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domingo, 31 de janeiro de 2010

O MONGE - Cássio Camilo Almeida de Negri

(desenho de Cassio F.F. de Negri)
O MONGE
Cássio Camilo Almeida de Negri

Incrustado na montanha estava o templo budista, emoldurado pela neve no Butão.
Recém ingresso, o jovem aspirante a monge, vestindo uma túnica ocre alaranjada, tentava meditar .
Com o pensamento borboleteante, sem conseguir o não pensar, pergunta ao mestre:
­ -Mestre, o que devo fazer para conseguir fixar meu pensamento e meditar?
Responde o doge:
-Filho, para isso, pode pensar no que quiser, nas piores coisas, só não pense em um macaquinho de cara vermelha.
O tal macaquinho de cara vermelha de repente tomou conta da mente do rapaz, que não conseguia pensar em mais nada a não ser nisso.
Foi quando percebeu que, ao tentar lutar contra esse pensamento mais força lhe dava e transformava o macaquinho em um gorila.
Lembrou que durante o treino de artes marciais, a técnica era não tentar barrar o golpe do adversário, pois quando se dá um soco no rosto de alguém, a lei da ação e da reação fará com que o rosto possa quebrar sua mão. O conselho é usar a energia do oponente contra ele mesmo.
Procurou não brigar com seus pensamentos e sim transformá-los, usando suas próprias energias. Então sua mente foi tomada por pensamentos horríveis de que com um bastão de luta destruía todo o templo quebrando as estátuas de Buda, os gongos, mesas, altares, rasgava as túnicas de todos os monges deixando-os nus dentro do templo destruído.
Seus olhos negros dentro das pálpebras puxadas da raça mongólica, deita lágrimas conclusivas de que não servia para monge, pois não conseguia controlar seus pensamentos.
O mestre, percebendo e se inteirando do ocorrido diz ao discípulo que ele havia descoberto como meditar, pois destruindo todos os apegos encontraria finalmente o vazio dos pensamentos.
Então, sua mente aquietou-se como águia voando no silêncio do céu.
O aprendiz usou a energia dos maus pensamentos e imaginou que destruindo todos os apegos ficaria sem nada, vazio ,nem mesmo a ser monge se apegaria .
Assim se descobriu...um monge!

sábado, 30 de janeiro de 2010

Recicriando - Olga Martins



RECICRIANDO
Olga Martins

Antes de deitar, às vezes, vasculho a grande sala sem janelas. Nela , esparsas , as ideias. A sala é um grande vão. As ideias , uma grande confusão.
Antes de fechar os olhos , já deitada, faço uma coleta seletiva ... Aqui, ali, acolá, pilhas...montes...
E, quando o sono é uma realidade, parte do que foi separado se torna reciclado. Posso reconhecer nos sonhos as ideias com nova roupagem.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Chegamos a um novo fim? - Lino Vitti

CHEGAMOS A UM NOVO FIM?
Lino Vitti


Muitos crêem no fim do mundo, muitos não crêem, embora a sua realidade esteja prevista nos evangelhos e textos bíblicos, com a ressalva feita por Deus de que não será pelo dilúvio de águas, despejadas do céu durante 40 dias e 40 noites, não deverá existir novamente a arca salvadora, nem o Noé construtor e dirigente dela, atopetada de familiares e de casais de todos os animais e aves então criados. Não deverá haver novos pássaros em busca do raminho denunciador, nem um Arará em cujas encostas encalhou a nave carregando os últimos seres humanos que a misericórdia divina entendeu salvar, para recompor a humanidade. Uma nova humanidade, aliás, expungida do pecado e dos vícios a que haviam chegado os filhos de Adão e Eva.
O homem e a mulher e seus descendentes haviam alcançado ao máximo da devassidão e o Criador, aborrecido decerto com a criatura pecadora, decidiu em sua onipotência, eliminar o que tão digna e divinamente criara, mas preservando aquele varão exemplar e seus familiares, para que nova e mais pura descendência viesse povoar a terra, depois de havê-la lavado e purificado com as águas lustrais do batismo diluviano.
E assim foi. Noé e seus filhos repovoaram a Terra com seu exemplo de amor a Deus e à sua obra universal. Restaurou-a e tornou-a agradável aos olhos do Criador. Até quando, porém? Lá se vão milhares de anos e tudo pareceu transcorrer segundo os desígnios de Deus, conhecendo, amando e cumprindo seus mandamentos, cada qual preservado uma vida condigna e digna da graça e da misericórdia do Senhor.
Os séculos, entretanto, têm como sua deferência progredir, criar, inventar, modificar, melhorar, ou, ao contrário, piorar a vida, a história, as religiões, os costumes, transformando a beleza divina da vida em malversações humanas, o que quer dizer, afastar-se de Deus, abandonar a Fé, pecar, transformando o santuário da vida em lupanar de desejos imorais, em ofensas à divindade, em fuga dos deveres e da oração, retornando àquele clima de devassidão que já povoou a Terra e provocou as iras do Senhor.
O que vemos e ao que assistimos hoje, é algo a demonstrar que Deus está descontente, que a humanidade está retornando aos caminhos do ateísmo, do pecado, do abandono da religião, e ingressando pelos caminhos tortuosos dos tempos idos, numa demonstração de que o homem continua ingrato, devasso, desarvorado da fé, fugindo cada vez mais dos ensinamentos, mandamentos, favores divinos e se emporcalhar nos lodaçais de uma vida esquecida de Deus, de consciência desatrelada dos conhecimentos e cumprimentos religiosos, de uma vida feita de imoralidades, integrada numa devassidão sem termos .
Não sei possa ser verdadeiro, mas para este tolo poeta e bisonho escrevinhador, todas as desgraças que o mundo hoje mostra, muitas e terríveis, evidenciam que Deus não está contente e que tudo de mal que acontece pode ser sinal desse descontentamento, rumo a novos dilúvios, por água ou por fogo, segundo os desígnios do descontentamento da divindade suprema e justa. Terremotos, inundações, fogo lavrando sem piedade, guerras, desamor, injustiças, horrores de todos os feitios, que serão senão avisos divinos de que a humanidade está caminhando por ínvios atalhos da imoralidade e da falta de crença na sua Eterna Divindade?
Dá o que pensar, sem dúvida.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Falando um pouco de Maria Cecília M. Bonachella


Falando um pouco de Maria Cecília M. Bonachella
Leda Coletti ( maio de 2007)


