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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Para um pássaro à beira da estrada que me leva ao trabalho

(foto de Angelo Jorge)

 Olivaldo Júnior

 Sim, foi um pássaro.
Teve ninho, céus e pousada
nos galhos das árvores
que o mundo
lhe dava.

Sim, foi um pássaro.
Teve bico, pena e pousada
nos braços das almas
que o mundo
levava.

Sim, foi um pássaro.
Teve cisco, seiva e pousada
nos sábados mártires
que o mundo

nos dá.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A vizinha de Capitu


Olivaldo Júnior


Para a professora Rossana Sartori
(In memoriam)

            Ontem faleceu uma professora que tive durante a época de faculdade. Faleceu? Não, essa professora, fã de Guimarães Rosa, não faleceu: “ficou encantada”. O encanto da professora Rossana Sartori não se esvaneceria com o fim da respiração, com o fecho do livro da existência que a consagrou como uma das grandes professoras de Literatura Brasileira das Faculdades Integradas Maria Imaculada (FIMI), em Mogi Guaçu, São Paulo, Brasil. Brasil... O Brasil está mais pobre, e o Céu está festivo com a chegada de quem nunca me enganou: a professora era mesmo “a vizinha de Capitu”. Duvida?!
            Conheci a professora Rossana quando entrei no curso de Letras, nas FIMI, ao início de 2008. Ela era gorda, de estatura média, com a pele muito branca, até rosada, e, quando sorria, ou gargalhava, nós sorríamos.
            Lembro-me da primeira aula que meus colegas e eu tivemos com ela. Foi sobre a Carta de Pero Vaz de Caminha, quando a cara professora pediu à classe que formasse grupos que discutiriam pequenos trechos da célebre escrita a fim de ser feito um texto. O grupo em que eu estava teve a ideia de unir os trechos que analisava a uma bela música da Legião Urbana, a clássica Índios, o que agradou bastante a professora, que pediu o texto que fizemos para guardá-lo. Sim, a professora Rossana gostava de guardar. Guardou na mente a coleção de tipos da Literatura Brasileira e os transportou para as aulas, como se toda aquela gente fictícia fosse alguém já conhecido, um tipo qualquer, com o qual podíamos ter em qualquer rua de qualquer cidade do mundo.
            Não me esqueço de que tivemos muitas festas durante o tempo de faculdade e, quando isso acontecia, meus colegas queriam uma foto no colinho da professora mais fofa da “facul”. Mãezona, no melhor sentido da palavra, a professora era famosa por suas provas dissertativas que instigavam os alunos a se mostrarem como professores, em linhas e mais linhas de senhoras redações.
            Um dos momentos marcantes, além da festinha em que a professora completou 51 anos, “uma boa ideia”, como a própria se pôs a dizer, foi a noite em que se apresentou a canção de Vanessa da Mata, uma bela composição que evoca o ano de 1890, com referências a personagens de Machado de Assis, numa atmosfera bucólica e realista dos últimos passos do Rio de Janeiro em pleno século dezenove. A música começou a rodar num aparelho de DVD que havia na sala, e os alunos, com a letra da música sobre as mesas, num coro emocionante e espontâneo, cantaram uma, cantaram duas vezes a canção Carta – Ano de 1890.
            Falando em tempo, a professora partiu com 55 anos de vida. Moça, muito moça para quem ainda não havia contado todas as histórias que poderia ter contado. As pessoas não são senão histórias sem final.

            Faz muito tempo que não vou à faculdade, nem vejo mais os professores que lecionaram para mim durante o tempo que durou a graduação do curso que fiz. Fui apenas uma vez à casa da professora Rossana. Queria ter ido mais vezes até lá e, secretamente, desconfio de que ela tenha me esperado, esperando que fosse mais vezes à casa da “vizinha de Capitu”. Agora, “encantada”, quem sabe, numa das casas do Rio Antigo, que só há mesmo nas nuvens, ela não encontra Machado e não pergunta, pessoalmente, desvendando para sempre o mistério: Capitu traiu, ou não traiu Bentinho? Isso é coisa que apenas professora Rossana poderá saber, em suas incursões pelo sítio de Lobato, que fica perto de Pasárgada, olha! Não, não há mais nada para ver, a não ser a memória, certeza de que estivemos juntos.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Dia da Consciência Negra – 20 de novembro


