A sétima estrela
Marisa Bueloni
A você, que me faz tantas perguntas, dedico o texto desta semana. A você, que me escreve tão lindamente, por favor, não pergunte o porquê deste título - “A sétima estrela”. Eu não sei. Surgiu, assim, de pronto, um título profético, mais ou menos como “O segundo sol”, uma música de Nando Reis.
Com o título desta crônica, estou também homenageando um dos meus autores preferidos, Rubem Alves, quando cita “A terceira margem do rio”, um conto de Guimarães Rosa. Não existe a “terceira margem do rio”, Rubem argumenta. Só conhecemos duas, a direita e a esquerda; a de cá e a de lá. E qual é a terceira? Seria a da palavra? A da literatura?
A você que me criva de indagações, deixe-me pensar. Está bem, vou mandar bala. Você também tem veia literária, pois se expressa com clareza e limpidez. Um texto tem de ser claro, ou não alcança o nosso entendimento. E não me refiro à parte cognitiva e intelectual.
Estou sendo clara? Shakespeare disse que “somos feitos da mesma matéria dos sonhos”. E é isso que move cada um de nós nas suas respectivas direções. Quando rompe o dia, algo tem de transformar a base da nossa alma pequenina. Ou não valerá a pena. Se existem mortes e ressurreições à nossa volta, é porque estamos todos imersos no sonho diário de viver. Isso é tudo que importa: viver um dia de cada vez.
Uns assimilam perfeitamente esta proposta e acolhem, fascinados, o primeiro raio da luz nascitura. Até o momento da reverência à sétima estrela que aponta no céu noturno. Tiveram do tempo uma visão apocalíptica, viveram um dia inteiro. Para outros, esta conversa mística constitui um enigma tolo e pedante. Talvez inútil. Uma linguagem de metáforas improdutíveis.
Mas, ah! E quando se entende a profundidade deste tema cotidiano? E quando capturamos a beleza do invisível, a jactância do que nos arrepia, a sensação de que o corpo ultrapassa a si mesmo, qual um cavalo solto na planície? Então, de minha parte, busco vos dar isso: um texto que represente a redenção. Um poema de vida e de morte. Algo muito óbvio, muito evidente, sob nossas fuças, e que não vemos por cegueira absoluta.
Creio não estar apta a responder todas as suas perguntas. Possuo apenas a competência da minha fé, e preservo este dom espiritual como meu bem mais precioso. Para onde vamos depois da morte? Quem me dera saber! Existem crenças e uma delas é que vamos para o julgamento diante de Deus. Nessa hora crucial, espero ter as mãos limpas, um coração puro, sem muita vaidade e um tantão assim de amor.
Você prefere o texto de rasgar o peito, aquele que beija o assombro, ou as respostas? Sabe, sinto uma profunda gratidão pelas palavras. Com elas, me derramo aqui e em qualquer lugar.Há momentos em que elas são: tomate, queijo, maçã. Depois, mudam para: banho, cabelo, creme. Também podem ser: cama, coberta, sono. Mas me pegam mesmo: tílburi; roldana; anacoluto; inconsútil; ameba; catapulta; solstício... E eu desfilaria aqui um dicionário dessa estripulia vocabular.
Nunca sei se há luz demais no meu texto. Se ele escancara uma boca enjoativa de verbos. Se também preciso depurar esta hemorragia textual, excessivamente feérica, recorrendo à estratégia de pintar alguns sombreados, um pouco de penumbra, para que um bruxuleio misterioso o torne mais poético – a conselho dos sábios poetas.
Estou disposta a negociar tudo isso, em troca da beleza a qualquer preço. Aquilo que nos toca a alma: sabedoria, liberdade, inteligência, beleza. Esta última, por exemplo - a beleza –, habita os lugares mais recônditos. Para que ela apareça é uma luta. Quando quer, se mostra, de graça. E há quem perca essa hora divinal, preocupado com as seduções deste mundo.
Eu não. Monto campana. Estou sempre de vigia, esperando por ela. Não dorme quem guarda Israel. Não durmo eu, sentinela das coisas profundas. Começo pelas mais simples, a imagem da menina empoleirada no galho alto da mangueira, aquele no qual se amarrava um balanço de corda, para o corpo balançar o sonho. Acima da árvore, um céu puríssimo.
Eu sonho, meu anjo. É isso que, afinal, você quer ler aqui? Que eu sonho. E partilho essa ousadia com os leitores. Sonhar faz um bem enorme à alma, ao corpo, à mente, à vida. Se vai nos dar longevidade, não sei. Mas acredito que somos feitos da mesma matéria dos sonhos. Ela não amarrota, não enferruja, não cria vincos. E é eterna.
Portanto, uma existência toda vislumbrando o que habita o invisível, lá no fundo do coração, no reino da esperança, e já não se pode baixar a guarda. Ou esquecer o mais importante. Notou como andamos distraídos? Que triste ir embora sem ter visto o essencial! Não permita, Deus, que eu morra sem ter visto a beleza. Ou o segundo sol. Ou a terceira margem. Ou a sétima estrela.
