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Reunião na Biblioteca

sexta-feira, 29 de março de 2013

SEMANA SANTA: TEMPO DE ORAÇÃO, LEMBRANÇAS E SAUDADES


Adenize Maria Costa

Infelizmente há crianças que desconhecem o significado da Semana Santa. Não sei o que é pior porque a Páscoa é associada ao coelhinho que traz um ovo, dois ovos, três ovos assim! Dia desses no ônibus ouvi uma criança já grandinha, de uns oito anos, conversando com a mãe e dizendo que a Páscoa é o dia da festa do chocolate...
Quanta diferença dos meus tempos de criança! Já começava na quarta-feira de cinzas, havia um recolhimento maior, talvez até um respeito maior. Lembro-me que nesse tempo de penitência não podia ouvir rádio, não podia cantar e nem dançar. As quartas e sextas-feiras rezávamos a via sacra na igreja, eram entoados aqueles hinos tristes. As mulheres casadas usavam véu preto sobre as cabeças, as moças solteiras usavam véu branco. Íamos a pé, nós crianças sempre de mão dada com um adulto, para não ir fazendo troça pelo caminho, nada de gritaria, nada de correria, e nós respeitávamos sem muitos questionamentos porque os mais velhos eram muito mais sábios do que nós...
Quando começava a semana da Paixão do Nosso Senhor começava já os preparativos para a sexta-feira santa ou sexta-feira maior, como alguns diziam na época. Os afazeres domésticos eram permitidos até na quarta-feira. Muitas fornadas de pão fazido ( pão caseiro) eram assadas nesse dia, as vezes também broa de milho, a vizinhança sabia que alguém ia acender o forno de barro já ia tratando de preparar a massa de pão para aproveitar o calor do forno. Quinta feira também era santa, o máximo que era permitido nesse dia era fazer a paçoca de amendoim, tradição na minha família até os dias de hoje. Naquela época o amendoim era socado num pilão de madeira, junto com farinha de milho e açúcar. Por ser dia santo os homens estavam em casa, então se revezavam no pilão, às mulheres cabia a função de torrar e limpar o amendoim e durante o feitio da paçoca ir peneirando e separando os piruás, que voltariam ao pilão para serem socados novamente.
À tardinha depois de tomar banho de bacia, de lavar os cabelos e enxaguá-los com chá de sapê, sentava na varanda e minha avó fazia tranças no meu cabelo, na sexta-feira santa não era permitido nem pentear os cabelos... Todo mundo jejuava pelo menos até três horas da tarde. Quem sentisse fome tinha que comer uma lasca de pão fazido, paçoca com café, ou paçoca com banana . A noite tinha procissão. Eu chorava tanto de pensar em Nossa Senhora com uma espada atravessada no peito, eu achava que ela tinha morrido no mesmo dia que Jesus morreu... No Sábado de Aleluia o Padre Henrique vinha celebrar a Missa da Páscoa, quando a missa terminava os homens soltavam alguns rojões e depois tinha baile na tuia. Com um pouco mais de idade eu e minhas amigas íamos ao baile ia para acompanhar as moças porque elas não podiam ficar sozinhas, moça de família não podia andar sozinha. Logo batia o sono e a vontade de ir embora, às vezes voltava pra casa tomando uns beliscões nos braços porque minha prima tinha que voltar pra me levar.
No Domingo de Páscoa comemorávamos a ressurreição de Jesus com toda a pompa e circunstancia que nos era permitida: é claro que não tinha ovos de chocolate, muito de vez em quando a gente ganhava um chocolate que chamava Kicôco que é primo-irmão do Prestígio. Mas a alegria do Domingo de Páscoa estava no almoço junto com os vizinhos, um garrafão de vinho sangue de boi, fazia a alegria da mulherada. A mesa era farta, graças a Deus, porque tinha quase tudo no quintal das casas: leitoa assada, pernil e frango assado, uma bacia de macarronada. Um disco do Renato e seus Blue Caps tocando na sonata, uma grande mesa sendo montada e a alegria de estar todo mundo junto. Pra mim Semana Santa significava isso: solidariedade e união. Havia solidariedade na tristeza e também na alegria. O silêncio significava o respeito pelo tempo santo e a simplicidade na partilha do pouco que a gente tinha santificava a nossa união.
Hoje muita coisa mudou mas a gente não desiste! Continuamos tentando ensinar nossas crianças os valores e os significados desse Tempo Santo, em tempos de processador, hoje é quinta-feira santa, e a paçoca já está pronta lá em casa!

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