As reuniões do Grupo Oficina Literária de Piracicaba são realizadas sempre na primeira quarta-feira do mês, na Biblioteca Municipal das 19h30 às 21h30

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Com o escritor Ignacio Loyola Brandão

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Reunião na Biblioteca

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Pra onde, o bonde?

 



José Ochiuso

 

Aceito o convite da manhã

 Na companhia fresca do sereno,

à praça chego a preguiçosas passadas

À Catedral, alta, imponente, clara, envolvente

Às três portas e um altar

Santo Antonio no nicho de Cristo

 Fiéis, véus, devotos

Hinos e salmos inundam a nave

Escuto a palavra, sinto a palavra, emociono-me

O trânsito distrai-me pela porta lateral

A Boa Morte carrega a vida lá fora

Beatos choram a morte do Redentor cá dentro

Não dou ouvidos, duvido e peco, peço licença e avanço

Avança a manhã que me trouxe

Praça a fora recebo o Sol, o céu, o seio da cidade

Árvores, pombos, aposentados, carros de praça e burburinho

Politeama, fechado

Passarella, fechado

O último boêmio tropeçando em bancos

O primeiro sinal do bonde

 Pra onde?                          

 

Aceito o convite da tarde

Na companhia pegajosa do calor,

ao rio chego a suadas passadas

A luz reta embeleza o banco do barco

 que a doce água beija e balança

Barrenta, a água sobre as pedras arrebenta

Saltam do salto peixes à mancheia

Fios invisíveis descem de caniços e penetram a água

Fieiras prateadas reluzem

 e em bolos luminosos se transformam

Corpos adultos musculosos se misturam

 a mirrados moleques mal-alimentados

Que descem o rio agarrados a bóias

Bares, burburinho, bebidas

O velho pescador na soleira

Cigarro de palha e já a garrafa

Cães, vassouras e bolas

O nariz escorrendo, a barriga inchada

A ponte que une as margens

A ponte por onde passa o bonde

Pra onde?

 

Aceito o convite da noite

Na companhia excitante da esperança,

ao salão chego a ansiosas passadas

Vestidos longos varrem o São José engalanado

Ternos improvisados circulam pelo foyer desbotado

 Lancaster e Gardênia, bandejas e garçons

Alguém fuma e começo a sonhar

Bola de cristal rasga a meia-luz

Corpos rodam no salão

Os passos da dança (um, dois, três)

O ensaio dos beijos (um, dois, mais)

O tesão da carne, o tesão do amor, o tesão

A mão a acariciar seios e nuca, o convite pra depois

Tudo roda, tudo em volta, tudo envolve, tudo engolfa

Lábios, línguas, lindas promessas e a última música

O fim do baile, o salão aceso, os pais, a mesura

O amor no bonde

Pra onde?

 

Aceito o convite da madrugada

Na companhia barulhenta dos boêmios,

ao Mercado chego a famintas passadas

Pastel, garapa, Caracu, bom-dias e boxes

Peixes, olhos de peixes, cheiro de peixe

Canários, periquitos, aves gorjeiam como só cá

Envolvem os corredores silvos e sons

Vermelho, verde, amarelo, dos balcões transbordam cores

Cheiro molhado, cheiro doce, cheiro-verde

Balbucio breves sílabas e brinco na branca manhã

Marrom, a Metodista se ergue e diz as horas

O dia se abre ao bonde

Pra onde?

 

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