         Tenho visto amigos e pessoas próximas a dizer que é bobagem no dia 20 de novembro ser comemorado o Dia da Consciência Negra, que o que vale é a consciência humana, que é de toda cor, etc.
           Penso que não podemos perder de vista que vivemos, sempre, num processo histórico. Ah, sim, todos sabem disso. 
        Mas se hoje é necessário que se pense sobre o ser negro no Brasil, talvez depois que todos tenhamos entendido as reais implicações, e quando vivermos em verdadeira harmonia multicolorida, até queiramos continuar comemorando o 20 de novembro, e celebrar que tudo está bem.
          Você fica contente quando alguém se lembra de seu aniversário, e lhe deseja felicidades? Um dia especial.
        Quando fui visitar o Parque Iguazu, na Argentina, e chegou a minha vez de comprar ingresso, o moço do caixa se dirigiu a mim falando em inglês. Quando eu estava numa praia distante, em Búzios, duas moças, com jeito de quem decidiu ir viver lá porque é bonito, vieram me vender doce de leite, e eu apenas sorri e fiz que não com a cabeça, então perguntaram se eu era francesa, holandesa, estavam quase falando em outra língua comigo, mas me afastei...
        Ao entrar no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, passei direto pelo guarda, com minha mochila e tudo mais, porém minha ex-aluna, negra, precisou abrir a bolsa, mostrar o conteúdo... Depois, fomos tomar um lanche na requintada cantina de lá; no balcão, fui prontamente atendida, mas demorou muito até que alguém desse atenção à minha companheira – tínhamos nos separado um instante, cada uma buscando o que ia querer na vitrine – e, o meu lanche chegou bem rápido, o dela demorou, mas o suco dela demorou mais ainda... não lhe davam a atenção devida.
        Desde criança, noto em minha família os traços dessa discriminação, e teria muitas histórias para contar. Hipocrisia imperando, sempre.
        Apesar de me vestir com simplicidade, de estar quase sempre preocupada com as contas a pagar, tenho aparência de estrangeira aqui no Brasil. 
        Mil vezes fiquei sem graça ao ver pessoas de minha família sendo arrogantes..
        Quando lecionei em escolas públicas municipais de cidade pequena do interior paulista, escolas afastadas, no meio rural ou quase, conheci por dentro comunidades em que a maior parte das pessoas são afrodescendentes, ou migrantes nordestinos. Gente que sempre teve, através de várias gerações, poucas oportunidades de estudos, de estabilidade financeira, de progredir na hierarquia social.      
        Em estudos antropológicos, constata-se que ‘a imagem de si’ desses sujeitos é muito distorcida pelos valores da elite social dominante, que se acostumou a tratá-los como subalternos, indignos e por aí afora.
         Então, temos sim uma dívida imensa com esses brasileiros afrodescendentes, e por isso precisamos deste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, para podermos parar tudo e pensar sobre esta situação.         
        Ah, e hoje à noite, experimente sonhar que você, qual personagem kafkiano, se transformou num afrodescendente, e tente ir por seus caminhos e lidas rotineiros para ver o que acontece...

Brasil e suas bifurcações


                    Murilo Henrique de Toledo Bueno *

O Brasil tem enfrentado problemas sérios e até constrangedores, como os elevados índices de violência, pobreza e corrupção. Porém, mesmo diante dessa triste realidade, boa parte dos brasileiros parece não se manifestar nem se importar com isso, preferindo fingir que nada está ocorrendo. Em um cenário marcado pela necessidade, é preciso que a sociedade se posicione frente à ética nacional, de forma a honrar seus direitos e valores e, assim, evitar o pior.
Na época da ditadura militar, grande parte da população vivia inconformada com a atuação de um governo opressor, afinal, com as restrições à liberdade de expressão, não era possível emitir opiniões sem medir os riscos de violentas repressões. Apesar de uma época desfavorável para manifestações, muitos foram os movimentos populares em busca de mudanças, mesmo com as limitações na atuação da mídia. Talvez a sensação de um Brasil melhor hoje, ajude a explicar a inercia da sociedade diante da atual crise de valores na política e em todas as camadas da população.
Muitos não percebem, mas esse cenário cria um paradoxo ruim: depois de tanto sangue “derramado” pelo direito de expressar opiniões e participar das decisões politicas, o individuo se cala diante da crise moral contemporânea. Nesse contexto, protestos se transformam em lamentações em voz baixa, que ninguém ouve e talvez nem queira ouvir. Ou então em piadas, “ótimo” recurso cultural para sorrir e se alienar frente à falta de uma postura virtuosa. Assim, apesar de viver em um país democrático, o brasileiro guarda seus direitos e os dos outros no bolso da calça, pelo menos quando tem uma para vestir.
Para que o individuo não fuja de sua cidadania, é preciso honrar o sistema democrático do país. Nesse contexto, o povo deve ir às ruas, de modo pacifico, para exigir uma mudança de postura do poder politico. Além disso, a mobilização deve agir na direção de quem mais necessita, educando e oferecendo oportunidades para os excluídos, aqueles que vivem à margem da vida social, abaixo da linha de humanidade.

Concluímos que, o brasileiro deve parar de negar e de rir do evidente problema ético que enfrenta. Tratam-se de questões sérias cujas soluções são difíceis e demoradas, mas não impossíveis.

* Aluno da professora Christina Negro Silva - Colégio Dom Bosco Assunção

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

EU SOU ASSIM



Maria de Fatima Rodrigues

... meio destrambelhada,
num dia triste,
no outro encantada.
Eu sou o que quero hoje,
o que não deveria ter sido ontem,
mas com certeza nunca mal amada.

Vou sempre com sede ao pote,
em qualquer situação,
e verifico depois,
que mesmo que ninguém note,
fiz “das tripas” ... coração.

Tudo tem importância,
a palavra, o silêncio,
a amizade, o amor,
o gesto, o olhar...

Por isso, agora
penso, penso,
antes de falar.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O CASULO - Homenagem aos parentes e amigos que partiram para um Mundo Novo


Leda Coletti

Observando um casulo, comparei sua existência com a nossa. Sua aparência é feia, exibindo uma pseudomembrana grossa, que serve de cobertura para a lagarta, que nele se aloja. Impressiona mal e até assusta. Isso já aconteceu comigo em outros tempos.
Como nunca presenciei a metamorfose ocorrida no seu interior, demorei para acreditar que, aquela borboleta azul com contornos pretos contrastantes, a qual tanto me fascina, havia saído desse invólucro. A capa que a protegia deve ter se decomposto no solo árido.
Vacilei muito até assimilar essa realidade, associada à nossa existência. Fiquei feliz por entendê-la. Aliás, generalizo esse sentimento para todos os homens, somente com uma ressalva: ainda estamos em gestação e dependerá de uma série de fatores, esta ser mais rápida para uns do que para outros. Contudo, essa gravidez é diferente da primeira, daquela que nos trouxe para o Planeta Terra, pois nela dependíamos do útero materno para nos acolher e propiciar vida, num curto período de nove meses. Já nesta, nós próprios estamos trabalhando o nosso parto e não sabemos quando irá ocorrer.
Romperemos a casca do casulo, no dia de nossa morte-vida e ficaremos libertos da escuridão, que às vezes nos confunde. Então poderemos voar livremente, como a linda borboleta azul!
Morte: sinônimo de Vida se aceitamos o Mistério do Amor!

