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Reunião na Biblioteca

domingo, 12 de novembro de 2023

Uma brisa de paz


Marcelo P. da Silva

Ulysses fechou as páginas do jornal com um sentimento de descontentamento. Enxugou um pequeno fio de lágrima escorrido na borda do olho esquerdo. Aquelas notícias eram pesadas demais, e o sentimento de impotência o tomou a ponto de irritá-lo. Deixou o jornal de lado e olhou para um canto qualquer daquela sala, buscando algum tipo de consolo. Ouviu pancadas na porta, cuja madeira gritava de dor. Abriu. Sua irmã, Neide, entrou de ímpeto, disparando insultos para todos os lados. Não, ele não era o foco principal daquelas palavras duras, mas, depois de quase ter batido o carro, era o primeiro ouvido disponível para que ela descarregasse todas as antigas mágoas. Conflitos que tiveram na infância vieram à tona; desentendimentos com os pais, já falecidos; palavras atravessadas que foram cuidadosamente guardadas num baú de memórias quase mortas. E muitas outras coisas foram esquentando a cólera daquele homem recém-perturbado com as dores do mundo. Conforme Neide falava, Ulysses se preparava, correndo, às pressas, atrás de lembranças já cicatrizadas. Aquele seria um dia histórico. Talvez, uma separação definitiva das reuniões de família. Um último diálogo entre os dois, antes da “indesejada das gentes” pedir-lhes um beijo derradeiro. E, quando num silêncio de Neide, as cordas vocais de Ulysses se expandiram para soltar suas facas letais, seu olhar curioso visualizou a página do jornal sendo aberta pela brisa do ventilador ligado. Num rápido pensamento, um grito maior da razão, rompendo as estruturas de um ódio sem razão de ser. A consciência sobre pessoas reais ao redor do mesmo problema: as consequências do desamor. Apenas uma diferença entre elas: uma das partes possuía as mãos atadas, esperando um fim anunciado.

Ulysses voltou o olhar para Neide que, tal como quem desfere um nocaute, esperava a revanche, com os dentes à mostra, num semblante animalesco. Respirando fundo, a fim de diluir os sentimentos e sentidos, a encarou como se apenas houvesse aquela existência no mundo. Por fim, deu o golpe definitivo:

 – Perdão!

Neide recuou, caindo no sofá. Demorou a se levantar e, quando o fez, chorou tudo que pôde e, quando recuperou as forças, correu ao encontro do irmão, abraçando-o como se ele fosse, muito em breve, desaparecer.

O ventilador os mirou e, naquela brisa que os perpassou, uma gotícula minúscula de paz propagou seu perfume na imensidão do mundo.

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