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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A vizinha de Capitu


Olivaldo Júnior


Para a professora Rossana Sartori
(In memoriam)

            Ontem faleceu uma professora que tive durante a época de faculdade. Faleceu? Não, essa professora, fã de Guimarães Rosa, não faleceu: “ficou encantada”. O encanto da professora Rossana Sartori não se esvaneceria com o fim da respiração, com o fecho do livro da existência que a consagrou como uma das grandes professoras de Literatura Brasileira das Faculdades Integradas Maria Imaculada (FIMI), em Mogi Guaçu, São Paulo, Brasil. Brasil... O Brasil está mais pobre, e o Céu está festivo com a chegada de quem nunca me enganou: a professora era mesmo “a vizinha de Capitu”. Duvida?!
            Conheci a professora Rossana quando entrei no curso de Letras, nas FIMI, ao início de 2008. Ela era gorda, de estatura média, com a pele muito branca, até rosada, e, quando sorria, ou gargalhava, nós sorríamos.
            Lembro-me da primeira aula que meus colegas e eu tivemos com ela. Foi sobre a Carta de Pero Vaz de Caminha, quando a cara professora pediu à classe que formasse grupos que discutiriam pequenos trechos da célebre escrita a fim de ser feito um texto. O grupo em que eu estava teve a ideia de unir os trechos que analisava a uma bela música da Legião Urbana, a clássica Índios, o que agradou bastante a professora, que pediu o texto que fizemos para guardá-lo. Sim, a professora Rossana gostava de guardar. Guardou na mente a coleção de tipos da Literatura Brasileira e os transportou para as aulas, como se toda aquela gente fictícia fosse alguém já conhecido, um tipo qualquer, com o qual podíamos ter em qualquer rua de qualquer cidade do mundo.
            Não me esqueço de que tivemos muitas festas durante o tempo de faculdade e, quando isso acontecia, meus colegas queriam uma foto no colinho da professora mais fofa da “facul”. Mãezona, no melhor sentido da palavra, a professora era famosa por suas provas dissertativas que instigavam os alunos a se mostrarem como professores, em linhas e mais linhas de senhoras redações.
            Um dos momentos marcantes, além da festinha em que a professora completou 51 anos, “uma boa ideia”, como a própria se pôs a dizer, foi a noite em que se apresentou a canção de Vanessa da Mata, uma bela composição que evoca o ano de 1890, com referências a personagens de Machado de Assis, numa atmosfera bucólica e realista dos últimos passos do Rio de Janeiro em pleno século dezenove. A música começou a rodar num aparelho de DVD que havia na sala, e os alunos, com a letra da música sobre as mesas, num coro emocionante e espontâneo, cantaram uma, cantaram duas vezes a canção Carta – Ano de 1890.
            Falando em tempo, a professora partiu com 55 anos de vida. Moça, muito moça para quem ainda não havia contado todas as histórias que poderia ter contado. As pessoas não são senão histórias sem final.

            Faz muito tempo que não vou à faculdade, nem vejo mais os professores que lecionaram para mim durante o tempo que durou a graduação do curso que fiz. Fui apenas uma vez à casa da professora Rossana. Queria ter ido mais vezes até lá e, secretamente, desconfio de que ela tenha me esperado, esperando que fosse mais vezes à casa da “vizinha de Capitu”. Agora, “encantada”, quem sabe, numa das casas do Rio Antigo, que só há mesmo nas nuvens, ela não encontra Machado e não pergunta, pessoalmente, desvendando para sempre o mistério: Capitu traiu, ou não traiu Bentinho? Isso é coisa que apenas professora Rossana poderá saber, em suas incursões pelo sítio de Lobato, que fica perto de Pasárgada, olha! Não, não há mais nada para ver, a não ser a memória, certeza de que estivemos juntos.

Um comentário:

  1. Obrigado, querida Ivana, por tantas postagens de textos meus.

    Um grande abraço,

    Olivaldo

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