A silhueta de Hiroshima
Cássio Camilo Almeida de Negri
O céu amanhecera limpo, sem nenhuma nuvem. Atrás da montanha, o sol nascente estampava no firmamento o símbolo nipônico. Nem parecia que estávamos em guerra aqui em Hiroshima.
As incessantes sirenes, que anunciavam os bombardeios americanos, há dias não soavam.
Eu estava no pátio da escola com a vassoura nas mãos, varrendo-o das folhas mortas, pois era o servente.
A hora do recreio findara há instantes e todos estavam de volta às salas de aulas.
De repente, uma rajada de energia que parecia vinda do portal do inferno recém-aberto, me estatelou na parede caiada do espesso muro de entrada. Minha consciência se apagou e nada mais percebi.
Dias depois, recobrei a consciência e me vi andando sem rumo pelo jardim que agora mostrava somente árvores carbonizadas. Da escola, só restavam algumas paredes, o teto, assoalho, vidros, tudo havia evaporado.
Via corpos carbonizados e outros andando sofregamente, completamente nus, carnes queimadas, como que derretidas e escorrendo dos fêmures, tíbias e ulnas.
Muitos corpos a tremer pelo chão sendo devorados por bilhões de vermes dos ovos das moscas ali depositados. Disso só calculei que o inferno passara por ali há dias.
No entanto, eu não sentia nenhuma dor. Continuava saudável e belo, como sempre fora, como a flutuar entre as fumaças e o odor de carne podre, tentando ajudar os combalidos.
Imaginei então que deveria ser um ataque americano com uma nova arma, a do juízo final.
Mas eu, aqui tão bem, como é possível não ter sido atingido?
Não tinha tempo para pensar muito, pois precisava prestar socorro aos outros.
Os dias se passavam e eu não sentia fome, sono, só queria doar minha cota de ajuda aos semelhantes.
Após mais de três meses, sem sentir nenhuma necessidade, nem de beber água, comecei a achar estranha aquela situação.
Voltei à escola, e na parede caiada de branco, vi impressa uma silhueta negra com boné e vassoura na mão em tamanho natural.
Foi quando compreendi o que minha mãe dizia e eu, como jovem, ainda não acreditava:
-“A morte não existe, pois a alma é imortal”.
Meu corpo fora vaporizado e aquele contorno negro de minha silhueta, gravado na parede branca, era tudo o que dele restara.
Cássio Camilo Almeida de Negri
O céu amanhecera limpo, sem nenhuma nuvem. Atrás da montanha, o sol nascente estampava no firmamento o símbolo nipônico. Nem parecia que estávamos em guerra aqui em Hiroshima.
As incessantes sirenes, que anunciavam os bombardeios americanos, há dias não soavam.
Eu estava no pátio da escola com a vassoura nas mãos, varrendo-o das folhas mortas, pois era o servente.
A hora do recreio findara há instantes e todos estavam de volta às salas de aulas.
De repente, uma rajada de energia que parecia vinda do portal do inferno recém-aberto, me estatelou na parede caiada do espesso muro de entrada. Minha consciência se apagou e nada mais percebi.
Dias depois, recobrei a consciência e me vi andando sem rumo pelo jardim que agora mostrava somente árvores carbonizadas. Da escola, só restavam algumas paredes, o teto, assoalho, vidros, tudo havia evaporado.
Via corpos carbonizados e outros andando sofregamente, completamente nus, carnes queimadas, como que derretidas e escorrendo dos fêmures, tíbias e ulnas.
Muitos corpos a tremer pelo chão sendo devorados por bilhões de vermes dos ovos das moscas ali depositados. Disso só calculei que o inferno passara por ali há dias.
No entanto, eu não sentia nenhuma dor. Continuava saudável e belo, como sempre fora, como a flutuar entre as fumaças e o odor de carne podre, tentando ajudar os combalidos.
Imaginei então que deveria ser um ataque americano com uma nova arma, a do juízo final.
Mas eu, aqui tão bem, como é possível não ter sido atingido?
Não tinha tempo para pensar muito, pois precisava prestar socorro aos outros.
Os dias se passavam e eu não sentia fome, sono, só queria doar minha cota de ajuda aos semelhantes.
Após mais de três meses, sem sentir nenhuma necessidade, nem de beber água, comecei a achar estranha aquela situação.
Voltei à escola, e na parede caiada de branco, vi impressa uma silhueta negra com boné e vassoura na mão em tamanho natural.
Foi quando compreendi o que minha mãe dizia e eu, como jovem, ainda não acreditava:
-“A morte não existe, pois a alma é imortal”.
Meu corpo fora vaporizado e aquele contorno negro de minha silhueta, gravado na parede branca, era tudo o que dele restara.
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