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segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Natal do menino de rua


                                   Leda Coletti

É véspera de Nata!

Marcelo não sabe por que as ruas estão desertas. Estava contando com uns trocadinhos para o seu lanche predileto - pão com mortadela – mas, parece que o remédio será ir até o semáforo da Avenida Maior e tentar obtê-los com os motoristas, que param obrigatoriamente no sinal fechado.

Estranhou a ausência da Dona (nem sabe seu nome), para a qual dá toda coleta, e de onde vem seu minguado salário, que mal dá para rebater a fome com o sanduíche de mortadela; às vezes dá para comprar um refrigerante ou sorvete.

Notou que as lojas e supermercados estão fechados. Tem certeza de que ontem foi domingo, pois viu o número grande de fiéis entrando e saindo da igreja-matriz para as missas dominicais.  Em dias como hoje, tem vontade de ir até à área de lazer, pois lá sempre rola um dinheirinho de algum dono de carro que vai caminhar. Mas não tem coragem, porque sabe que irá receber ameaças dos colegas, que são permanentes no local. Em último caso, se não conseguir o suficiente, já pensou nas latas de lixo, onde há resíduos de alimentos aproveitáveis.   Se não conseguir nada aproveitável, vai à praça, onde  aquelas mulheres e homens- anjos  da noite, alimentam  os “sem  teto“, como ele.

Marcelo, nos seus doze anos incompletos, assume com orgulho ser menino de rua. Muitas vezes chamam-no assim, acrescentando impropérios, sobretudo ao flagrarem-no roubando alguma tralha que encontra próxima às portas das lojas.

Não se recorda dos pais; só vagamente da avó paterna. Dos seis aos nove anos ficou num orfanato, até o dia em que resolveu fugir para conhecer a cidade grande. Só lhe vem à lembrança o seu retorno à outra instituição, que lhe pareceu pior que a primeira. Não tinha consciência dos limites de comportamento para se viver em grupo. Achava as tias dessas instituições muito exigentes, quando não cumpria as tarefas rotineiras. A desobediência às mesmas resultava em restrições, que o fizeram mais uma vez fugir para a rua. Esta sim considerava sua verdadeira morada, principalmente a praça, reservada para ser sua trincheira de combate, defesa e local de repouso. Gostava de dormir nos bancos do jardim, apreciando a lua e acordando com os raios tímidos da bola alaranjada, seu amigo sol. Isso, quando não havia quebra-quebra com os demais ocupantes do local, acabando o incidente no camburão da polícia.

Considera-se dono do mundo, sobretudo quando usa aquele pó que o companheiro da praça lhe deu, em troca das bugigangas que roubou. Não tem ninguém por ele, e para dizer a verdade nem conhece a importância de um toque de carinho, pois nunca recebeu algum. É bem verdade que muitas vezes, quando assiste televisão nos bares, sente um pouco de vontade de ter alguém por ele: o pai, a mãe, um irmão, um tio, primo, mas não adianta sonhar! Na primeira casa em que ficou, prometeram-lhe arranjar uma madrinha, doadora dos livros para estudar na escola do bairro, mas ele fugiu antes de conhecê-la.

Distraído em seus pensamentos, só o percebeu pelo toque do sininho. Com um sorriso largo, Papai Noel foi logo lhe dando um forte abraço e dizendo:

¾ Feliz Natal, meu querido menino!

Em seguida presenteou-o com uma bola e caixas com doces. E continuou:

¾ Quero convidá-lo para ser meu companheiro. Preciso de um auxiliar para entregar os presentes das crianças de um bairro distante daqui. Estou atrasado e sei que me aguardam ansiosos.

Marcelo mal acreditava no que via e ouvia.

¾ Mas Papai-Noel só aparece no Natal! No orfanato ele sempre aparecia nesse dia! 

¾ Hoje é véspera de Natal e estamos comemorando o aniversário do Menino Jesus, que sempre me pede para fazer a entrega de encomendas às crianças daqui da Terra.

¾ Então vou virar velhinho como o senhor?

¾ Se quiser posso providenciar-lhe um traje igual ao meu. Afastou-se por instantes, voltando logo em seguida com a vestimenta própria.

Aquele dia foi inesquecível para Marcelo, que pela primeira vez experimentou momentos felizes, ofertando presentes a crianças pobres como ele. Nunca ficara triste quando alguém se despedia dele, mas dessa vez isso ocorreu.

¾ Marcelo, você foi um companheirão! Conto com você em outros Natais e, dando-lhe um forte abraço se afastou apressado.

No dia após o Natal, quando as faxineiras da praça faziam a limpeza costumeira, viram aquele Papai Noel criança, deitado no banco. Estava estático e dormia profundamente.

¾ Não vamos acordá-lo, pois parece estar sonhando e sua fisionomia é de alguém que está feliz.

Se estivessem mais atentas, teriam notado que Marcelo dormia o sono dos anjos do céu.

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