Olivaldo Júnior
Hoje, dia dois de novembro, é Dia dos Mortos. Não me importa saber como esse dia começou a ser lembrado, nem por quê. Mas me interessa fazer esse texto, porque, na verdade, ele já está pronto dentro de mim. Mais que um punhado de ossos articulados e uma massa de carne, água e gases, somos mesmo é alma. Mas não se importe, a alma de cada um é mais ou menos escondida sob a face, o melhor e pior disfarce que Deus fez. Fazer o quê? A morte é uma constante, e, quando se fala nisso, é comum que se pense em si, ou seja, na própria hora sem volta, a da morte. “Vou partir, não sei se voltarei / Tu não me queiras mal / Hoje é Carnaval”... Assim cantou Elizete, a “Divina”, os célebres versos da música de Nelson Cavaquinho e Jair do Cavaquinho, “Vou partir”. Gosto dessa música pela singeleza que ela emana. Nada supera a morte. Isso é fatal.
Para quem é vivo, escrevo que tenho mais medo da morte de quem conheci em vida e, de repente, se faz de morto, não aparece e parece mesmo morto. Se eu fosse Fernando Pessoa, estaria bem, pois teria dito: “Morrer é só não ser visto”. Mas sou apenas uma alma que se mete a cunhar com letras sua tábua de estrofes, seu destino de enredos, novelos sem lã que me enovelam. Mumificado, lembro-me com tristeza de quem não vejo há muito e queria tanto estar perto. Gente que ainda respira o mesmo ar dessa Terra e se desterra, deserta de meu círculo. Vivo só. Soletro a sós meu silêncio e, dissoluto, penso em Bandeira, o Manuel, que queria “morrer completamente, de corpo e alma”. De novo a alma, a lama do espírito, o barro do que nos sobra ao findarmos. Tenho vivido muitos lutos ultimamente, e de quem é vivo e se faz de morto. Um final feliz não é regado a soluços ao pé da noite, num solavanco de estrada morta. Soluço.
Um amigo tocando violão, outro dizendo poesia e mais outro me fazendo esquecer que só vivo para a morte. O sol morre, nasce, morre e nasce outra vez. Onde o mistério? Fernando Pessoa, pessoa bem viva, também via assim o segredo de se existir. Existo para escrever, ou para esquecer. Escrevo e me escavo na escrita, querendo me ver. Sou eu, lá no fundo, “de frente pro crime” que ninguém cometeu (fui eu). Corro e me escorro como a chuva fininha por entre as roseiras que rezam baixinho para os mortos do mundo. O mundo é uma casa em que se escondem as almas por um tempo, até que Deus as chame. Mendigo?! Não sei, mas eu vivo, mendigo outra vez que me responda e me perdoe o mau jeito. O jeito é saber que “só as mães são felizes”, porque, como bem disse Drummond, “mãe não morre nunca”. Abrem-se os olhos. Para quem é vivo, vive-se um pouco. Um pouco é o que espero, amigo, de quem só é morto assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
A moderação de comentários foi ativada. Todos os comentários devem ser moderados pelo GOLP antes da sua publicação.