Borboleta Azul
                                     
        No exterior, capa grossa, deformada
Revela inércia, pouca agitação,
Tal qual uma redoma, alicerçada
Por sólido respaldo da estação.

No interior  vive plácida e amparada
Feliz lagarta em plena formação,
Que espera calma curta caminhada,
Prevê momentos bons de gestação.

Ação de Deus, real apoteose,
Milagre sem igual: metamorfose,
Do casulo a lagarta se desliga.

Devagar, linda borboleta azul
Levanta voo e segue rumo ao sul.

                              Um novo ser agora o mundo abriga.

TRAGÉDIAS



 Esio Antonio Pezzato

Na evolução do tempo a Terra é um ser pulsante:
Vibra, respira, chora e ao sentir-se agredida
Estertora seu ódio em fúria desmedida,
E abre fendas de fogo em forma anavalhante.

O homem, porém não sente essa explosão de vida
Que palpita em furor e freme fulminante.
E insano a sua crosta em angústia gritante
Abrindo socavões ele a deixa ferida.

Um dia a Terra envolta em sofrimento tanto,
Regurgita em vulcões, encrespa a água dos rios,
As montanhas explode em desespero e espanto.

Cobrando de uma vez o seu martírio todo,
Com seu urro medonho e com modos bravios,
A superfície cobre em lágrimas de lodo.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Núcleos Habitacionais – o resgate à dignidade



                                                                       Murilo Henrique T. Bueno*

Os núcleos habitacionais ou as chamadas casas populares vêm crescendo gradualmente nos últimos anos no Brasil. São projetos governamentais, os quais mostram o interesse de abrigar ou dar moradia para a população, que, por acidentes da natureza como: enchentes; deslizamentos de terra, dentre outros infortúnios ou falta de condições financeiras não tem onde morar.
Os conjuntos habitacionais proporcionam às famílias de baixa renda e, muitas vezes, baixo nível de escolaridade,  uma nova chance de (re)constituir suas vidas de forma digna, com infraestrutura urbana (coleta de esgoto, rede de energia elétrica) a seu favor.
A introdução de escolas e postos de saúde dentro dos núcleos habitacionais também serão bem vindos, garantindo às pessoas que vivem nesses locais , mais saúde e , consequentemente, melhoria na qualidade de vida.

*Murilo Henrique de Toledo Bueno é aluno do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Salesiano Dom Bosco Assunção – texto produzido nas aulas de Redação da profª Christina A. Negro Silva

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Biografias - polêmica sobre autorização



Opiniões:

Penso ser, a questão,  discutível, mesmo porque acredito que o conceito de “liberdade de expressão” não foi, ainda, assimilado. Não há liberdade absoluta em nada, a não ser a de pensamento. A de expressão é liberdade relativa, conforme leis, regras e ordenamentos sociais. Nem sempre se tem o direito de expressar aquilo que se pensou. Em meu entender, a liberdade – em todas as suas formas – é um bem relativo, já que implica, também, responsabilidade. Nas biografias, a liberdade do autor delas fica limitada pelo direito à privacidade da pessoa biografada. Aí, penso eu, está o nó da questão. No entanto, havendo esse compromisso com a responsabilidade por parte do autor, sua liberdade de escrever não pode e nem deve ser cerceada. No fundo, no fundo, quando liberdade e responsabilidade caminham juntas não se deve permitir qualquer entrave. O desafio, na liberdade de expressão, está em que essa liberdade seja responsável. Então, não há necessidade de novas leis para a questão. Quem se sentir injustiçado, difamado ou invadido sem sua privacidade já tem assegurado o seu direito de exigir retratação e reparações. No mundo ainda subdesenvolvido, infelizmente, estamos muito longe do exercício da liberdade responsável. Na economia de mercado, o outro, como  pessoa humana, já se nivelou a objetos descartáveis.

Cecílio Elias Netto (Escritor e jornalista)

***

Eu sou totalmente a favor de biografias sem autorização porque biografias autorizadas são obras encomiásticas, de elogio, e não traçam um perfil mais amplo e verdadeiro de quem está sendo biografado. Se houver difamação, o biografado tem todo o direito de processar o autor, mas censura prévia ou mesmo retirar o livro das livrarias logo após a publicação se constitui em uma violência contra a liberdade de expressão.

Jaime Leitão (Cronista, poeta, autor teatral e professor de redação)


Penso que biografia seja fruto de material jornalístico e não literário, embora muitas biografias sejam escritas de forma tão elegante que alcançam status aproximado de Literatura. Como material jornalístico, deve ser liberado, seguindo-se e respeitando-se os ritos e leis que regulam o Jornalismo. 