M. Cecília escreveu o livro “Três Fases” na Primavera de 1978. Ele se assemelha a essa estação. À medida que vamos lendo suas poesias, sentimo-nos como num jardim enfeitado das flores mais belas. Até os pássaros nós ouvimos e muitas vezes um deles, o que canta tão bonito, parece triste nos seus trinados. Associamos esse jardim paradisíaco e o pássaro cantante, à menina, depois jovem e mulher Maria Cecília. A tristeza é uma constante em seus versos rendilhados por linguagem, na mais das vezes suaves, que demonstram grande sensibilidade artística. Eis como a cantou:
“Tristeza/ fui eu quem te chamou para companheira/ Nunca mais poderei pedir que te vás”... O mesmo sentimento é expresso em “O Outro Eu”: “No fundo de mim mesma/ procuro o outro EU. /Esta que ora vive/ é a que sofre./ A outra_ mais feliz_/ essa morreu”...
Apreciei demais o que Mello Ayres escreveu referindo-se à Poesia - Menina de Maria Cecília, nesse seu 1º livro: A escritora Maria Cecília “ anseia escalar o céu, para depois descer ao seu mundo, enriquecida de estrelas”:..São dela os versos que se seguem: “Voltar com elas/ com aquelas estrelas,/ ó Deus.../ Eu preciso trazê-las /para o meu mundo./ Eu preciso trazê-las...” Apesar desses versos serem escritos na sua fase de menina, vejo neles a Maria Cecília que conheci. Foi aproximadamente em 1993 que tive esse privilégio. Plena, na fase madura. O seu entusiasmo pela poesia era latente. Ela realmente trouxe essas estrelas para nós, através de suas oficinas, das quais tive a felicidade de participar de várias. Em cada uma delas, passava esse encantamento para nós principiantes. Sempre valorizou o pouco que fazíamos e incentivava lendo para os demais, versos que compúnhamos. Que felicidade quando descobria tímidas metáforas! Ela que era pródiga nessas manifestações poéticas tão ricas de significado! Algumas, dentre elas, uma que o próprio título já constitui uma preciosidade: “ Balada do lado errado”:...Quanto menor/ a janela/ menos sol/ a entrar por ela./ Quanto maior/ o silêncio/ tanto mais nítida/ a voz interior...Em “Poema” ...Quem pediu à tarde/ que se despedisse/ para o sono? Foi o mar/ com a sua maneira/ delicada de pedir as cousas,/ que roçou meigamente/ as rochas e as dunas/ apagando as luzes”.
Muito generosa para boa parte dos que gostam de versejar, nunca deixou de semear palavras. Eis o que escreveu para os participantes da coletânea Oficina 13, livrete editado após uma das oficinas ministradas por ela. “Bem aventurada palavra/ crivada mesmo/ de enigmas/ Bem aventurados treze poetas/ artífices do verso/ embora cruzes/ cravos/ credos/ permeiem seus caminhos/ e atalhos. Vésperas de luas/ tardes/ ou poentes/ enfeitam seus trabalhos”.
Nestas oficinas ensinou-nos algumas técnicas poéticas, mas sem quaisquer imposições. Frisava que cada escritor tem o seu próprio estilo e à medida que vai tomando gosto e se aprimorando na arte de escrever adquire o seu próprio e escolhe compor poesias com versos rimados, metrificados, ou livres. E, embora em seus dois livros escritos, predominassem os versos livres, nos últimos tempos ela nos brindou com belos sonetos. Um deles, escrito na última coletânea do CLIP, em 2004:
Decisão (2001):
Não vou mais escrever; é minha escolha.
Hei de deixar os meus papéis em branco.
_ Tirem da minha frente - agora!- a folha
ou eu mesma a rasgo, ou então, a arranco.

Qual garrafa ao mar tendo presa a rolha
ou caramujo enrolado, eu me tranco.
Esta mágoa não mais meu peito molha
estou sendo sincera, o gesto é franco.

Já nem mais quero rimas, ser poetisa;
o verso se despede e agoniza
sem remorso. É o que a alma determina.

Não tem lugar no peito, nada inspira.
Não, nada existe: amor, nem ódio ou ira.
Apenas se extinguiu, secou a mina.

Em “Era Uma Vez Um País” seu 2º livro, escrito em 1992, Maria Cecília expressa a sua maturidade poética. Aborda temas gerais, utilizando-se mais da linguagem cadenciada de versos livres, com destaque a rimas e ricas metáforas. Também vislumbramos em suas páginas a mesma inquietação dos anos da juventude, mas como bem disse o príncipe dos Poetas, Lino Vitti “há uma fuga em perspectiva, mas com vontade de ficar”...Diria que foi uma feliz travessia, detendo-se na história do ser humano, nos seus sonhos, erros e tentativas de acertos, testemunhados em:
“Procuro
O tema certo
e não acerto
a imagem
prisioneira de um sonho:
chego perto”.
E como autêntica cristã não deixava de priorizar “o desfecho de paz e vitória / como filme final de bom enredo”.
Muito teria para falar sobre a querida amiga, mas deixarei para outros colegas, que abordarão outras facetas maravilhosas de sua brilhante personalidade.
Ao término dessa página gostaria de homenageá-la através de trovas, pois devo a ela o gosto por essa manifestação poética, despertada numa de suas oficinas literárias. Inicialmente, com a de sua própria lavra, por ocasião do lançamento do meu livro “Ensaiando Trovas e Quadras”, em 2002, e após, as que lhe dediquei na passagem desta vida terrena, para a celestial.

Leda: mais uma conquista
Mais um livro seu de versos
Isso mesmo, Leda, insista
Nesses temas mais diversos.
Homenagem Póstuma à Escritora e Poetisa Maria Cecília M.Bonachella
(extraído do livrete “É hora de trovar”, de minha autoria, 2007)

Ela me ensinou trovar
O amor, paz, dor e alegria.
Mostrou que soube trilhar
A vida com galhardia.

Na Terra foi sol, brilhou
Semeando muita poesia.
Agora no céu virou
Estrela-luz que irradia.

A fé cristã abraçou
na terrena travessia,
morada nova ganhou
Com Jesus, junto à Maria.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Riqueza Lusitana - Carmen M.S.F.Pilotto


Riqueza lusitana
Carmen M.S.F.Pilotto

Mais do que paisagens ou a arquitetura alguns exemplares de Homo sapiens representam uma centelha de esperança na humanidade. Em qualquer lugar que possamos adentrar ao planeta, cruzar com tal espécie em extinção se transforma em registro único, indelével mesmo após muitos anos de uma viagem realizada.
Recentemente em uma ida a Porto-Portugal, tive o prazer de conhecer a linda Igreja da Lapa. Uma senhorinha de impecável avental de cambraia branca adornava os altares com lindas flores naturais para o advento do Natal, a tradicional Missa do Galo. Em nossos espíritos de consumo ocidentalizado não encontramos mais espaço para tal generosidade em um trabalho voluntário que é a mais pura veneração religiosa.
Cordialidade, gentileza e graciosidade estavam em cada gesto das pequenas mãos que alçavam cuidadosamente cada altar trançando ramos e formando os lindos ramalhetes. Só uma alma feminina com tal grau de espiritualidade despojada poderia idealizar cores e aromas apropriados para cada entidade.
As flores brancas para Maria presenteavam a maternidade do filho recém-acolhido aos braços, brindando a criança com a Paz celestial; o vermelho dos antúrios contemplava o Deus da Paixão, sacrificado por amor a seus filhos terrenos. Numa profusão de cores santos em suas atitudes piedosas eram adornados com lírios, narcisos, dálias, crisântemos, camélias, palmas, cravos e outras flores que nem conheço. Espécies maviosas que anteviam as portas do céu.
E as pupilas espiritualizadas contemplavam seu trabalho artístico com a alegria do dever cumprido. Mais do que um dever cumprido, a realização da fé transformada em atos de adoração explícitos, um verdadeiro primor de glória aos céus em plena natividade de Cristo.
Ao observar o grupo de turistas brasileiros liberou-se de sua catarse, sorrindo, começou a apresentar cada nicho com a gentileza peculiar aos portugueses.

