Raquel Alves
Tudo o que
decidimos na vida é, por mais que não tenhamos consciência disso no momento,
uma tentativa de sermos felizes: fazer uma graduação, desistir dela, casar,
separar, comprar um carro, plantar um jardim, fazer terapia, ter um ou vários
pets, praticar um esporte, escolher um livro para ler ou uma série para
assistir.
A grande questão é,
contudo, saber quais são as escolhas que de fato combinam conosco e que podem
nos conduzir a uma vida mais feliz. Para isso precisamos resgatar a nossa
essência humana, as nossas verdades e os nossos valores. Não temos como
encontrar isso em propagandas de marketing dedicadas em acordar desejos ocultos
em nós, mas no nosso silêncio íntimo e profundo, residente de um lugar onde só
nós, diante de uma relação sincera e consciente com a vida, podemos acessar.
E a literatura tem
papel fundamental na construção desse caminho. Em primeiro lugar porque
precisamos silenciar para conseguir ler e, com isso, nosso corpo vai aprendendo
a se conectar com o mundo interno que os habita, senhor de muitas respostas. Em
segundo lugar porque nosso dia a dia não é acelerado e tão cheio de informações
como o mundo das telas. A vida não é hiperestimulante. E a literatura tem um
ritmo que se conecta com o do viver. Quando fechamos um livro, a vida não nos
parece desinteressante, mas quando desligamos o celular após longos momentos
entre feeds e vídeos sim. E por fim, a grande magia da literatura: a tecnologia
do livro!
Livros são
simples, um monte de papel escrito, diagramado, às vezes ilustrados, que podem
ser grampeados, colados ou costurados. Tecnologia zero. Errado! A tecnologia
dos livros não é neles em si, mas no que fazem com a gente quando os lemos:
“abrem” em nós um universo de imaginação
e criatividade onde ativamos nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossa
capacidade de nos manter concentrados, atributos fundamentais para acessarmos
aquele lugar onde moram nossas verdades.
Quando lemos para
uma criança, para muito além de oferecer um brinquedo feito com letras para
ela, a convidamos para acessar uma conduta que a faça ter relação mais profunda
com sua vida. E quando um adulto lê para uma criança, oferece a ela o que temos
de mais precioso para dar aos pequenos: momento de qualidade, no qual estamos
inteiros para eles. Esses momentos comunicam, sem palavras, que estamos ao lado
delas amando-as e protegendo-as. E isso
é fundamental para que crespam emocionalmente seguras.
E a literatura
infantil, mesmo sendo direcionada a crianças, dialoga com todos, até a velhice.
Comunica muito com poucas palavras, por envolver metáforas, simbologias e
ilustrações. O adulto que ler “O Pequeno príncipe” confirmará minha tese: é uma
história que dialoga fundo com a natureza humana, de forma que só os adultos
podem compreender. Cada “criança” acessa e extraída história o que consegue, a
partir do seu repertório de vida.
Meu pai, o
escritor Rubem Alves (1933 - 2014), um dos principais nomes da educação e da
literatura brasileira, apostou nas histórias como fonte para a construção da
minha segurança emocional já que, por ter nascido com lábio leporino e fenda
palatina, teria adversidades para enfrentar desde cedo. E para além disso, a
literatura foi o meio que ele encontrou para despertar em mim o desejo profundo
de viver, apresentando-me por meio dela a sensibilidade, a beleza e o mundo
mágico dos sentimentos e dos pensamentos.
Eu, que depois de
adulta tive que enfrentar o duro processo de perda de visão, carrego em mim a
seguinte pergunta: de que adianta ter visão perfeita se os olhos da nossa alma
forem míopes? Pois bem, a literatura oferece para a nossa alma as lentes
necessárias para que veja de forma clara e cristalina... Quer coisa melhor?
Raquel
Alves,
pensadora, autora de cativantes livros infantis e palestrante, traz consigo uma
história extraordinária influenciada desde cedo pelo legado de seu ilustre pai,
o renomado Rubem Alves. Sua jornada de vida, marcada por desafios de saúde
física e emocional desde a infância e a adaptação a deficiência visual na vida
adulta, molda sua perspectiva única de enxergar e experienciar o mundo. Um
exemplo notável de resiliência e determinação, Raquel compartilha, por meio de
suas narrativas e reflexões, a essência humana e a beleza da vida, encantando e
inspirando tanto crianças quanto adultos.
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