Otacílio Monteiro (Escritor e jornalista)
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“Sou contra censuras. Sempre fui. O que não pode haver é a deturpação dos fatos. Vemos que desde o início dos tempos as biografias pululam. A Bíblia faz uma Biografia não autorizada de Jesus não é mesmo, que dá ensejos a mil interpretações. Os Evangelistas dizem coisas diferentes sobre o mesmo fato. Mas se não fossem as Biografias, como saberíamos de grandes vultos de nossa História? Certo que as mesmas foram escritas pelo lado vencedor, por exemplo, em grandes conquistas, mesmo assim, as Biografias são necessárias. Autorizadas ou não”.
  
Ésio Antonio Pezzato - Poeta
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“Acho que os meios de comunicação têm obrigação de editar as biografias literárias, pois a literatura é o meio mais importante para fazer isso. Lembro-me quando seminarista de uma Antologia onde cada trabalho trazia o nome do escritor e uma síntese biográfica do mesmo, com o nome de suas obras e muitos dados referentes”.

Lino Vitti  (Príncipe dos Poetas Piracicabanos)

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Sou a favor da total liberdade para quem deseje escrever uma biografia - desde que se entenda liberdade com responsabilidade,  arcando cada parte com os ônus de seus atos. O biógrafo escreva o que quiser, mas se o biografado se julgar ofendido ou prejudicado, cabe-lhe, em contrapartida, o direito de pleitear em juízo, pedindo indenização ou até, conforme o caso, pedindo o embargo da obra. Mas o que me parece de todo  errado é pretender que,  por efeito de uma  privacidade mal  entendida, pessoas de relevo e altamente situadas na vida pública (política, social ou culturalmente falando) possam proibir biógrafos e historiadores de escreverem  sobre elas.
 Se prezavam tanto a privacidade, que não se expusessem! Quem sai na chuva sempre se molha.

Armando Alexandre dos Santos ( Escritor, biógrafo, licenciado em História)

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É um assunto polêmico.
Por um lado, temos a  Constituição Federal, em seu artigo 220 que proíbe qualquer restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e informação. No entanto , o enunciado do parágrafo 6º do referido artigo,  no meu entender, acaba causando certa dúvida na própria interpretação deste assunto. Que diz tal parágrafo?  
-  § 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
Daí eu pergunto: uma Biografia (livro propriamente dito)  pode ser classificada como um veículo de comunicação? E quando diz “ licença de autoridade” pergunto:  a pessoa biografada  -no caso- seria uma autoridade citada nesse § 6º do art.220?
À primeira pergunta eu responderia: SIM.
À segunda pergunta responderia: NÃO.
A pessoa biografada tem seu direito de privacidade bem como o de protestar que sejam revelados detalhes de sua vida íntima.  Não é uma “autoridade” para proibir, mas acaba sendo o próprio protagonista do livro a ser publicado,  podendo até se tornar uma vítima do biógrafo, correndo o risco de ver sua honra difamada.  A pessoa física que está sendo biografada, portanto poderia autorizar ou não, pois o parágrafo fala da “autoridade”.  O biografado não é uma terceira pessoa (autoridade),mas sim o próprio personagem principal do livro: o protagonista da história. Ele seria diretamente prejudicado em caso de ter uma publicação distorcida de sua vida. Por que não outorgar a ele o direito de tomar um conhecimento prévio daquilo que será divulgado a seu respeito? 
Daí surge o jurista que diz:  “mas se houver algum falso testemunho, alguma difamação, ofensa ou mentira, a pessoa biografada, que se sentir ofendida, poderá entrar na justiça contra o ofensor”.
Daí surge um humilde e ignorante caipira que diz: “ é...mas depois que a boiada escapou, não adianta mais fechar a porteira...”
E por fim, uma última pergunta:  ao protagonista da Biografia é pago algum valor referente a Direitos Autorais? Por que não destinar também um percentual ao biografado (se vivo)  ou a seus descendentes ?
Tomara que o Supremo Tribunal Federal saiba descascar com Sabedoria esse abacaxi espinhoso.

André Bueno Oliveira (poeta e escritor)

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Biografias : Quantas contradições!
         Não deixou de ser impactante  a atitude de alguns de nossos artistas, os músicos e compositores Caetano Veloso, Chico Buarque, Roberto e Erasmo Carlos, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Djavan, alguns deles ligados e conhecidos por seus pronunciamentos públicos em favor da liberdade e da livre manifestação do pensamento.  O grupo, autodenominado Procure Saber, além de exigir autorização prévia para qualquer biografia, ainda sugere o pagamento de royalties aos biografados ou seus herdeiros. Embora mais recentemente, após a saraivada de protestos, de cobranças, de gozações e de argumentações incisivas e certeiras provindas das redes sociais,da imprensa falada e escrita, de entrevistas de escritores e biógrafos conceituados, eles tenham tentado atenuar o impacto com declarações que não convenceram, a fogueira cruzada já crepitava bem alto.
            Roberto Carlos, numa entrevista concedida ao programa Fantástico de domingo passado, disse e não disse em sua fala plena de ambigüidades e de evasivas que não convenceram, acabou por declarar que é a favor das publicações sem autorização prévia; no dia seguinte, entretanto, segunda –feira , no programa Roda Viva da TV Cultura, seu biógrafo, Paulo Cesar Araujo, cuja excelente biografia ( Roberto Carlos em Detalhes)  foi retirada  da circulação em todo o território nacional, explicou também em detalhes a maneira apressada e injusta  de como ocorreu esta proibição que lhe custou muito trabalho, algumas décadas de pesquisas e de finalizações. Se o artista mereceu todo esse empenho, este seria mais um motivo para que ele se sentisse honrado e agradecido ao escritor que se interessou por ele.
            Contradições à parte, é preciso acentuar que um artista, á luz da história, é uma figura pública; ele não se pertence e sua privacidade é relativa pois  é através do público que ele se torna conhecido. A liberdade de expressão não pode aceitar uma ditadura de biografias “chapa branca”, desde que sejam verazes e sem danos morais à imagem dos biografados. Creio que está faltando no caso um debate mais amplo entre as partes, no sentido de que se estabeleça esta importância na formação cultural, moral e intelectual dos povos.
            É através dessa formação que se aprende a história e a vida de homens e mulheres que conquistaram a fama por suas vitórias e seus feitos, também por suas atrocidades e seus desvios. As revoluções e as guerras, as descobertas e os inventos, as criações múltiplas da beleza da arte em suas mais variadas formas,  permeadas por fracassos e superações, por  atos heróicos e  pusilânimes, desde que somos todos feitos da mesma massa e somos humanos não chegariam até nós e nosso conhecimento, não fora o empenho  dos artesãos da palavra e da escrita....
            Quero crer que nossos queridos artistas reconsiderem sua atitude absurda, ditada talvez por um excesso de vaidade ou por uma convicção muito radical de si mesmos, quando na realidade  sua trajetória de vida e seu protagonismo se misturam com os nossos e também pertencem a cada um de nós.