Nos três pedidos que a tradição reza que façamos quando conhecemos uma nova igreja inclui um especial para a senhorinha: que mantivesse e propagasse sua ideologia enfeitando a casa do Senhor.
Ali estava sim o mais lindo retrato da FÉ ...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O vício - Elda Nympha Cobra Silveira

O VÍCIO
Elda Nympha Cobra Silveira

Percebi um vulto esquadrinhado no meio da rua coberta pelo molhado da chuva fina, que naquela noite parecia penetrar até nos ossos. Mas aquele moço, alheio até das intempéries, curtido de bebida, olhava algum lugar distante, com os olhos embaçados, como a garrafa de vodka, esquecida na mão direita. Que triste cena! Moço bonito, tão jovem e já dominado pela bebida, a vagar com passos trôpegos, sem se dar conta da vida negativa em que se encontrava, nem que era uma negação de si próprio, como se estivesse sendo atormentado por algum fantasma, que o possuía para tirar proveito e usufruir desse vício.
Mas para minha tristeza, fui reconhecendo o rosto que se escondia por debaixo daquela barba, parecendo estar estranhamente emoldurado pelos cabelos em desalinho. Como se olhasse uma imagem em negativo, a luz esvaída dos postes, fez que se revelasse diante dos meus olhos o filho de uma pessoa conhecida. Emocionada, levei as mãos ao rosto, fazendo um esforço para conter as lágrimas. No meu espanto emudecido passava um turbilhão de imagens fugidias dentro de mim. E meus lábios, escolhendo alguma palavra compreensível, balbuciaram aquele nome, que ecoou, quase como um gemido difícil de escapar: “Renatinho! O que aconteceu com você, menino?Por que está bebendo desse jeito? E os seus pais? Sabem disso? Meu Deus! Olhe como você está...”
Sem perceber o meu desespero, ele passou por mim, andando de forma brusca e com gestos estudados. Eu ainda limpava as lágrimas do rosto, quando ele virou a esquina e desapareceu como se fosse uma sombra.
Dei partida no carro e no retorno para minha casa fui enumerando vários motivos para que aquele rapaz tão alegre e tão meigo, de repente se transformasse num verdadeiro farrapo humano, alguma razão que pudesse ter motivado aquele mergulho na decadência e na miséria moral mais absoluta.
A razão parecia clara: ele não suportava enfrentar a realidade e por isso usava qualquer subterfúgio para fugir . Seria por comparação o leão do mágico de Oz.
Todos temos força suficiente para seguir um novo rumo na vida. Basta amar a nós mesmos! Toda pessoa tem a responsabilidade de cultivar suas qualidades. Elas são como flores. É só ir regando que elas florescem.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Almas gêmeas - Cassio Negri

(desenho de Cassio Fernando F. de Negri)
Almas gêmeas
Cassio Camilo Almeida de Negri

O casal de velhinhos sentado na sala no dia frio, conversava desanimadamente por entre as dentaduras já folgadas nas gengivas murchas, tão murchas, que a porção superior dos dentes artificiais já não parava no lugar.
Via-se um movimento lateral incessante das mandíbulas dos dois nos intervalos das conversas, que um observador não entenderia a razão.
A pele tal qual colcha de crochê cobria aqueles corpos físicos, já quase em fase de transição para a dimensão etérea.
As mãos estavam cheias de manchas roxas, devido a fragilidade dos vasos. Ele noventa e nove anos, ela noventa e cinco.
Nem mais assistiam televisão, há alguns meses queimada, pois não tinham dinheiro para consertá-la.
Começam a conversar, lembrando que àquela hora da Ave Maria, já havia começado a novela das seis, e eles, sem poder assistir. A singeleza da novela de época, levou os pensamentos dos dois a relembrar os velhos tempos passados, os beijos apaixonados, que hoje, nem pensar, ainda mais com as dentaduras soltas. Podiam até engasgar, quem sabe, até morrerem asfixiados.
Entre lembranças e risos, as mentes foram regredindo no tempo.
O frio aumentou, seus pés estavam gelados.
Lembraram as noites de namoro no portão, no banco branco do jardim da praça, o avanço dele, casa adentro, eles no sofá da sala. Voltaram no tempo e lembraram do primeiro baile quando se conheceram. As pedrinhas na janela para acordá-la e lembrar que ele por ali passava...o primeiro beijo...
A noite esfriou ainda mais, tentaram levantar, mas os corpos pesados, sem forças e frios, já não saiam do lugar, por mais que se esforçassem.
Num ato de desespero e esforço, como em um parto difícil, saltam para fora dos corpos e se sentem novamente no calor da juventude.
Somente o gato deitado sossegado no tapete, levantou a cabeça e ficou arrepiado, assustado vendo os dois novamente jovens, de mãos dadas, felizes, correndo em direção a um cone de luz brilhante.
E o gato?Ah, o gato velho, ficou sem dono...

sábado, 23 de janeiro de 2010

Agradecimentos


O Grupo Oficina Literária de Piracicaba - GOLP - agradece todos os recadinhos de incentivo postados neste blog.

O objetivo principal , que é a divulgação dos textos literários produzidos durante as reuniões do grupo, foi atingido com êxito.

O blog também está aberto a colaborações de outros escritores que não pertençam ao grupo, pois quem escreve almeja ser lido e publicado.

O Golp é um grupo que se dedica somente à prosa (contos, crônicas, artigos).

Em menos de 4 meses de criação, o blog do Golp recebeu cerca de 5000 acessos - pena que o cronômetro zerou quando estava com quase 2 mil visitas e ficou marcando a menos. Mas o mais importante é a divulgação das ações do grupo e dos textos produzidos.
Que 2010 seja um ano de muita PROSA!!!

