Olivaldo Junior
João e Maria pode ser um conto de fadas coletado pelos Irmãos Grimm na Alemanha, no século dezessete, e uma canção de música popular composta por Sivuca e Chico Buarque no Brasil, no século vinte. Mas eu penso que João e Maria podem ser qualquer pessoa que se disponha a procurar uma saída para o bosque em que se encontra, ou a puseram. Qualquer pessoa pode ser João e Maria. Ou José e Maria, que, não há como negar, também foram peregrinos em busca de pousada, de um refúgio pela noite escura de Belém. Lembro-me de que as migalhas de pão me impressionavam.
Tenho, a vida toda, deixado as famosas migalhas de pão pelo caminho. Eu, que sempre quis ser passarinho (logo eu!), suspeito de que tenha havido um passarinho que comeu minhas migalhas, aquelas que esperava que um amigo encontrasse e viesse ter comigo a mesma experiência. “Agora eu era o herói / E o meu cavalo só falava inglês”, cantou Buarque na década de 1970, mais precisamente, em 1977. A canção, cujo tema pode ser infantil, também pode ser vista como música política (eu sei, toda música é política, mas eu digo em caráter especial). Nos tempos da ditadura militar no Brasil, qualquer canção de certos artistas tinha conotação política. E, se não tivesse, hoje, olhando para aquele tempo, impregnamos de política até mesmo os versos pretensamente infantis de uma canção tão doce quanto João e Maria. “Agora eu era o rei / Era o bedel e era também juiz”... Pode haver coisa mais linda que o faz-de-conta? Talvez, o João e a Maria dos Irmãos Grimm cantarolassem a canção popular se ela tivesse sido composta à época em que viviam na hora de dormir lá na Alemanha.
Jogo, na verdade, ainda hoje, as minhas muitas migalhas. São pedidos para que alguém me acompanhe o canto, ou leia o que escrevo, ou goste de mim. O pai está em outra, o irmão estava e está bem longe, mas a mãe está perto. Não é madrasta, nem fada-madrinha que se vira em bruxa, mas mãe. Não morre ao fim do conto para que tudo se acalme. Bem que alguém podia tocar João e Maria para eu cantar, jogar migalhas estrada afora de mim. “Agora era fatal / Que o faz-de-conta terminasse assim”, porque tudo termina. Difícil resistir aos doces e não dar a si o gosto da morte: outra vida.
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