Myria Machado Botelho (escritora)
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Biografia, palavra que vem do grego bio (vida) e grafia (escrever). Portanto, é escrever sobre a vida de alguém. Geralmente as biografias são escritas quando a pessoa morre, mas também podem ser escritas enquanto a personalidade ainda vive. Nesse caso, seria correto que o biografado fosse consultado antes da impressão da biografia para concordar ou não com os fatos narrados, afinal, a vida é dele, foi ele quem a vivenciou.
As autobiografias são as mais corretas. Nada mais adequado do que o biografado escrever sobre as experiências que viveu.
Está havendo conflito entre a garantia constitucional do art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal que assegura a liberdade de expressão, sem “censura ou licença”, das atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, e o direito à privacidade consagrado nos arts. 20 e 21 do Código Civil. O congresso pretende autorizar as biografias não autorizadas e os autores podem ser processados se o biografado não concordar com os fatos descritos. Mas daí, a biografia já foi editada, lida e copiada.
Fico na dúvida: deve prevalecer a liberdade irrestrita de expressão ou a privacidade das pessoas? Um assunto que certamente será amplamente debatido com defensores de ambos os lados antes da aprovação da lei. Uma coisa é discorrer sobre a obra e outra é escancarar a intimidade das pessoas.

Ivana Maria França de Negri ( Escritora e Poetisa)


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         Biografias são assuntos polêmicos, se escritas por pessoas que nos estimam podem ser um autoelogio, se escritas por nossos desafetos podem se transformar em uma vingança pessoal... Há que se registrar fatos e personalidades históricas para que os mesmos se perpetuem e sirvam de exemplo para as gerações vindouras, entretanto acho que imparcialidade fica difícil porque todo ser humano gosta de expressar sua opinião sobre os fatos e nenhum texto trará a isenção necessária que o assunto requer.
Acho que a matéria é melhor trabalhada por jornalistas, que possuem uma memória fotográfica, o escritor colocaria muito mais ficção do que a vida real apresenta.
Sobre a censura, fico me colocando no lugar do biografado, se alguém resolve destruí-lo ou promovê-lo, o autor terá a faca e o queijo na mão para tal. A palavra pode se transformar em alma letal.
Sinceramente, tenho medo de biografias, acho que a humanidade ainda não tem a cultura necessária para escrever sobre a vida de uma pessoa com a imparcialidade que todo biografado merece.

Carmen M.S.F. Pilotto ( Escritora e poetisa)

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 BIOGRAFIAS: ASSUNTO POLÊMICO

       Biografias não autorizadas é assunto que tem tomado conta do noticiário nos meios de comunicação. Polêmico, tem sido comentado com muita ênfase entre os intelectuais e mesmo na faixa que é diretamente interessada em conhecer a vida de personalidade da história. Existe até movimento entre as partes envolvidas, para se saber da exigência ou não de autorização do biografado, se vivo, ou da família, se falecido. Trata-se de uma situação delicada, tendo em vista que o trabalho por parte do biógrafo envolve pesquisas, que podem passar anos até que a obra fique completa.
            Existe a biografia consentida, isto é, quando manifestada pelo próprio biografado, tendo o biógrafo a oportunidade de se informar através dos mais diversos meios de pesquisas. Entretanto, toda celeuma provocada se refere a uma biografia não autorizada, gerando problema após publicação, quando quem é focalizado se sente prejudicado em seus valores pessoais ou públicos. Daí se falar até em censura, o que implicaria em liberdade de expressão.
Se houvesse entendimento entre as partes e o biografado acompanhasse os detalhes do que está sendo escrito a seu respeito a obra se completaria sem qualquer dano. O mesmo aconteceria por parte da família em caso de alguém falecido. Naturalmente, haveria bom senso sem que a história fosse prejudicada no levantamento dos dados reais da vida em foco.