Uma Blusa de Crochê

UMA BLUSA DE CROCHÊ
Ruth Carvalho Lima de Assunção

Eu me encantei. Em dias de hoje, naquele sarau tão moderninho aquela blusa, ainda fazendo sucesso, numa tarde de primavera, naquele evento, recordando uns dias gloriosos do ontem.
A imagem de minha avó Elvira, tão compenetrada, tão absorvida em seu trabalho me veio à mente. Curvada em seus oitenta anos bem vividos, não se entregava ao ócio e nem à contemplação. Resolvia seu tempo livre fazendo suas toalhinhas, bicos e sapatinhos para doar às criancinhas. Que bom! Não teve tempo para as doenças.
Voltando à blusa de crochê (não tem mais o t?) Percebia-se que era antiga, há muito tempo guardada e só saia para dar uma volta em ocasiões especiais. E era uma ocasião especial, a dona da blusa acertara, trabalhada em linha de seda pura, muito fina, num trabalho artístico e geométrico formava um mosaico de formas firmes e precisas.
- Que linda blusa, eu disse, que jóia!
Mexi com a sua vaidade, e quem não a tem, em se tratando de suas coisas preciosas?
- Eu a tenho há muitos anos, e só saio mesmo para exibi-la nestas ocasiões.
Vão dizer que coisas simples me atraem, ocupam minha atenção. Mas não é assim não, só os que nunca pegaram em uma agulha e se debruçaram sobre este trabalho de paciência e perseverança poderão menosprezar um trabalho dessa natureza.
. Duvido, que nos dias de hoje, estas mocinhas de barriga de fora, que perambulam por aí com seus vestidinhos lindos de morrer tenham a coragem de ficar horas a fio, fazendo rodinhas de crochê.
Outra surpresa. Eu vivo reclamando das porcarias que vem da China. De fato, são muito baratas, mas são descartáveis. Não duram nada. Quanto dura um guarda-chuva? Uma chuva, e ficamos à mercê dos pingos d’água.
Pois bem, a dita cuja veio da China. A dona da blusa comprou-a numa certa exposição, onde figuravam muitos trabalhos de crochê.
Então, velhinhas chinesas, em seu artesanato silencioso e solitário, matematicamente contando os pontos, multiplicando e dividindo oferecem ao mundo suas obras de arte.
Neste mundo global, artistas desconhecidas, vão tecendo...tecendo... até...

(Eu pretendia falar sobre o evento que aconteceu nessa tarde tão amena. Um acontecimento de grande importância para a literatura. O jornal Linguagem Viva completou em 30 de setembro 20 anos de periodicidade, sem interrupções
A blusa de crochê marcou esta data. Vou deixar os comentários sobre um possível próximo trabalho para outro dia).

Retalhos da Vida


Retalhos da Vida
Leda Coletti

Na maioria quadrados: de todos os tamanhos e cores. Certinhos sem senões. São muito fáceis de construir.
Sei que a vida é uma bola que gira e quanto mais rápida mais atordoa; por isso no lugar dos círculos, ainda prefiro os retalhos quadrados. Até que os retangulares servem pra pensar na possibilidade de sair da bolha. Só ilusão, porque quando o caminho parece continuar, já vira pra outro curtinho e faz o medo aparecer. Daí pra disfarçar, a gente remexe igual a balão subindo, subindo pro céu, dançando um sambão lascado, esnobando qual losango pintado de vermelho, branco, preto, dourado. Essa euforia no firmamento dura até o seu lume apagar.
Chega a noite. Extasio-me com a colcha estendida, exibindo no seu centro, retalhos luminosos estrelando a constelação Cruzeiro do Sul !
Relaxo então meu corpo sobre esse azul repousante, onde brincam quadrados, retângulos, losangos, círculos multicores e sinto nos sonhos, uma nova estrela nascer dentro de mim !

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

As Duas Árvores

As duas árvores
Ivana Maria França de Negri

Plantadas há décadas lado a lado, floresceram juntas em muitas primaveras. Uma oferecia alvos cachos perfumados, e a outra, rubros pingentes que eram oferecidos pelos enamorados às suas amadas. Abrigaram ninhos de passarinhos, e em troca, recebiam a paz do seu canto. Assistiram ao milagre de molengas lagartas transformarem-se em belíssimas borboletas. Sustentaram balanços para alegrar brincadeiras infantis. Quando as crianças adolesciam, e faziam de seus troncos confidentes e desenhavam corações com os nomes dos seus amores, aceitavam tudo com serenidade. Até a dor das marcas riscadas a canivete. Suas flores enfeitaram mesas festivas, formaram buquês de noivas e acompanharam muitos dos habitantes até a última morada, participando assim de todas as etapas de suas vidas.
Encorparam, e suas copas pareciam querer tocar o céu enquanto a circunferência de seus troncos alargava-se. Quem as avistava de longe, pensava tratar-se de uma única árvore porque suas copas se misturavam. As raízes se entrelaçavam e as flores caiam juntas formando um macio tapete colorido.
Atravessaram verões dando sombra amiga aos passantes. Despiam-se nos outonos, desfloresciam nos invernos, mas sempre renasciam nas primaveras, quando então reinavam majestosas, florejando e espargindo deliciosos odores.
A cidade cresceu, o progresso chegou, modernas avenidas foram tomando o espaço do verde. Até que um dia foi decretada a retirada das duas porque estavam atrapalhando. Tornaram-se um estorvo porque impediam a construção de um novo viaduto.
Funcionários da prefeitura chegaram com suas motoserras e, sem piedade, começaram a podar os galhos. No chão, a hemorragia verde misturava-se com as folhas maceradas e os troncos recebiam pesados golpes de machado espalhando o cheiro concentrado da seiva fresca que vertia dos cortes. Ninguém se apiedou delas e nada fizeram para impedir seu aniquilamento. As duas agarraram-se mais ainda entrelaçando suas raízes num mudo protesto, um pedido de socorro que ninguém percebeu. Apenas uma brisa amiga soprou solidária. O sol escondeu-se atrás das nuvens para não presenciar o triste acontecimento. Nem a lua apareceu naquela noite e nenhuma estrela ousou iluminar o céu que se cobriu de luto. Depois de horas do ensurdecedor barulho das serras enlouquecidas cortando os troncos carnudos, os funcionários desistiram de arrancar as raízes. Cobriram-nas com concreto e comemoraram o término da árdua missão.
Passou-se muito tempo, depois da construção da moderna rodovia. O chão começou a trincar e tímida fenda deixou antever um frágil brotinho verde em meio ao negror do asfalto. Antigos moradores, os que ainda se lembravam das duas árvores sempre abraçadas, ficaram curiosos para saber qual delas havia sobrevivido. Seria a de flores vermelhas? Ou sobrevivera a de flores brancas?
Quando no ano seguinte a primavera chegou com toda sua tradicional exuberância, tiveram a grata surpresa. Nem vermelhas, tampouco brancas. Resultado do idílio amoroso entre aquelas primitivas almas vegetais, nascera uma árvore com as mais lindas e cheirosas flores como ninguém jamais havia visto! E eram todas cor-de-rosa...

