosa quando após cirurgia de catarata em ambos os olhos, ele me deu atestado que apresentei no exame para renovação de carteira de motorista, onde dizia “dispensada do uso de lentes corretoras.”
Mas, como se diz popularmente, na vida estamos constantemente aprendendo, estes dias nebulosos, me fizeram enxergar mais do que se utilizasse os dois olhos.
Consegui meditar mais, pois na ausência obrigatória dos exercícios físicos, ouvia música e sentia o prazer da leveza e tranquilidade do repousar sereno; assistia na tevê programas religiosos, que coincidiram com o período quaresmal e que me levaram a refletir sobre a importância da vida cristã e do quanto mais precisamos para crescer no Amor.
Nas poucas saídas à rua, caminhando em calçamento irregular e com falhas, senti o quão valioso é o apoio físico. Antes sempre o ligava mais ao psicológico, mas agora que necessitei dele para me locomover sem tropeços e em segurança, senti o quanto dependemos uns dos outros. Como pessoa independente e que não gostava de pedir auxílio a ninguém, nestas condições vi como dele precisei, pois fiquei impotente para banho, executar pequenos afazeres domésticos, transportar objetos pesados e outras atividades rotineiras.
Estamos em abril/2013 e dou graças a Deus por estar com a visão perfeita desde maio/2012. Como me senti feliz e agradecida a ELE ao ver minha história infantil “O passeio de Joãozinho”, ao lado de outras três, no Livro “Quatro contos em quatro cantos” e “Quatro Cantos em Quatro Contos”, em 1ª edição em 2008, escritas em conjunto com as amigas Carmen Pilotto, Ivana M. França de Negri e M.Emilia L.M.Redi (em memória), que em 12/04/2013 foi lançado em impressão braille, para dar oportunidade de leitura às crianças que enfrentam no dia a dia esses desafios visuais.
Foi um momento especial e muito gratificante para mim, pois após ter passado por uma centelha dessa experiência entendi melhor como estas pessoas são guerreiras e valorosas, convivendo, lutando e vencendo as trevas.
Um comentário:
Leda
Permita-me longa intromissão nos seus comentários, relatando minha própria experiência embora eu não tenha chegado ao ponto do descolamento da retina.
Por ler diário oficial por muito tempo, cheguei a 13° de miopia. Um dia sem mais nem menos, por ouvir falar, resolvi fazer cirurgia de miopia em Ribeirão Preto, ainda nos tempos do bisturi, mas as coisas não andarem bem no primeiro olho operado. Vacilei muito em fazer a cirurgia do segundo mas foi necessária porque passou a se dar uma distorção insuportável.
O resultado final não foi bom. A miopia era alta.
Um tempo depois, fui renovar a carta em São Caetano do Sul: a MUITO CUSTO a médica me liberou a carta, afirmando que eu ficaria cego.
Renovei uns óculos aqui, outros ali, tudo mais ou menos até que houve o diagnóstico da catarata até por causa das drogas que apliquei quando da operação da miopia.
Operei da catarata, olhos “irregulares”, hoje óculos para longe me incomodam e para perto são indispensáveis.
Depois de tudo isso, enxergando relativamente bem, cheguei à conclusão dos pequenos milagres de que fui agraciado.
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