Ludovico da Silva (Escritor)  
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Creio que as biografias autorizadas têm uma tendência a favorecer o biografado, para sedimentar uma versão ou marca que querem para sua imagem. As não autorizadas são mais confiáveis. Assim, para não falarmos de biografias atuais, voltemos à idade média. A vida de São Francisco foi narrada em três livros, um reforçando a conversão do santo, outra como um segundo Cristo e outra, não autorizada, de um autor protestante, mais confiável portanto, por não ter interesse em fazer do homem Francisco um santo ou um pecador convertido. Advirto que, para aqueles que não conhecem a vida de Francisco de Assis, ele continua sendo o santinho dos animais e da natureza, simplesmente. Contudo, em tudo que é biografia, há que se atentar de sua estrutura e dos fatos que corroboram, que insinuam, e sempre tem se ler com crítica, sem condenar ou endeusar, todos somos humanos; mas isso é possível ao senso comum e no mundo que vende ideias e não cultiva valores essenciais?

Camilo Irineu Quartarollo ( Escritor)

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Surgem muitas divergências, quando o assunto é biografia. Se por um lado a lei assegura a liberdade de expressão  para o cidadão brasileiro, muitas vezes a pessoa que é alvo da história de vida se sente  violentada na sua privacidade, pelo responsável da  divulgação na mídia, sobretudo se aspectos íntimos de sua vida são indevidamente abordados. Para evitar essa divergência  seria necessário  que ambos: autor e biografado  chegassem a um consenso , por meio de constantes diálogos e leituras dos textos escritos, sujeitos a alterações, antes da publicação da obra. Alguns críticos comentam que tal contato poderá ser prejudicial para a veracidade da obra, pois muitos dados pessoais ficarão ocultos, o que pode realmente acontecer. Por esta razão concluímos que essa causa traz  muita polêmica sobretudo judicial,  e aborrecimentos às pessoas envolvidas.

Leda Coletti (Escritora e poetisa)

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Bio quer dizer vida e, portanto cada um tem sua vida como sua propriedade. A pessoa biografada é a protagonista da história e tem que ter seus direitos preservados.
 Nada mais certo poder administrar essa sua intimidade mesmo sendo o de uma pessoa de notoriedade comprovada e passível de invasão por pessoas mal intencionadas, quando querem  se beneficiar ou lucrar melhor dizendo, ao focalizar essa personalidade da mídia, seja na literatura, música, artes, qualquer que seja sua profissão em destaque.
Nenhum escritor pode usar dessa liberdade de expressão para falsear ou vilipendiar uma pessoa, seja ela quem for, porque também ao agir assim está transgredindo as leis vigentes. O escritor pode apresentar sua ótica sobre o assunto, mas não sua verdade.
Se a pessoa for viva, ela ou seus parentes devem ter o direito de saber o teor que grassa essa biografia antes de ser divulgada pela edição do livro em questão, e não esperar seu lançamento no mercado. Ele tem direito a essa revisão, porque faz parte da sua propriedade. Muitas vezes esse impacto é esperado para valorizar sua venda.

Elda Nympha Cobra Silveira (Escritora e artista plástica)

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BIÓGRAFOS E BIOGRAFADOS 

Desde os tempos mais remotos, até o presente, a humanidade, como um todo, tem apresentado duas qualidades inerentes e conflitantes: cada um dos indivíduos que a compõe tem índole gregária e caráter egocêntrico. Isto quer dizer que as pessoas desejam viver em grupos, formando comunidades, a ponto de não tolerar isolamentos prolongados. Entretanto, todos, desde a mais tenra idade, comportam-se dando prioridade a si próprio.
Como é resolvido esse conflito? Resumindo de maneira um tanto perfunctória o que, certamente, foi um longo processo, podemos dizer que, assim como os pais começam a educação de seus filhos para a vida em comunidade vestindo-os com fraldas, a comunidade, com o passar do tempo estabelece os padrões de comportamento aceitos. Os padrões evoluíram e chegaram até os dias atuais na forma de um complexo conjunto de leis, ordenanças e fiscalização. O comportamento é controladamente imposto com punições e/ou recompensas, mais daquelas do que destas.
Assim, poder-se-ia dizer que uma comunidade, família, vila, cidade ou país, age também como uma entidade que manifesta seu espírito gregário relacionando-se pacificamente com outras comunidades, empenhando-se, simultaneamente, em defender seus próprios interesses.
Uma das atitudes notáveis, tanto em grupos pequenos como as famílias, quanto na população de um país, é o empenho em enaltecer pessoas exemplares para gerar modelos a serem seguidos, da mesma forma que procura meios para evidenciar comportamentos indesejáveis de indivíduos para conseguir, de alguma forma, o efeito oposto, isto é, para que, ao colocar à mostra os maus exemplos, a comunidade os condene e caminhe na direção do seu aprimoramento.
Um dos recursos para conseguir esses efeitos tem sido a publicação de biografias, notadamente de luminares ou facínoras já falecidos. Todavia, há também em qualquer comunidade, exemplos vivos a serem seguidos ou evitados. Estes, tanto os bons quanto os maus, com a história de suas vidas ainda incompleta, se biografados terão, no primeiro caso sua vaidade amainada pelo orgulho provocado pelo elogio ou, no segundo caso, sua incontida irritação colimada no repúdio diante da revelação.
Esta ligeira reflexão vem a propósito da questão abordada pelos meios de comunicação com relação ao mérito da autorização de uma biografia por parte do biografado. Claramente, a questão importa apenas aos eventuais biografados em vida que, inevitavelmente, ao se manifestarem com palavras de censura aos fatos de sua vida, estarão dando as indicações complementares para esclarecer a que categoria de exemplo pertencem os acontecimentos de sua vida ligados à sua pessoa ou derivados de suas ações.
Resta dizer que aos biografados falecidos nada se lhes acrescentará pessoalmente, enquanto que para os biografados vivos lhes é dada a oportunidade do agradecimento ou a alternativa do protesto.