Planta que a dor espanta - Lídia Sendin


Planta que a dor espantaLídia Sendin
Era manhã bem cedinho, ainda madrugada, o jovem agricultor caminhava pela estrada de terra rumo à lavoura. Algumas poças d’água, resultado da chuva da noite anterior, pontilhavam o chão.
Enquanto tentava se desviar dos buracos ele percebeu que a lua se multiplicava a cada pequeno espelho molhado. Suspirou e apoiado na enxada, pensava na lua cheia que emoldurou sua serenata bruscamente interrompida pela chuva repentina e na janela rapidamente fechada antes mesmo de o jovem poder se declarar.
Agora, esperando o sol, lá estava ela, brilhando prateada e soberba a rir-se do malfadado projeto de conquista do rapaz. A lua foi ficando pálida aos poucos e o cheiro da manhã, banhada pelos primeiros raios de sol, já tomava conta do caminho.
Assim, sabendo que essa rotina seria sua companheira por mais uma semana, antes de uma nova tentativa de conquista, colocou a enxada no ombro e partiu para a roça, tendo como companheira somente a esperança no coração sofredor, ansioso de que a semente plantada no coração da amada germinasse mais rápida do que as sementes lançadas na pequena roça de hortaliças.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Reuniões do Poesia ao Vento - 2010


CALENDÁRIO 2010

POESIA AO VENTO – SESC/PIRACICABA
horário: 18h30


Fevereiro ------------- Casimiro de Abreu
Março-------- Haikai/Motemas/Leminsky
Abril --------------- Manoel Bandeira
Maio ------------------- Jorge de Lima
Junho -------------- João Cabral de Mello Neto
Julho ------------------- Juó Bananere
Agosto ----------------- Manoel de Barros
Setembro --------------Auta de Souza
Outubro ------------------ Raul Bopp
Novembro -------------- Hilda Hilst
Dezembro -------------- Cruz e Souza

Reuniões do CLIP - agenda 2010

As reuniões são sempre no último sábado do mês

Calendário 2010 do Clip
Local: Biblioteca Pública Municipal "Ricardo Ferraz de Arruda Pinto"

horário : 15h às 17h


27 de fevereiro
27 de março
24 de abril
29 de maio
26 de junho
31 de julho
28 de agosto
25 de setembro
30 de outubro
27 de novembro
11 de dezembro (confraternização
)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Estripulias - Carmen Pilotto

Estripulias
Carmen M.S.F. Pilotto

Seu dono sempre lhe fora um fardo. Chegava com o sol já posto, sempre extenuado e desalentado. Havia ouvido na noite anterior, num programa de auditório, sobre o tal transtorno bipolar. Tudo indicava ser o mal que afligia seu querido amo. Mas cão tem perfil eterno de companheiro fiel. Latia ruidosamente abanando o rabinho compulsivamente, pulava em suas pernas até que Pedro a tomasse ao colo. Aí sempre lhe dava aquela lambida revigorante e molhada de carinho. Da depressão urbana, Pedro se transfigura todo final de tarde em euforia infantil, sorri em seus cinquenta anos o primeiro espasmo feliz do dia. Joga ao lado a maleta executiva com o casaco alinhado. Dane-se o relatório financeiro ou qualquer outra tarefa para o dia seguinte, Lilica merece umas peraltices compartilhadas. Em poucos minutos a pequena cadelinha esquece a solidão de seus dias de espera, afinal cão que é mesmo um verdadeiro amigo tem a mesma disfunção psicológica de seu dono...

Asas do Amor


ASAS DO AMOR...
Maria Emília M. Redi

Era uma linda manhã de sol! O mar deslizava suavemente seus encantos por toda orla.
Da janela, semi aberta, daquele apartamento do sexto andar, Luca, um rapazinho de uns sete anos, preso em uma cadeira de rodas, observava tudo lá fora e vibrava com a euforia das crianças brincando, mesmo sabendo que não podia compartilhar daqueles folguedos infantis, nada alterava o seu ânimo e alegria de viver.
O céu escureceu de repente. Lá para os lados da serra, as nuvens, que há pouco tempo estavam espalhadas como flocos de algodão, concentraram-se em um manto negro. A tempestade não tardaria!
Luca chamou a mãe para ajudá-lo a fechar a janela escancarada pela ventania que, além de fazer esvoaçarem nervosamente as cortinas, ia derrubando tudo o que encontrava em seu caminho. Tudo foi tão rápido. Mas, a espera pela mãe parecia uma eternidade.
O menino, desesperadamente, tentava com todas suas forças fechar a janela, mas não conseguia. De repente, um objeto foi atirado em seu colo com uma fúria indescritível. Neste exato momento chegaram a mãe e a empregada.
No colo de Luca o objeto trazido do céu movimentava-se indelével.
Era um pequenino pássaro, caído do ninho, ainda com a penugem rala e com o coraçãozinho disparado pelo susto.
Luca o abrigou com carinho. Voltou para a mãe um olhar suplicante - pedindo para ficar com o pequenino ser alado até que ele pudesse voar. A mãe consentiu.
O menino, muito feliz, passou a cuidar diariamente deste seu novo amiguinho enquanto ele crescia transbordando vitalidade e encanto. O tempo voou... até que chegou o dia de soltá-lo em seu habitat.
Toda a família acompanhou Luca na entrega do pássaro às suas origens.
Abrindo as mãos que seguravam carinhosamente o seu protegido, deu um suspiro, e lançou-o ao ar - Voa livre pelos ares meu amigo! Um dia nos reencontraremos...
O menino voltou para casa e todas as manhãs observava de sua janela a vida vibrando lá fora. Às vezes, seu olhar perdia-se no infinito, viajando nos sonhos de criança ou esperando ver o amiguinho alado. - Só mais uma vez...
Numa manhã ensolarada, destas que nos trazem bons fluídos, Luca encontrou uma bela surpresa no parapeito da janela - não só era o seu amiguinho que ali encontrava-se, mas, também, sua companheira para mostrá-la ao grande amigo, que, um dia, tinha-lhe restituído a chance de voar.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Era Uma Vez na Itália

