Os Animais de Jesus
Ivana Maria França de Negri
Para verificar se tinha valido a pena padecer na cruz e morrer pela humanidade, resolveu Jesus que desceria à Terra numa noite de Natal, mais de dois mil anos depois, a fim de constatar como andavam as coisas por lá.
Desceu em forma de menino de rua e perambulou pelas ruas centrais de uma grande e movimentada cidade.
Como o progresso tinha atingido proporções gigantescas! Quantas invenções e quanta fartura! Decerto todos habitantes da Terra deviam ser perfeitamente felizes, pensou Ele otimista.
Só, que não era bem assim. Caminhando pela metrópole, foi encontrando por toda parte, meninos como Ele, de pés descalços, famintos, com sede e muito frio, sem que nenhum transeunte, mesmo sendo a época festiva de Natal, parasse ao menos para dirigir-lhes uma palavra apenas que fosse, de conforto ou lhes desse alguma atenção. Passavam por eles sem vê-los, como se fossem feitos de matéria invisível, cada qual preocupado com seus afazeres banais, mas que consideravam muito importantes.
A noite caiu rapidamente e Ele sentia fome e frio. Pediu abrigo e Lhe foi negado. Pediu comida e as portas se fecharam. Resolveu dormir ali mesmo, sob um viaduto movimentado, onde pelo menos estaria abrigado da chuva.
Um cachorrinho branco aproximou-se de mansinho, abanou a cauda e aninhou-se ao seu lado. Talvez procurasse também um abrigo ou um pouco de calor e aconchego, ou mesmo um gesto de carinho. O Menino Jesus acariciou-lhe o pêlo macio e surgiu uma bela amizade. O animalzinho não se importava com sua condição de menino de rua e abanava o rabinho de contentamento e lambia-lhe as mãos demonstrando afeto.
Lembrou-se Jesus, que há dois mil anos, quando as portas de uma outra cidade também se fecharam a seus pais Maria e José, e, quando Ele, o Filho de Deus feito homem nascera humildemente numa gruta para salvar a Humanidade de seus pecados, foram outros animais que O acolheram e O aqueceram: um boi, um burrinho, muitos carneirinhos e também os passarinhos que vieram cantar para Ele. Sim, a humanidade não tinha mudado em nada... Outros Cristos eram crucificados todos os dias, de diferentes maneiras. Os Homens nada tinham aprendido. E pensou consigo: -Se Noé tivesse que voltar e encher a arca de novo, decerto levaria um casal de cada espécie animal, mas um casal de humanos desumanos, jamais!
Quanta coisa os Homens teriam ainda que aprender! Coisas tão corriqueiras como a solidariedade, a compaixão, o respeito, o amor, enfim, valores simples, que a selva de pedra em que se transformaram as grandes cidades, soterrou definitivamente...
Ivana Maria França de Negri
Para verificar se tinha valido a pena padecer na cruz e morrer pela humanidade, resolveu Jesus que desceria à Terra numa noite de Natal, mais de dois mil anos depois, a fim de constatar como andavam as coisas por lá.
Desceu em forma de menino de rua e perambulou pelas ruas centrais de uma grande e movimentada cidade.
Como o progresso tinha atingido proporções gigantescas! Quantas invenções e quanta fartura! Decerto todos habitantes da Terra deviam ser perfeitamente felizes, pensou Ele otimista.
Só, que não era bem assim. Caminhando pela metrópole, foi encontrando por toda parte, meninos como Ele, de pés descalços, famintos, com sede e muito frio, sem que nenhum transeunte, mesmo sendo a época festiva de Natal, parasse ao menos para dirigir-lhes uma palavra apenas que fosse, de conforto ou lhes desse alguma atenção. Passavam por eles sem vê-los, como se fossem feitos de matéria invisível, cada qual preocupado com seus afazeres banais, mas que consideravam muito importantes.
A noite caiu rapidamente e Ele sentia fome e frio. Pediu abrigo e Lhe foi negado. Pediu comida e as portas se fecharam. Resolveu dormir ali mesmo, sob um viaduto movimentado, onde pelo menos estaria abrigado da chuva.
Um cachorrinho branco aproximou-se de mansinho, abanou a cauda e aninhou-se ao seu lado. Talvez procurasse também um abrigo ou um pouco de calor e aconchego, ou mesmo um gesto de carinho. O Menino Jesus acariciou-lhe o pêlo macio e surgiu uma bela amizade. O animalzinho não se importava com sua condição de menino de rua e abanava o rabinho de contentamento e lambia-lhe as mãos demonstrando afeto.
Lembrou-se Jesus, que há dois mil anos, quando as portas de uma outra cidade também se fecharam a seus pais Maria e José, e, quando Ele, o Filho de Deus feito homem nascera humildemente numa gruta para salvar a Humanidade de seus pecados, foram outros animais que O acolheram e O aqueceram: um boi, um burrinho, muitos carneirinhos e também os passarinhos que vieram cantar para Ele. Sim, a humanidade não tinha mudado em nada... Outros Cristos eram crucificados todos os dias, de diferentes maneiras. Os Homens nada tinham aprendido. E pensou consigo: -Se Noé tivesse que voltar e encher a arca de novo, decerto levaria um casal de cada espécie animal, mas um casal de humanos desumanos, jamais!
Quanta coisa os Homens teriam ainda que aprender! Coisas tão corriqueiras como a solidariedade, a compaixão, o respeito, o amor, enfim, valores simples, que a selva de pedra em que se transformaram as grandes cidades, soterrou definitivamente...
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