Zilmar Ziller Marcos - poeta e escritor 
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“Na minha opinião, tudo que for "não autorizado" pelo autor não pode ser divulgado...”


Maria Helena Corazza - Escritora e presidente da Academia Piracicabana de Letras
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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

QUE SE MUDE A ALMA ENQUANTO VENTA...


 Raquel Delvaje

Ao passo em que me tenho esse semblante
 (Que outrora se formou por entre o ventre)
Que se mude o semblante, conforme a alma.
 E que se mude a alma enquanto vente.

E se o vento ventar em meu espírito
Que venha transformar meu pensamento
Bem antes que se faça em mim um mito
(Bem antes que se passe em mim o tempo)

( Bem antes que meu sonho se torne pouco)
Bem antes que transforme em mim um ópio
E faz de um sonho doce um sonho louco
E bem antes que a paz transforme em ódio.

Bem antes que meus olhos tristes cerrem
Aflitos na agonia de um vazio,
Em que nada se fez pra transformar
E ancorou como um náufrago navio.

“Evoluir somente é o que me basta”
Digo à minha alma que está tão sedenta...
Que se mude o semblante, conforme a alma.
 E que se mude a alma enquanto venta.

Ao passo em que me tenho esse semblante
 (Que outrora se formou por entre o ventre)
Que se mude o semblante, conforme a alma.
 E que se mude a alma enquanto venta.

E se o vento ventar em meu espírito
Que venha transformar meu pensamento,
Bem antes que se faça em mim um rito
(Bem antes que se passe em mim o tempo)

( Bem antes que meu sonho se torne letargo)
Bem antes que transforme em mim um ópio
E faz de um suco doce um suco amargo.
E bem antes que a paz transforme em ódio.

Bem antes que meus olhos vêm cerrar
Aflitos na agonia de um vazio,
Em que nada se fez pra transformar
E ancorou como um náufrago navio.

“ Evoluir somente é o que me move”
Digo ao meu coração que está sedento
Que se mude o destino enquanto pode
E que se mude enquanto bate o vento.


terça-feira, 5 de novembro de 2013

Protagonistas da paz*

Letícia Franco Mendes- 1º ano B - EM

Paz, uma palavra tão pequena, entretanto de grande significado e almejada por tantos. Muitas vezes acreditamos estar em paz pelo simples fato de não haver guerra. Contudo, estamos mesmo em paz? Como podemos estar em paz com inúmeros atentados? Com toda a violência? Como podemos estar em paz se uma grande parcela da população sofre por não saber se terá uma refeição no dia seguinte? E como nós, os que somos exceção perante aos famintos, como podemos dormir em paz sem pensar em ajudá-los?
            Precisamos promover a paz, cada um de maneira individual. É importante termos a iniciativa de sair da nossa própria “zona de conforto” e pensar naquele o qual está ao nosso lado, em amar o nosso próximo. Já diria Renato Russo: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. É preciso e temos de tentar, temos de nos esforçar, pois o amor move o mundo, gentileza gera gentileza e dessa maneira a paz vai se difundindo pelo mundo.
              Trabalhos voluntários, doações materiais e espirituais, fazer o bem em simples atitudes cotidianas. Com isso se promove a paz. Riquezas concentradas, consumismo, egoísmo, ganância, racismo, indiferença, exploração... Dessa maneira não é possível.
Segundo Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, “Quando existe a unidade entre nós e Deus está presente, se sente a paz interior. Quando existe a unidade entre os irmãos, existe a paz entre os irmãos. Quando existe a paz entre os povos, a paz existe no mundo”.

Por isso é importante haver uma “sintonia” entre as pessoas, uma combinação de esperança e partilha. Porém, não podemos dizer ser uma tarefa fácil a de promover a paz e difundi-la pelo mundo, entretanto, Nelson Mandela assegura: “Sempre parece impossível até que seja feito”. 

*Redação de Leticia Franco Mendes, aluna do 1o ano EM da professora Beth Scarpari - Colégio Dom Bosco Assunção, vencedora do Concurso de Redações, tema A PAZ, promovido pela APM de Piracicaba.

