TEKA E EU
Richard Mathenauer
Ontem, esparramado no sofá solitário de casa, assisti a "Marley e Eu", indicação do primo John. Ao ver tratar-se de mais um filme com cães, torci o nariz. Ah, o erro da precipitação! Confesso que chorei no final... Tudo bem, dizer isso publicamente pode me trazer o prejuízo de ser diagnosticado como "sensível demais", porém, advirto, cuidado com o erro da precipitação. Não é que o cão morre no final? Eu não me lembro de ter visto filme em que o cão morra no final, morte bem contada, comovente, diga-se de passagem. E pensei inevitavelmente em Teka. Essa aí de cima.Mas antes de falar de "Teka e Eu", a mensagem final de "Marley e Eu" é algo que vale a pena refletir: um cão não precisa de celular, mansões, carro do ano, um simples graveto o torna feliz; ele não faz distinção se o dono é rico ou pobre: ama-o indistintamente. E de quantas pessoas podemos falar assim, que nos amam indistintamente? - Mais ou menos com essas palavras termina o filme e Eu ainda chorando... Era um graveto que me fazia assim, tristemente feliz.Teka foi adotada. Não estava em promoção como Marley. Deixaram-na no meu trabalho, sem saber direito o que seria dela, todos dizendo que se fosse possível a levariam, porém, porém, porém, e ninguém se prontificando. Ela ficou sentadinha com os seus 45 dias à porta da minha sala, com suas orelhas grandes. Eu sabia que não poderia levá-la, também tinha lá os meus poréns. Porém, arrisquei: liguei para casa dizendo ter ganhado um cão. E presente não se há de recusar! E veio Teka, que no princípio era Verônica, mas que fora rebatizada. Disseram que os cães respondem melhor a nomes curtos; por isso é que de Frederico passou a Fred e Frederico Jr. a Feio.Voltemos à Teka. Ela entrou trêmula na casa nova, cheirou tudo o que o nariz suportou, e ganhou o sofá de canto, bem a curva dele, para dormir. Era uma santa. Uma semana durou a santidade. Logo ninguém podia sentar-se no sofá; sapatos eram mastigados... E para ninguém educar com a pedagogia do jornal enrolado ou do chinelo mesmo, dizia Eu defendendo a cria: "isso é bom pra aprender a guardar o sapato no lugar!"Logo ela não pode mais ficar dentro de casa. Ganhou toda a lavanderia para si, mas não perdeu os vícios de criança mimada: se deixasse a porta aberta, lá estava Teka no sofá. Era a única que me acompanhava até o portão quando ia ao trabalho, e a primeira a me esperar. Um dia ela não fez festa. Só subiu no colo e ali ficou. Ela que braço algum conseguia segurar por mais de um minuto! No segundo dia parou de comer. Logo veio o diagnótico: uma virose. Remédio não surtia resultado, pedir que não morresse parecia também não resultar... Chegou a pele e osso. Só os olhos eram duas bocas me falando, falando, e Eu não podendo fazer nada. Mais uma vez o amargo gosto da impotência.A soro caseiro de tempo em tempo, Eu suplicava que não morresse. E ela me olhava. Veio, enfim, o dia em que a encontrei caída rente ao muro, coberta de formigas. Pensei não a deixar sofrer e que a sacrificaria. Sacrificar tem um significado bonito... Tomei-a às formigas, limpei-a com as mãos primeiro, depois com um pano umedecido e a coloquei num quarto de despejos porque se formou temporal. Eu sabia que no dia seguinte ela estaria morta. Na manhã seguinte fui ao encontro da minha pequena amiga, ou, como esperava, do que fora ela. Quem me recebeu foi uma Teka esquálida mas saltitante. Fiquei parado à porta do quarto sem entender. Milagre? Eu sou ateu, embora tenha conversado muito com Francisco de Assis por aqueles dias... Hoje ela já deu cria duas vezes, todos filhotes de tão feios, foram lindos, e é o tormento dos pássaros que se aventuram aterrisar no quintal, e é uma destemida caçadora de sapos, e é a primeira a me dizer bom dia, a me receber de volta do trabalho e a pular nos meus amigos até que lhe deixem "beijar" a boca.Por enquanto, "Teka e Eu" não tivemos o fim de "Marley e Eu", apesar de alguns encontros de coincidências no roteiro. Sei, todavia, que não somos um seriado, e mesmo que o fossemos, teríamos inevitavelmente de ter um fim. Podemos durar mais, mas teremos. Eu penso no graveto. Na alegria simples que ela me dá. Até quando? No momento, essa é uma dúvida passageira. Hoje nós temos o graveto que é a vida.