Marisa Bueloni
A você, que me faz tantas perguntas, dedico o texto desta semana. A você, que me escreve tão lindamente, por favor, não pergunte o porquê deste título - “A sétima estrela”. Eu não sei. Surgiu, assim, de pronto, um título profético, mais ou menos como “O segundo sol”, uma música de Nando Reis.
Com o título desta crônica, estou também homenageando um dos meus autores preferidos, Rubem Alves, quando cita “A terceira margem do rio”, um conto de Guimarães Rosa. Não existe a “terceira margem do rio”, Rubem argumenta. Só conhecemos duas, a direita e a esquerda; a de cá e a de lá. E qual é a terceira? Seria a da palavra? A da literatura?
A você que me criva de indagações, deixe-me pensar. Está bem, vou mandar bala. Você também tem veia literária, pois se expressa com clareza e limpidez. Um texto tem de ser claro, ou não alcança o nosso entendimento. E não me refiro à parte cognitiva e intelectual.
Estou sendo clara? Shakespeare disse que “somos feitos da mesma matéria dos sonhos”. E é isso que move cada um de nós nas suas respectivas direções. Quando rompe o dia, algo tem de transformar a base da nossa alma pequenina. Ou não valerá a pena. Se existem mortes e ressurreições à nossa volta, é porque estamos todos imersos no sonho diário de viver. Isso é tudo que importa: viver um dia de cada vez.
Uns assimilam perfeitamente esta proposta e acolhem, fascinados, o primeiro raio da luz nascitura. Até o momento da reverência à sétima estrela que aponta no céu noturno. Tiveram do tempo uma visão apocalíptica, viveram um dia inteiro. Para outros, esta conversa mística constitui um enigma tolo e pedante. Talvez inútil. Uma linguagem de metáforas improdutíveis.
Mas, ah! E quando se entende a profundidade deste tema cotidiano? E quando capturamos a beleza do invisível, a jactância do que nos arrepia, a sensação de que o corpo ultrapassa a si mesmo, qual um cavalo solto na planície? Então, de minha parte, busco vos dar isso: um texto que represente a redenção. Um poema de vida e de morte. Algo muito óbvio, muito evidente, sob nossas fuças, e que não vemos por cegueira absoluta.
Creio não estar apta a responder todas as suas perguntas. Possuo apenas a competência da minha fé, e preservo este dom espiritual como meu bem mais precioso. Para onde vamos depois da morte? Quem me dera saber! Existem crenças e uma delas é que vamos para o julgamento diante de Deus. Nessa hora crucial, espero ter as mãos limpas, um coração puro, sem muita vaidade e um tantão assim de amor.
Você prefere o texto de rasgar o peito, aquele que beija o assombro, ou as respostas? Sabe, sinto uma profunda gratidão pelas palavras. Com elas, me derramo aqui e em qualquer lugar.Há momentos em que elas são: tomate, queijo, maçã. Depois, mudam para: banho, cabelo, creme. Também podem ser: cama, coberta, sono. Mas me pegam mesmo: tílburi; roldana; anacoluto; inconsútil; ameba; catapulta; solstício... E eu desfilaria aqui um dicionário dessa estripulia vocabular.
Nunca sei se há luz demais no meu texto. Se ele escancara uma boca enjoativa de verbos. Se também preciso depurar esta hemorragia textual, excessivamente feérica, recorrendo à estratégia de pintar alguns sombreados, um pouco de penumbra, para que um bruxuleio misterioso o torne mais poético – a conselho dos sábios poetas.
Estou disposta a negociar tudo isso, em troca da beleza a qualquer preço. Aquilo que nos toca a alma: sabedoria, liberdade, inteligência, beleza. Esta última, por exemplo - a beleza –, habita os lugares mais recônditos. Para que ela apareça é uma luta. Quando quer, se mostra, de graça. E há quem perca essa hora divinal, preocupado com as seduções deste mundo.
Eu não. Monto campana. Estou sempre de vigia, esperando por ela. Não dorme quem guarda Israel. Não durmo eu, sentinela das coisas profundas. Começo pelas mais simples, a imagem da menina empoleirada no galho alto da mangueira, aquele no qual se amarrava um balanço de corda, para o corpo balançar o sonho. Acima da árvore, um céu puríssimo.
Eu sonho, meu anjo. É isso que, afinal, você quer ler aqui? Que eu sonho. E partilho essa ousadia com os leitores. Sonhar faz um bem enorme à alma, ao corpo, à mente, à vida. Se vai nos dar longevidade, não sei. Mas acredito que somos feitos da mesma matéria dos sonhos. Ela não amarrota, não enferruja, não cria vincos. E é eterna.
Portanto, uma existência toda vislumbrando o que habita o invisível, lá no fundo do coração, no reino da esperança, e já não se pode baixar a guarda. Ou esquecer o mais importante. Notou como andamos distraídos? Que triste ir embora sem ter visto o essencial! Não permita, Deus, que eu morra sem ter visto a beleza. Ou o segundo sol. Ou a terceira margem. Ou a sétima estrela.
Um comentário:
Boa tarde. Muito bom este espaço, vou olhar com calma.
FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... p0assou para dar uma espiada nas novidades e desejar um bom final de semana.
Saudações Florestais !
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