Era Uma Vez na Itália
Eloah Margoni


O felicíssimo retorno de um amigo libanês, o qual conheci na Itália (e tinha eu motivos para acreditar que estivesse morto, no Líbano), trouxe a motivação de remexer em gavetas de armários e nas da mente. Delas retirei as fotos de Valenzano, onde morei, próximo a Bari. Também saíram lembranças que mereceram esta crônica. Quanto ao amigo, hoje mora na Arábia Saudita com uma bela família, e tem negócios na China. Não sei agora, mas a Itália era um país machista então. Não por acaso o feminismo pegou forte ali. Como poderia ser diferente? Morávamos no sul ademais, mas viajávamos bastante. Às portas dos anos 80, florescia o já citado movimento, cujo grito de guerra era: "Tremate, tremate, le streghe son tornate" (tremei, tremei, as bruxas voltaram!). O aborto acabou sendo legalizado ali. Aqui nem se discute o assunto ainda. No Brasil, por outro lado, ainda vivíamos na ditadura militar, à época. O partido comunista tinha projeção também lá na Itália e fizemos alguma amizade com nossa profesora de italiano, que fazia parte do referido partido; ela, uma italiana de Bari. Participamos de uma passeata de protesto por causa de um casal comunista, assassinado a tiros defronte à sede do partido. A passeata foi pacífica ( tudo isso para porem, agora, Berlusconi no poder!). Nas ruas ainda reconhecíamos os "capi", plural de "capo", chefões, cabeças da máfia, que andavam com grandes anéis de pedras, que eram jóias, e bengalas com castões dourados. Os carros paravam para que eles atravessassem. Dons Corleones não eram incomuns então, ao lado do cenário de Vitório de Sicca, de Tornatores, nos vilarejos e nas partes antigas das cidades... O partido comunista de Bari contratara Augusto Boal, que morava em Portugal então, exilado, para dar um curso de uma semana, lá mesmo em Bari, das técnicas do "teatro do oprimido". Meu marido na época e eu fomos convidados a participar, e acorremos lá. Foi muito bom! E ele, Augusto Boal, era um doce! Tenho maravilhosa lembrança deste teatrólogo, e senti sua morte, ocorrida há não tanto tempo. O curso culminou com uma cena de "teatro invisível", feito na estação ferroviária central. Era uma pequena peça montada, na qual questionava-se o direito das mulheres lerem uma revista “masculina”, sem serem incomodadas. Cada qual tinha um papel, mas ninguém nas ruas sabia disso. Uma moça, italiana “moderna”, acabava discutindo com uma estudante/atriz vestida de preto e num papel muito moralista. O meu, era o de comunicar aos passantes a história que acontecera... Acharam-me boa atriz, mas não me lembro tão bem de minha atuação em si. Anos depois, com o grupo de estudantes de medicina, repetimos a técnica do teatro invisível na porta da catedral em Campos dos Goytacazes, RJ, onde morei e estudei; cidade esta reduto do movimento TFPista, na ocasião. Lá, as mulheres não podiam entrar de calças compridas nas igrejas. Montamos a cena: uma moça tentava entrar e provocava um incidente e uma discussão pública dos valores. Deu certo. Saiu até nos jornais locais. Fiz o papel da moça insistente e atrevida... Mas antes, na Itália, éramos vigiados, se éramos!. Militares mais "jeitosos" andavam disfarçados por lá, pelo exterior, só para monitorizarem os brasileiros fora do Brasil. Fomos contatados por um cara de uns 30 anos, gay aparentemente, que gostava de artes, mas que, sem dúvida era um militar. Era evidente que nada tínhamos em comum com ele e vice versa, e seu contato constante não nos deixava dúvidas... Ele nos procurou de início no Instituto de Agricultura de Valenzano, onde morávamos, e tentou fazer marcação cerrada. Mas nós o evitávamos. Esse é um tópico que pode ser contado novamente em outra crônica. De momento, estamos na Itália dos anos passados, com suas ruas desconcertantes, com toda nossa juventude e capacidade de sonhar. No Brasil, infelizmente, ainda a ditadura militar existia, mas lá, asas da liberdade...Então, voávamos.

A última gota

A ÚLTIMA GOTA
Lídia Sendin

A torneira pingando parecia acompanhar o tic-tac do relógio da sala. Por alguns segundos sua atenção foi desviada para o dueto compassado, mas logo a mulher voltou-se para os afazeres na cozinha, desligou o forno, espiou a panela cozinhando lentamente, passou um pano na pia e cuidadosamente arrumou pratos e talheres na mesa.

Com a esperança renovada suspirou e sentou-se no sofá olhos fixos no telefone, “ não toque, não toque”, pensou. Levantou, espiou pela janela tentando afastar os pensamentos indesejáveis, marido atrasado, dinheiro contado, cara feia e pouca atenção e a comida no forno desligado. Agora era seu coração que fazia dueto com os pingos na cozinha. Não conseguia fechar a torneira, emperrada como sua vida. O soar do telefone estremeceu seu corpo, não precisava atender para ouvir a voz do outro lado: “não vou jantar”.

Foi para a cozinha guiada pelo pingar da torneira. Desligou a chama do fogão e a esperança.
Entre dois pingos o avental estava no chão, o pente ajeitava os cabelos e o batom vermelho realçava sua boca.

Agora sua raiva foi forte o suficiente para fechar a torneira. O que ouviu foi a porta batendo atrás de si, era o última gota, para ela também.

Saudosos anos escolares


SAUDOSOS ANOS ESCOLARES
Lino Vitti

Ah! se a adolescência voltasse! Ah! se por um estranho milagre os tempos voltassem e nos levassem de novo àqueles dias de surpresas, de encantamento, de fuga, de sonhos, de esperanças, em que nos matricularam pelos primeiros anos no templo de cultura e saudade que é a primeira escola, a escola primaria, quando e onde zelosos e pacientes professores tudo faziam para destravar as inteligências infantis e incutir nelas o ABC, as contas de somar, subtrair, dividir, multiplicar, a maneira de fazer uma boa e louvável leitura, a história do Brasil, a geografia da Pátria, e até a ser músico ou poeta!
Todos, mas todos mesmo aqueles que tiveram esse privilégio recordam com nitidez, com infinita saudade, com esperanças de um retorno impossível, os dias em que, às mãos do pai ou da mãe, adentramos aquelas portas escancaradas, porque livres e acolhedoras, e nos dirigimos à mesa do diretor, de um mestre encarregado ou de um excelente funcionário, para dar o nosso nome, nossa filiação, nossa data de nascimento, e receber as palavras de alegria: “pronto, já estás matriculado. Agora e só aparecer todos os dias, comprar cadernos, lápis, e livros com o passar dos dias, e aprender a ler, escrever, contar, e “sonhar” com o dia de receber o diploma como passaporte para ensinos superiores e novos vencimentos e fortalecimentos da inteligência e para ser um dia algo na vida, com aproveitamento integral do trabalho condigno dos mestres primeiros que ficaram atrás, mas brilham como um farol indicativo de vitórias e saber.
Nunca na vida se esquece dos mestres que nos alfabetizaram e nos deram chances irretorquíveis de vencer na vida, e embora a quase totalidade os traga na memória cercados de luzes como num altar, de onde nos apontaram o caminho certo e vitorioso, há sempre os ingratos que dos mestres não gostam, que dos mestres se esquecem, que os mestres não amaram e quiçá não amem nunca. Eles nos guiaram como pais, nos conduziram como santas mães, nos transformaram de pessoas broncas e incapazes, em “filhos” iluminados e corajosos para sermos vitoriosos nas lutas inarredáveis da vida. Ser grato aos primeiros (e posteriores) mestres é ato divino, é ser um cidadão formado no idealismo e na cultura, na fé e nas realizações. Como é possível existir alguém que se esqueça deles, que os não lembre, que os não respeite, que não os ame, chegando alguns ao cúmulo de os odiarem, como se foram inimigos.
O inverso entretanto ocorre com a maioria daqueles que tiveram um generoso mestre primário, Daquele ou daquela que não tiveram duvidas nem receio de enfrentar o sertão, a solidão, os perigos de uma região rural, silenciosa e solitária, sem transporte e sem o calor da família e dos amigos, como herói (e heroína), para assumir o ensino primário, o ensino das primeiras letras e os primeiros números aos humildes moradores infantis do sertão. Ah! são mestres inesquecíveis, mestres vindos do céu trazendo à mão o facho de luz de Deus, dignos portanto de amor e gratidão, luz essa que procuram com carinho repassar aos seus filhos intelectuais para toda a vida.
Minha esposa Dorayrthes foi professora primária nos “sertões” de Santo Anastácio, no início de sua carreira, e conta sempre o que foram aqueles anos de ensino às inocentes mas queridas crianças da zona rural. O transporte era sobre toras de madeira transportadas por carros de boi, a água, a dos regatos próximos, o alimento o arroz e feijão sem mistura, a iluminação do quarto a fumacenta lamparina de pavio alimentado a querosene ou o luar adentrando pela janela. Mas valeu a pena, diz ela, porque seu trabalho abriu os luzores do saber a inúmeras cabecinhas sequiosas de conhecimentos e sonhadoras de um futuro mais feliz.
Jamais esquecerei os meus mestres primeiros: João Pecorari (diretor) Dona Josefina, dona Mercedes, “seo” Paternack, dona Helena, dona Valdomira, dona Ester, e Seo Euclides Orsi (que sei haver chamado meu nome nos últimos minutos de sua vida!!!). Tenho certeza de que estão no céu e talvez um dia nos encontremos na eternidade feliz, se eu a merecer, como a mereceram eles.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A viagem

