Leda Coletti
A noite quente e gostosa convidava o grupo a se dirigir para o único ponto de encontro, no topo da Praia do Boldró, em Fernando de Noronha. O Mirantes Bar estava com boa frequência de nativos e turistas, que dançavam uma arrojada lambada.
Nós, os coroas da excursão, manifestávamos alegria ao beber uma cervejinha gelada, acompanhando um peixe frito. As piadas se sucediam, bem como os “causos” dos mineiros, paulistas, amazonenses, pernambucanos. Destacava-se, nesse particular, um engenheiro de pesca, com sede de trabalho no território local. Juntara-se a nós e, com muita desinibição, entreteve-nos com seus relatos humorísticos, principalmente os vividos no mar, com golfinhos e tubarões. Estávamos todos motivados pelo assunto, pois, naquela manhã tínhamos feito um passeio no barco Cazuza, e nossa curiosidade fora aguçada ao ver alguns dos primeiros assomando rapidamente à flor d’água perto da embarcação.
O bom papo foi interrompido, quando alguém lembrou-nos de que deveríamos repousar, pois, no dia seguinte, a programação seria intensa. De fato, isso ocorreu logo cedo, quando a jardineira do alojamento deixou-nos próximos da Ponta de Caracas, praia de difícil acesso e cheia de pedras. Devagar a maré chegou e, no lugar das depressões das rochas, pequenas piscinas naturais se formaram, aparecendo cardumes amarelos, lilases, azuis, rosas, que dançavam um bailado multicor. Que deleite para os olhos!
À tarde, novas emoções, na difícil escalada por meio de escadas e cordas, até à praia do Sancho. Fiquei observando por algum tempo os arrojados turistas que se aventuraram a fazê-la. Juntamente com duas colegas, retornamos devagarinho para o ônibus, onde estava o motorista, Seu Bolinha, nativo do território. Passamos a conversar sobre os costumes, plantas, pessoas do lugar.
De repente, ouvimos o ronco do motor de um avião, que pareceu resvalar a copa das árvores. Interpelei Seu Bolinha:
– Nunca caiu avião por aqui?
– Pois não é que estava pensando nisso agora! Lembrava que vai fazer um ano, que caiu um avião igual a esse que passou.Nele morreu o pai do Daniel (era o guia daquele passeio). Caiu no mar e ninguém se salvou. Dizendo isso o motorista fez o sinal da cruz.
Fomos interrompidos pelos demais excursionistas que contavam eufóricos a aventura vivida. O sol emitia os derradeiros raios ao chegarmos ao alojamento.
Jantávamos no restaurante da pousada quando chegou a notícia arrasadora: acabara de cair no mar, um avião que decolara minutos antes. A tristeza e o pânico tomaram conta de todos, principalmente após a confirmação de que um dos passageiros era o engenheiro da noitada anterior. Atendera à convocação superior para uma reunião extraordinária em Recife.
Nos dias que se seguiram (e faltavam dois dias para o término da temporada), os passeios não tiveram o mesmo sabor. As pessoas estavam inquietas, temendo a viagem de volta, que, por infeliz coincidência se daria no mesmo horário do avião sinistrado. As últimas notícias davam conta de que os pertences, malas das vítimas, foram trazidos à Praia do Leão, pela maré. Comentavam que a baía, onde o avião Bandeirantes caíra, era a preferida pelos tubarões. Ninguém relembrava, em voz alta, as brincadeiras do colega, cujas pilhérias fatalmente haviam se transformado em realidade. O medo tomava conta dos turistas.
Como é costume nas viagens, os participantes gostam de trocar endereços para futuras correspondências e visitas. Era este o clima alguns momentos antes da partida da jardineira, que nos transportaria ao aeroporto. Isso parecia contribuir para serenar os ânimos. Mas o oposto aconteceu e, indiretamente, eu fui a causadora desse mal-estar. Bem que previa tal reação, mas não tinha como esconder dos colegas meu endereço.
Uma boa parte do grupo não se conteve, quando viu o nome da rua: Boa Morte.
– Que estranho esse nome!
Alguns copiavam em silêncio. Chegou então a vez de um amazonense anotar. Meio brincando, meio sério, falou:
– Vá para o inferno! Esse é nome que se dê para um logradouro público? Eu, se fosse você, pedia ao prefeito da cidade, para mudar imediatamente esse nome!
Todos criticavam o nome da rua em que eu morava, mas só este colega teve coragem de dizê-lo.
E pensar, que não lhes contei o ocorrido com meu avô paterno, para não deixá-los mais tensos: morreu de ataque cardíaco, quando caminhava nessa rua. Segundo os amigos e parentes, foi “uma morte bonita, sem sofrimento: uma boa morte!”
Felizmente a viagem de volta foi calma. De quando em quando espiava pela janelinha do avião. A lua cheia nos acompanhava, dando a sensação de que cavalgávamos o cavalo branco de São Jorge, que nos defendia com sua espada. O luar dourado indicava o caminho para o grande pássaro voar.
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