PROSA & VERSO
Camilo Irineu Quartarollo
O velho carpinteiro esquecia os óculos pela oficina, sobre as bancadas e cantos escusos. Depois que criou Pinóquio sua vida ficou mais cheia, agora o menino estava na escola aprendendo as primeiras letras e que as aprendesse mais que ele, um primário leitor de jornal. Granjeava os carinhos do filho de madeira, devido ao esforço e mimos em criá-lo. Sempre pedia sua atenção, mesmo quando ocupado com a carpintaria, com os acabamentos mais precisos e delicados, o chamado do menino o tirava da concentração cotidiana. Pai Gepeto! E lá vinha com seu calçãozinho azul, camiseta laranja e o boné verde a fazer perguntas.
O carpinteiro descobriu o problema do pouco rendimento nos estudos, os olhos que lhe dera. Agora careciam de um par de óculos. Bem, tal pai, tal filho – Gepeto também os usava. À noite, numa luz artificial os dois se debruçavam para as lições de casa. Aos poucos a vela ia se apagando nas lentes do pai em lusco-fusco e o estudante em silhueta caía sobre a bancada, dormente, no sonho dos bonecos, dali era carregado pelo velho até sua cama improvisada num canto da oficina. Gepeto aprendia junto do menino e depois que este dormia, ele pegava seu jornal velho e o livro de carpinteiro debaixo do martelo, que segurava do vento, e lia um pouco ali a só antes de se deitar.
Acordava antes de Pinóquio, aos seus cuidados e de quem obtivera a guarda e registrou em seu nome, não mais como invenção, mas como filho. Um filho de madeira, mas que obtivera status de gente. Que falava, e muito mais nessa idade da razão, tanto que diziam que mentia, criava histórias e para se safar da responsabilidade lançava mão desse vício. Mas Gepeto sabia que todas as crianças imaginam bastante e depois de velho talvez mais, porque ajuntam as histórias de menino com as da velhice. Os desejos e as frustrações. Quem quer ser gente, tem esses problemas. O velho sabia e entre uns puxões no nariz do filho, dava outros leves por desconto, puxado pelos próprios brios.
Aos sábados, pegava o menino no colo durante o café, para ler o jornal. A sessão de prosa & verso. O estudante precisava desenvolver-se espiritualmente e as informações de primeira página ficariam para depois. O menino punha os óculos e lia para o pai, entre perguntas.
- Pai, por que ler poesia? Eu vou ser engenheiro, não quero ser escritor. – O velho ignorava o descaso e punha mais uma estrofe para o menino ver.
- Pai, essas rimas, essa métrica, por quê? – Sem saber a resposta o carpinteiro de formação primária saía de forma escusa e mantinha a estrofe, recitando o lido pela parte inferior dos óculos, em suas lentes de aumento. Foi, até que o sábio educador disse a Pinóquio:
- Filho, para ler prosas ou versos é preciso tirar os seus óculos e por vezes, é preciso mesmo fechar os olhos.
(Homenagem aos escritores da sessão e paginadores-escritores de Prosa & Verso)
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