A VIAGEM
Ludovico da Silva

A estação da pequena cidade servia para as despedidas das pessoas que viajavam. E sempre reunia muita gente, principalmente os amigos mais íntimos.
Na rua principal morava um casal. Sem filhos. Marido e mulher gostavam de viajar, sempre juntos. Raramente um viajava sozinho. Quando isso acontecia, já haviam combinado a troca de correspondência, contando as belezas do lugar, as companhias, os passeios.
E aconteceu que, certa vez, só a mulher viajou. Muita gente foi até a estação, para as despedidas. O marido ficou triste e os amigos, também.
Como haviam combinado a troca de correspondência, ele ficou ansioso. O tempo foi passando e a mulher não mandava cartas.
Foi daí que ele tomou da caneta e passou a escrever-lhe. As cartas voltavam. O carteiro sentia a mesma tristeza dele, a cada dia que portava uma carta de volta.
E assim o tempo continuou passando. Muito tempo.
Uma tarde o marido também viajou. A estação ficou cheia de amigos. Um a um se despediu dele, dizendo, com muito sentimento, um adeus.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Valores Antagônicos


VALORES ANTAGÔNICOS
Elda Nympha Cobra Silveira

Uma moça gostava de passar as tardes numa joalheria muito famosa internacionalmente. Ela se deslumbrava com os brilhantes, pérolas, esmeraldas e por aí afora. Certo dia convidou seu namorado para ir conhecer a loja que tanto admirava. Esse casalzinho apaixonado foi entrando só para ver as jóias expostas nas vitrines dos balcões, forrados internamente de veludo preto e outros de veludo vermelho. Os olhos da moça faiscavam deslumbrados com tanta beleza. Ela pediu ao balconista para experimentar um anel cravejado de brilhantes mas ele titubeou, fazendo uma expressão de dúvida, perguntando ao casal quanto eles poderiam dispor para a compra dessa linda jóia.Um olhou para o outro e encabulados mostraram o que tinham, ele procurando no seu bolso e ela na sua bolsa, juntavam-se uns duzentos reais.
O balconista pensou que era uma brincadeira, mas à medida que o casal conversava entre si ele foi percebendo que o amor entre eles era muito grande, alias grande e cheio, não vazio como seus bolsos.
Condoído com a expressão de pesar da moça, deu-lhe então um brinde que era um anel
de latão dentro de uma caixinha. O casalzinho agradecido saiu muito contente com a atenção e carinho do balconista e o moço foi colocando-a dentro do seu paletó.
Saíram felizes da loja depois de verem tantas atitudes bondosas do atendente já de meia idade. Não esperavam esse acolhimento advindo de um funcionário de uma loja tão requintada, pois pensaram até que seriam enxotados da loja quando mostraram suas pequenas posses.
O balconista ficou feliz por encontrar esse casal tão amoroso e tão diferente dos homens que vinham com suas amantes gananciosas procurando obter deles as jóias mais caras possíveis.
Ele ficou meditando:-“ Esse casal tem uma jóia inestimável que é o amor e não está se dando conta disso! Quantos fregueses da joalheria os invejariam, porque tinham os bolsos cheios de dinheiro mas os corações vazios.”

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Reunião na casa da Ruth

Primeira reunião de 2010 na casa da Ruth para acertar os últimos detalhes do livro de contos e crônicas "Tardes de Prosa"
Leda, Madalena, Ana Marly, Ruth, Aracy, Elda, Ivana, Lidia e Raquel

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Golp - reuniões 2010

As reuniões do Golp são sempre às segundas-feiras, sendo uma na segunda segunda-feira de cada mês, realizada nas dependências da Biblioteca Municipal (rua do Rosário, 833) às 19h30 e a outra, na última segunda-feira de cada mês, na Casa do Médico ( av. Centenário, 546) no mesmo horário.

Fevereiro

Dia 8 - Biblioteca
Dia 22 - Casa do Médico

Março

Dia 8 - Biblioteca
Dia 29 - Casa do Médico

Abril

Dia 12 - Biblioteca
Dia 26 - Casa do Médico

Maio

Dia 10 - Biblioteca
Dia 31 - Casa do Médico

Junho

Dia 14 - Biblioteca
Dia 28 - Casa do Médico

Julho
recesso

Agosto

Dia 9 - Biblioteca
Dia 30 - Casa do Médico

Setembro

Dia 13 - Biblioteca
Dia 27 - Casa do Médico

Outubro

Dia 11 - Biblioteca
Dia 25 - Casa do Médico

Novembro

Dia 8 - Biblioteca
Dia 29 - Casa do Médico

Dezembro
recesso

Anos sessenta


ANOS SESSENTA
Ivana Maria França de Negri

Folheando o livro do amigo Ludovico, “Diário de Um Ano Bissexto”, descobri que o dia 30 de janeiro é o dia da Saudade. Como se fosse possível sentir saudade só num determinado dia do ano! Ela pousa em nosso coração sem ser chamada, quando menos esperamos. Às vezes machuca, incomoda, mas na maioria das vezes é muito agradável.
Quem já passou dos quarenta e vivenciou o apogeu da mocidade nos anos sessenta, lembra-se muito bem daqueles anos incríveis, pincelados com as tintas róseas da juventude. Sonhadores e românticos, testemunhamos o movimento hippie, os protestos contra a ditadura e os costumes da época, a chegada do homem à Lua, o lançamento da nave espacial Vostok, que colocou no espaço o primeiro homem, Yuri Gagarin, pois na década anterior, o Sputnik só havia feito o trajeto com cães e macacos. Marcou também o surgimento do videoteipe - antes todos os programas eram ao vivo.
Era o auge da moda da minissaia e da calça boca-de-sino, dos cabeludos que se confundiam com as meninas quando vistos de costas, do sabor azedinho dos dropes Dulcora que a gente levava para saborear no escurinho do cinema e dos bailinhos e brincadeiras dançantes – a gente dançava de rosto colado, ao som do rock and roll. As meninas tinham pavor de tomar “chá de cadeira” e sempre existiam as mais disputadas que não paravam de dançar.
Todo mundo tinha suas coleções de discos de vinil, os “bolachões” negros que a gente chamava de long-play, ou simplesmente LP - nossa, como isso soa antigo!
Foi a época de ouro da Jovem Guarda, da Tropicália e de outros movimentos de rock e música popular. Bons tempos, tudo tão inocente, escrever diários às escondidas, driblar as freiras no colégio que proibiam as meninas de usar esmalte vermelho. Não podíamos nem pintar os olhos com lápis preto, quanto mais usar as “indecentes” minissaias.
Guerras no mundo, sempre houve, e o garoto que foi à guerra do Vietnã e amava os Beatles e os Rolling Stones, foi o símbolo da geração “Paz e Amor”, do “faça amor, não faça a guerra”, a liberdade sexual apenas começando.
Muita gente nem acreditou naquelas imagens do homem pisando em solo lunar. Como era possível aquilo? E a Lua dos namorados e dos poetas nunca mais foi a mesma.
Os festivais de música popular descobriram talentos que até hoje continuam fazendo sucesso. Não eram artistas “produzidos” e apadrinhados como acontece atualmente, esses cantores fabricados que se tornam descartáveis em tempo recorde, e sim artistas de verdade, nascidos com dons musicais e talento indiscutível.
Os anos sessenta não foram melhores nem piores que os anos cinquenta, setenta ou noventa. Apenas são lembrados com emoção por quem viveu seus anos dourados naquela época, pois dourados serão sempre os anos da nossa juventude. Ai que saudade...

