Ivana Maria França de Negri
As novas gerações jamais vão sentir a emoção que os mais antigos vivenciavam ao receber uma carta. Principalmente as de amor, tão ardentemente aguardadas.
Numa época em que não existiam redes sociais e e-mail, o correio era a única forma de se corresponder. A telefonia ainda estava engatinhando e raras pessoas possuíam aparelhos telefônicos. Hoje em dia, trocam-se mensagens instantâneas com pessoas de qualquer parte do planeta!
O carteiro era aguardado no horário habitual. Quando trazia uma carta, havia todo um ritual. Abrir com cuidado para não rasgar, sentir o perfume - os namorados sempre davam um jeito de perfumar as cartas ou colocar dentro pétalas de rosas ou pedacinhos de mata borrão com o perfume que usavam. Depois, ir para algum cantinho sossegado e saborear cada palavra, ler e reler tudo para captar o que o outro dizia nas entrelinhas porque as cartas eram muito respeitosas e formais, e muitas passavam pelo crivo dos pais mais rígidos.
Eu sempre soube da existência daquela caixa vermelha amarrada com fita de cetim na casa dos meus pais. Sabia que continha correspondências de quando foram namorados, mas nunca tive a curiosidade de lê-las.
Quando minha mãe faleceu, a caixa ainda ficou esquecida numa gaveta por doze anos, até que meu pai partiu também para encontrar-se com seu grande amor. Arrumando as coisas da casa, a caixa reapareceu. O que fazer com aquelas cartas?
Ao abri-la, encontro um bilhete com a letrinha da minha mãe: “Lindas cartas de amor! Podem ler à vontade, são cartas sinceras como quem as escreveu. Um dia devem ser queimadas, quando o casal não mais existir”.
Foi então que comecei a ler, já que havia autorização de um dos autores. Emoções começaram a fazer minha vista embaçar. Cartas escritas entre 1942 e 1950. Transporto-me para aquela época. Cada carta é um testemunho histórico daquele tempo. Meu pai contava as últimas notícias da guerra, das viagens que fazia nas jardineiras, uma aventura, ainda mais quando chovia e a estrada de terra fazia a jardineira atolar. Todos desciam e ajudavam a desatolar. As viagens eram demoradas e cansativas. Não havia lugar reservado. Vendiam mais passagens do que havia lugares e muitos ficavam horas e horas em pé, e o transporte era precário e balançava muito!
Dentro de várias delas, santinhos, cromos, desenhos, coraçõezinhos vermelhos, marcas de batom... Como não se emocionar?
Minha mãe, jovem professora do Grupo Moraes Barros, contava sobre seus amados aluninhos, e numa delas, sobre uma visita solene do governador Ademar de Barros na escola, quando ensaiou seus alunos para se apresentarem. Ela mesma inventava os figurinos, as danças e as canções.
Fernando Pessoa disse certa vez que “todas as cartas de amor são ridículas”, mas ele se enganou, são maravilhosas! As palavras que mais aparecem em todas as cartas são “saudade” e “amor”.
Eu ficaria aqui horas escrevendo minhas impressões sobre elas. Falavam sobre as músicas que ouviam, dos sonhos que sonhavam, da contagem dos dias que os separavam para estarem juntos e todas essas doçuras que o amor coloca no coração dos apaixonados.
Depois se casaram e viveram felizes por quase sessenta anos!
Agora, a dúvida cruel...Queimo ou não queimo???...
*Texto publicado na Gazeta de Piracicaba
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