Richard Mathenauer
Ontem, esparramado no sofá solitário de casa, assisti a "Marley e Eu", indicação do primo John. Ao ver tratar-se de mais um filme com cães, torci o nariz. Ah, o erro da precipitação! Confesso que chorei no final... Tudo bem, dizer isso publicamente pode me trazer o prejuízo de ser diagnosticado como "sensível demais", porém, advirto, cuidado com o erro da precipitação. Não é que o cão morre no final? Eu não me lembro de ter visto filme em que o cão morra no final, morte bem contada, comovente, diga-se de passagem. E pensei inevitavelmente em Teka. Essa aí de cima.Mas antes de falar de "Teka e Eu", a mensagem final de "Marley e Eu" é algo que vale a pena refletir: um cão não precisa de celular, mansões, carro do ano, um simples graveto o torna feliz; ele não faz distinção se o dono é rico ou pobre: ama-o indistintamente. E de quantas pessoas podemos falar assim, que nos amam indistintamente? - Mais ou menos com essas palavras termina o filme e Eu ainda chorando... Era um graveto que me fazia assim, tristemente feliz.Teka foi adotada. Não estava em promoção como Marley. Deixaram-na no meu trabalho, sem saber direito o que seria dela, todos dizendo que se fosse possível a levariam, porém, porém, porém, e ninguém se prontificando. Ela ficou sentadinha com os seus 45 dias à porta da minha sala, com suas orelhas grandes. Eu sabia que não poderia levá-la, também tinha lá os meus poréns. Porém, arrisquei: liguei para casa dizendo ter ganhado um cão. E presente não se há de recusar! E veio Teka, que no princípio era Verônica, mas que fora rebatizada. Disseram que os cães respondem melhor a nomes curtos; por isso é que de Frederico passou a Fred e Frederico Jr. a Feio.Voltemos à Teka. Ela entrou trêmula na casa nova, cheirou tudo o que o nariz suportou, e ganhou o sofá de canto, bem a curva dele, para dormir. Era uma santa. Uma semana durou a santidade. Logo ninguém podia sentar-se no sofá; sapatos eram mastigados... E para ninguém educar com a pedagogia do jornal enrolado ou do chinelo mesmo, dizia Eu defendendo a cria: "isso é bom pra aprender a guardar o sapato no lugar!"Logo ela não pode mais ficar dentro de casa. Ganhou toda a lavanderia para si, mas não perdeu os vícios de criança mimada: se deixasse a porta aberta, lá estava Teka no sofá. Era a única que me acompanhava até o portão quando ia ao trabalho, e a primeira a me esperar. Um dia ela não fez festa. Só subiu no colo e ali ficou. Ela que braço algum conseguia segurar por mais de um minuto! No segundo dia parou de comer. Logo veio o diagnótico: uma virose. Remédio não surtia resultado, pedir que não morresse parecia também não resultar... Chegou a pele e osso. Só os olhos eram duas bocas me falando, falando, e Eu não podendo fazer nada. Mais uma vez o amargo gosto da impotência.A soro caseiro de tempo em tempo, Eu suplicava que não morresse. E ela me olhava. Veio, enfim, o dia em que a encontrei caída rente ao muro, coberta de formigas. Pensei não a deixar sofrer e que a sacrificaria. Sacrificar tem um significado bonito... Tomei-a às formigas, limpei-a com as mãos primeiro, depois com um pano umedecido e a coloquei num quarto de despejos porque se formou temporal. Eu sabia que no dia seguinte ela estaria morta. Na manhã seguinte fui ao encontro da minha pequena amiga, ou, como esperava, do que fora ela. Quem me recebeu foi uma Teka esquálida mas saltitante. Fiquei parado à porta do quarto sem entender. Milagre? Eu sou ateu, embora tenha conversado muito com Francisco de Assis por aqueles dias... Hoje ela já deu cria duas vezes, todos filhotes de tão feios, foram lindos, e é o tormento dos pássaros que se aventuram aterrisar no quintal, e é uma destemida caçadora de sapos, e é a primeira a me dizer bom dia, a me receber de volta do trabalho e a pular nos meus amigos até que lhe deixem "beijar" a boca.Por enquanto, "Teka e Eu" não tivemos o fim de "Marley e Eu", apesar de alguns encontros de coincidências no roteiro. Sei, todavia, que não somos um seriado, e mesmo que o fossemos, teríamos inevitavelmente de ter um fim. Podemos durar mais, mas teremos. Eu penso no graveto. Na alegria simples que ela me dá. Até quando? No momento, essa é uma dúvida passageira. Hoje nós temos o graveto que é a vida.
Um comentário:
" TEKA E EU "... Simplesmente maravilhoso! Lembrei-me - da Suzi, Batu, Meg, Lassie, Ringo, Joe Boy, Frederico Augusto ( o Fred ), Teco, Tomy, Bianca, Luma, Luana...e EU! Todos já se foram..Mas a SAUDADE, ah! esta ficou comigo! Agora são Frederica, Bella e Waida e Eu! Como adoro cães! Vc me fez chorar de emoção! Obrigada por este texto carregadinho de sentimento e emoção! Abraço, Maria Emília
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