sábado, 2 de novembro de 2013

Para quem é vivo


Olivaldo Júnior

            Hoje, dia dois de novembro, é Dia dos Mortos. Não me importa saber como esse dia começou a ser lembrado, nem por quê. Mas me interessa fazer esse texto, porque, na verdade, ele já está pronto dentro de mim. Mais que um punhado de ossos articulados e uma massa de carne, água e gases, somos mesmo é alma. Mas não se importe, a alma de cada um é mais ou menos escondida sob a face, o melhor e pior disfarce que Deus fez. Fazer o quê? A morte é uma constante, e, quando se fala nisso, é comum que se pense em si, ou seja, na própria hora sem volta, a da morte. “Vou partir, não sei se voltarei / Tu não me queiras mal / Hoje é Carnaval”... Assim cantou Elizete, a “Divina”, os célebres versos da música de Nelson Cavaquinho e Jair do Cavaquinho, “Vou partir”. Gosto dessa música pela singeleza que ela emana. Nada supera a morte. Isso é fatal.
            Para quem é vivo, escrevo que tenho mais medo da morte de quem conheci em vida e, de repente, se faz de morto, não aparece e parece mesmo morto. Se eu fosse Fernando Pessoa, estaria bem, pois teria dito: “Morrer é só não ser visto”. Mas sou apenas uma alma que se mete a cunhar com letras sua tábua de estrofes, seu destino de enredos, novelos sem lã que me enovelam. Mumificado, lembro-me com tristeza de quem não vejo há muito e queria tanto estar perto. Gente que ainda respira o mesmo ar dessa Terra e se desterra, deserta de meu círculo. Vivo só. Soletro a sós meu silêncio e, dissoluto, penso em Bandeira, o Manuel, que queria “morrer completamente, de corpo e alma”. De novo a alma, a lama do espírito, o barro do que nos sobra ao findarmos. Tenho vivido muitos lutos ultimamente, e de quem é vivo e se faz de morto. Um final feliz não é regado a soluços ao pé da noite, num solavanco de estrada morta. Soluço.
            Um amigo tocando violão, outro dizendo poesia e mais outro me fazendo esquecer que só vivo para a morte. O sol morre, nasce, morre e nasce outra vez. Onde o mistério? Fernando Pessoa, pessoa bem viva, também via assim o segredo de se existir. Existo para escrever, ou para esquecer. Escrevo e me escavo na escrita, querendo me ver. Sou eu, lá no fundo, “de frente pro crime” que ninguém cometeu (fui eu). Corro e me escorro como a chuva fininha por entre as roseiras que rezam baixinho para os mortos do mundo. O mundo é uma casa em que se escondem as almas por um tempo, até que Deus as chame. Mendigo?! Não sei, mas eu vivo, mendigo outra vez que me responda e me perdoe o mau jeito. O jeito é saber que “só as mães são felizes”, porque, como bem disse Drummond, “mãe não morre nunca”. Abrem-se os olhos. Para quem é vivo, vive-se um pouco. Um pouco é o que espero, amigo, de quem só é morto assim.

Parodiando Marina Colasanti, “ eu sei, mas não devia”



Christina Aparecida Negro Silva – 58 anos, diretora de escola, professora, contadora de histórias e hoje, cronista assustada com essa absurda “onda de violência”.

01/11/13
                                                          
Eu sei que estamos todos, ultimamente, assustados com a violência, tão presente em nossa sociedade, haja vista a quantidade de notícias que tratam sobre este tema. Ao ligar a TV, logo cedo, somos “metralhados” por uma série de notícias ruins – acidentes, roubos, agressões de qualquer ordem, abandono, tudo o que nosso humor matinal não gostaria de ouvir. Eu sei que deveria achar que isso é  natural, afinal, a mídia tem que cumprir seu papel de divulgar os acontecimentos, os quais, recentemente são péssimos e em todos os canais; a qualquer hora do dia, as notícias se repetem : bala perdida mata criança na rua , sequestradores seviciam e matam suas vítimas, idosos são ludibriados por marginais, a Cracolândia recebe não sei quantos mais viciados/dia, maluco atira em estudantes dentro de escola...
Meu Deus, para tudo ! Somos tão absurdamente envolvidos que perdemos o bom senso  no trato com outros humanos, nos fatos simples da vida. Agimos desconfiados, temos medo de tudo e de todos,  nossas casas vivem trancadas, lacradas, evitamos sair à noite ou até deixar o carro em qualquer rua. Eu sei que isso é normal, mas não devia ! Não deveria ser normal agir com desconfiança nas atividades corriqueiras do dia-a-dia. Parece que somos controlados pela mídia, seguindo regras ou tendo posturas que desafiam nossa autonomia.
Hoje pude sentir na pele esta teoria a que estou me referindo – as pessoas perderam o discernimento e agem como marionetes controladas pelo senso comum , ou seja,  é preciso desconfiar de todo mundo ! quem quer que seja, é sempre uma ameaça...vejam o que me ocorreu ...
Fui até uma igreja, rezei um pouco e dirigi-me à secretaria, cuja porta de ferro estava entreaberta, a atendente passou por mim rapidamente, fechou a porta e ainda passou o ferrolho. Tomei um choque ! Sou uma senhora de quase 60 anos, ela também já deve estar na casa dos “entas”. Uma vez lá dentro, engaiolada entre as grades da porta , protegida de MIM, disse:
__ Pode falar.
__ ....
__ Pode falar – repetiu em tom mais alto.
Recuperada do susto, balbuciei – quero marcar uma missa de sétimo dia... Era mesmo necessário fechar a porta, passar o ferrolho, atender-me daquela maneira ? O que a fez pensar ( se é que pensou ) sobre mim ? que eu iria assaltar a secretaria ? fazer-lhe mal ? praticar atos delinquentes dentro da igreja ? Meu Deus ! Eu sei que devia entender o cuidado daquela senhora, mas não consigo. Não entendo este exagero a que estamos acostumados a agir por conta dessa  glamourizada  violência que nos cerca. Além do susto e constrangimento por que passei, ficou-me uma dor imensa de saber que todos nós, independente da idade ou modo de agir, sofremos violência gratuita de pessoas simples que , teoricamente, deveriam ter a função ou a missão de nos dar atenção. Apenas isso.
Por isso, reforço : eu sei que a violência é pano de fundo nas atuações da sociedade , mas não devia, ou melhor,  EU não devo conformar-me com isso. Em meio a tantas ações descabidas, somos pessoas que se relacionam no dia-a-dia em várias situações e, no mínimo, soa muito estranho tanta desconfiança nas nossas pequenas interações sociais. Talvez seja este o motivo por haver tantos boletins de ocorrência com queixas de preconceito. Olha, no meu caso, só se for preconceito contra baixinha, gorda e bem madura . Se ela estiver lendo este texto, o preconceito também a ela se aplica.
Que coisa !