As reuniões do Grupo Oficina Literária de Piracicaba são realizadas sempre na primeira quarta-feira do mês, na Biblioteca Municipal das 19h30 às 21h30

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Com o escritor Ignacio Loyola Brandão

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Reunião na Biblioteca

sábado, 10 de outubro de 2020

OS PIANOS



Ivana Maria França de Negri

  

Nas décadas de 50 e 60 era muito comum as famílias terem um piano num lugar privilegiado da casa, principalmente quem tinha filhas. Fazia parte da educação aprender um instrumento musical.

            Nós tínhamos dois pianos alemães. Um de cor clara, marfim, que era da minha tia, e outro de cor mais escura, mogno, da minha mãe.

            Eu e minhas duas irmãs tínhamos aulas particulares em casa. Lembro-me das professoras Edwiges, Sílvia e também tive aulas com dona Gerdes, na casa dela, que morava a um quarteirão da nossa.

            Quando minha tia ficou viúva, os pianos emudeceram, éramos proibidas de tocar. O luto impedia qualquer demonstração de felicidade, já que música é pura alegria! Aos poucos tudo foi voltando ao normal, e os pianos, trancados a chave, foram liberados para terem suas teclas dedilhadas novamente.

            Além das clássicas obrigatórias, eu gostava de tocar músicas “de ouvido”, as da Bossa Nova, Jovem Guarda e até dos Beatles.

            Eram tempos em que as pessoas se visitavam frequentemente. Lembro-me que entre bolos, biscoitos e café, as visitas também degustavam nossas músicas, num concerto exclusivo. Dona Carolina, comadre da minha mãe,  sempre ia nos visitar e gostava de ouvir nossas pequenas sinfonias.

            A casa da minha futura sogra ficava em frente à casa dos meus pais. Eu tinha 13 anos e me lembro que abria o postigo de vidro da porta da frente e tocava a música Tema de Lara, do filme Doutor Jivago, quando meu paquera de 17 anos (o Cássio, que veio a ser meu marido) voltava das aulas do Sud Mennucci. Nunca havíamos conversado, mas a música que eu tocava ao piano nos unia, pois havia dias em que eu não tocava e ele passava assobiando a mesma música. Era um encontro de almas, sem conversas ou toques. Tudo de longe. Antigamente se dizia amor platônico, hoje dizem que é virtual.

            Namoramos, nos casamos e fomos morar em Brasília. Fiquei longe das teclas por um bom tempo, atarefada com os filhos que chegavam, e quando vinha para Piracicaba, mal tinha tempo de dedilhar algumas músicas.

            Minha tia dizia que o piano dela um dia seria meu  e o da minha mãe, ficaria para  minha irmã caçula, já que a mais velha ganhou um do marido, pois nunca deixou de tocar, e em sua casa todos têm o dom musical.

            Minha tia faleceu e treze  anos depois faleceu minha mãe. E os pianos ficaram na casa do meu pai por mais onze anos, sem que ninguém tivesse coragem de tirá-los de lá, pois faziam parte dela. O piano escuro que ficava na sala de jantar serviu nesses anos todos de “comunicação” entre os filhos. Tudo era deixado “no piano”. Onde estão as chaves? Em cima do piano! Onde estão as contas para pagar? Sobre o piano! Lembranças de viagens eram deixadas sobre o piano com os nomes.  Assim como os ovos de Páscoa deixados sobre o piano, presentes de aniversário, de Natal, recados, flores. Era um móvel democrático que servia para tudo, menos para ser tocado...

            Meu pai partiu em meados do ano passado. Resolvemos chamar um especialista para avaliar a situação dos pianos a fim de  restaurá-los. Ele chegou com sua maleta, como se fosse um médico e deu o diagnóstico:  não há a mais remota possibilidade de serem restaurados. Os cupins tomaram conta da madeira e a ferrugem das partes metálicas. Ficaria muito mais dispendioso restaurar do que comprar um novo.

            Tudo tem seu tempo na face da Terra, diz o Eclesiastes, e o tempo desses pianos passou... Agora, só o catacacareco saberá o destino desses pianos. Para nós, restarão apenas os acordes mágicos de um tempo feliz da infância e juventude ecoando em nossos ouvidos e para sempre em nossa memória...


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