Curiosidade mata
Carmen Maria da Silva Fernandez Pilotto
Carmen Maria da Silva Fernandez Pilotto
“Pois já se elevam acima de minha cabeça as minhas iniquidades: como fardos pesados excedem as minhas forças.” Salmos 38:4
A bolsa caiu bruscamente no chão, através do zíper entreaberto rolou um caderninho de endereços. Capa de papel machê multicolorido, esfarelada pela ação do tempo. Débora nem se apercebera do ocorrido, apanhou a bolsa e tomou afobada o táxi deixando parte de si.
Robson acompanhou a uma distância de cem metros o fato. Admirou os lindos cabelos da garota e o corpo bem torneado. Mais do que depressa, olhou dos lados e, disfarçadamente, se abaixou colhendo a relíquia colocando-a dentro da maleta.
Mordia-se pela curiosidade de folhear ali mesmo, naquela rua movimentada, o pequeno tesouro, como se fosse o último desejo de sua vida. Quarentão, atlético, cabelos iniciando fios grisalhos, sorriso franco e gestos afáveis. Casamento desfeito, um caso aqui, outro ali, nada que o prendesse. Vivia de aventuras, sem querer saber de compromissos. Pressentiu que aquela gata, de coxas roliças prometia um bom programa.
Terça-feira aziaga, carro quebrado. O recurso foi tomar um táxi. Pela manhã lamentara o ocorrido, mas naquele final de tarde a aventura estava se transformando em um delicioso happy hour inesperado.
Rapidamente chegou ao Shopping. Pessoas entravam e saíam. Sentou-se na cafeteria de costume e abriu avidamente a maleta. Ao ser abordado pela garçonete, dirigiu o olhar para cima.
– Ah? Sim. Por favor, um café expresso. Mas que saco de interrupção, ruminou.
Tomou o café aos borbotões e saiu. Paciência. Tremia de excitação. Parou num banco próximo a praça de alimentação. A maleta preta melada de ansiedade.
Nova retomada. Quando manuseava a primeira página...
– Robson querido! Passeando aqui no Shopping? Há quanto tempo não nos encontramos?
Não era possível! Tia Zenilda circulando por ali? Era demais. Comentou a contragosto:
– Olá titia. Nem diga! Faz muito tempo mesmo, afinal desde que mamãe morreu não reunimos mais a família.
A tia setentona tagarelou por horas a fio: sobre os primos, sobrinhas, ex-esposa e todos os que lhe desfilavam pela lembrança. Infeliz acaso. Seria cômico se não fosse trágico. E o caderninho de volta para a bolsa. Queimando!! Purgavam os seus pecados:
– Será que matei muitos passarinhos?
Dez horas. Fome. Irritação e cansaço. O Shopping já se esvaziara. Noite de inverno e todos se recolhem cedo. Beijos melosos e promessas de reencontro...
Arfante, Robson tomou a preciosa carga debaixo do braço e saiu para a rua. Tão absorto em seus pensamentos que nem se apercebeu do garoto encapuzado. Atônito ouviu um disparo. Levou as mãos ao tórax. Num impulso mecânico, soltou bruscamente o que tanto zelara. O caderninho desfolhou-se pela guia da calçada embebido do rubro sangue de sua curiosidade...
A bolsa caiu bruscamente no chão, através do zíper entreaberto rolou um caderninho de endereços. Capa de papel machê multicolorido, esfarelada pela ação do tempo. Débora nem se apercebera do ocorrido, apanhou a bolsa e tomou afobada o táxi deixando parte de si.
Robson acompanhou a uma distância de cem metros o fato. Admirou os lindos cabelos da garota e o corpo bem torneado. Mais do que depressa, olhou dos lados e, disfarçadamente, se abaixou colhendo a relíquia colocando-a dentro da maleta.
Mordia-se pela curiosidade de folhear ali mesmo, naquela rua movimentada, o pequeno tesouro, como se fosse o último desejo de sua vida. Quarentão, atlético, cabelos iniciando fios grisalhos, sorriso franco e gestos afáveis. Casamento desfeito, um caso aqui, outro ali, nada que o prendesse. Vivia de aventuras, sem querer saber de compromissos. Pressentiu que aquela gata, de coxas roliças prometia um bom programa.
Terça-feira aziaga, carro quebrado. O recurso foi tomar um táxi. Pela manhã lamentara o ocorrido, mas naquele final de tarde a aventura estava se transformando em um delicioso happy hour inesperado.
Rapidamente chegou ao Shopping. Pessoas entravam e saíam. Sentou-se na cafeteria de costume e abriu avidamente a maleta. Ao ser abordado pela garçonete, dirigiu o olhar para cima.
– Ah? Sim. Por favor, um café expresso. Mas que saco de interrupção, ruminou.
Tomou o café aos borbotões e saiu. Paciência. Tremia de excitação. Parou num banco próximo a praça de alimentação. A maleta preta melada de ansiedade.
Nova retomada. Quando manuseava a primeira página...
– Robson querido! Passeando aqui no Shopping? Há quanto tempo não nos encontramos?
Não era possível! Tia Zenilda circulando por ali? Era demais. Comentou a contragosto:
– Olá titia. Nem diga! Faz muito tempo mesmo, afinal desde que mamãe morreu não reunimos mais a família.
A tia setentona tagarelou por horas a fio: sobre os primos, sobrinhas, ex-esposa e todos os que lhe desfilavam pela lembrança. Infeliz acaso. Seria cômico se não fosse trágico. E o caderninho de volta para a bolsa. Queimando!! Purgavam os seus pecados:
– Será que matei muitos passarinhos?
Dez horas. Fome. Irritação e cansaço. O Shopping já se esvaziara. Noite de inverno e todos se recolhem cedo. Beijos melosos e promessas de reencontro...
Arfante, Robson tomou a preciosa carga debaixo do braço e saiu para a rua. Tão absorto em seus pensamentos que nem se apercebeu do garoto encapuzado. Atônito ouviu um disparo. Levou as mãos ao tórax. Num impulso mecânico, soltou bruscamente o que tanto zelara. O caderninho desfolhou-se pela guia da calçada embebido do rubro sangue de sua curiosidade...
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