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Uma poeta à procura da Poesia

Uma poeta à procura da poesia
Marisa Bueloni


Nem o computador “aceita” que poeta seja substantivo feminino (como ocorreu no título, “uma poeta”). A frase recebe aquele risquinho verde sublinhando os termos. Ah, se eu fosse ligar para o gênero, o número, o grau e a sintaxe do computador! Não escrevia uma linha.
Não existe mulher poeta. Machismo aceitável? Vá lá. O termo “poeta” é substantivo masculino. Mulher é “poetisa” e acabou. Mas parece haver o mito de que, quando a mulher é muito boa na poesia, então ela tem permissão para ser chamada de poeta. Do contrário, continua poetisa. Adélia Prado, por exemplo, já virou poeta. Assim como Florbela Espanca. E tantas outras que chamamos simplesmente de “poetas”.
Sou alguém à procura de uma poesia que mate minha fome e aplaque minha sede. E permita-me, numa divertida molecagem, escrever “poeta” no campo dos formulários onde se pede o quesito “profissão”. Com toda humildade. Perdão, Drummond! E também porque registrar-se como “poeta” sempre desperta algum tipo de espanto, causa uma curiosidade agradável.

Uma vez, era noite, eu voltava da faculdade e uma moto bateu atrás do meu carro. O rapaz vinha em alta velocidade e a namorada, na garupa, foi atirada ao chão, batendo a cabeça. Prestei socorro e levei a moça ao hospital. E tive de fazer um Boletim de Ocorrência. O escrivão perguntou: “Profissão?”. Respondi: “Poeta”. Ele digitou lá. Quando terminamos tudo, chegou para mim, todo respeitoso, e disse: “É a primeira vez na minha vida que faço um B.O. de poeta”.

De qualquer forma, preciso de uma poesia que conte coisas, as que vão além dos boletins da vida. Que me despedace por dentro, porque preciso chorar. Uma poesia na medida exata de loucura e de lucidez. Quero narrar num poema que a xícara sem o pires é de uma solidão só. Que um vasinho de violetas foi visto caindo da janela sem peitoril. Ninguém entendeu ainda que certos elementos reclamam os seus pares, seu suporte e seu apoio.

Sabe aquela poesia que pergunta assim: onde estavas quando eu crescia sem parar? Ou ainda: como terminam seus dias as pessoas que não vemos mais? E também: o canário não liga se é abril; eu ligo. E formalizar num poema um gesto consolador: assim como fazer um sacrifício, carregar o esquecimento por ofício.
Quando é o tempo da poesia? Não sei... Nem sei mesmo quando é chegado o tempo exato das coisas. Ouço dizer: tal fruta tinha sua época, agora dá o ano inteiro. Quem sabe a gente plante um pé de quadras, para colher rimas três vezes por ano?
Lá fora, o mundo é dos que riem, certamente. E é preciso deixar de ser poeta da melancolia. Mas se chegar o tempo de ser triste, paro e peço um café, tomo um cálice de vinho, puxo dois dedos de prosa, me viro, compadre. Se vai doer, se será penoso demais, deixo para pensar depois. Depois que tiver passado este pesado tempo de ser triste...
Que situação sem saída, meu Deus, é um poeta à procura da poesia. Nem com todo o dinheiro do mundo. Nem sabendo como Noé construiu a arca daquele tamanho. Existirá o prodígio que celebra todas as coisas numa só? Onde pulsa a palavra que une os céus e a terra? Em que página habita uma estrofe de salvação? Quero vos dizer, caro leitor, que estou à procura disto e gostaria de vos dar de presente algo que valesse a pena neste mundo decaído.
Ah, eu queria vos entregar um texto fatal. De rasgar a alma e sangrar o amor. Um poema, súbito e dócil - ou aquele dificílimo de achar, escrito à foice. Venha esta poesia em chagas, venha o verso que é uma rosa orvalhada e, neste amálgama de dor e alegria, brote um lenço branco para acenar na plataforma da vida. Como eu queria estar lá.
Não sei se luto para escrevê-lo, até a morte, ou desisto. Escrevê-lo, no pressentimento da beleza a minha volta. No silêncio das folhagens paradas, um astro riscando o céu noturno, acendendo a antiga profecia. Quando? Quando o retrato da parede fala comigo; quando é meia-noite; quando julgo ter encontrado todas as respostas ou quando passo perfume?
Ah, que sublime é procurar pelo momento. A que horas, meu amor, é hora de escrever um poema?

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

SOBREMESA (Microconto)

Sobremesa
Carmen M. S. F. Pilotto

Maria ofereceu o lábio sequioso de ternura. João absorveu o gesto e deliciou-se da fruta madura.

O cravo de bronze e a borboleta ferida

O cravo de bronze e a borboleta ferida
Maria Iraci Pinto

Era uma vez um lindo cravo vermelho, que num dia de janeiro desabrochou para a vida em um jardim público, mas um desses artistas excêntricos da modernidade derramou sobre ele uma fina camada de uma mistura de bronze e líquido para imortalizar-lhe a beleza, transformando-o em uma estátua muito bonita.
Por um desses mistérios, que a mente humana jamais desvendará, o coração da planta não endureceu e nem desapareceu o seu perfume, assim, quanto mais triste o cravo se sentia, mais seu perfume se espalhava pelo jardim. Porém, em seu íntimo, ele se tornou frio, e em sua tristeza solitária, sentia em seu interior um prazer mórbido vendo as abelhas e borboletas confundir-se e buscar em suas pétalas condensadas, o néctar que já não existia.
Foram longas manhãs desse prazer vazio com o engano das abelhas e borboletas, e a agonia com o descaso dos pássaros que faziam questão de ignorá-lo.
Até que numa ensolarada manhã de um sábado de verão, caiu sobre as pétalas rígidas do cravo de bronze, uma linda borboleta cor de ouro escuro com listras marrons, e ele percebeu que ela estava machucada, com as asas quebradas.
A pobre borboleta se debatia tanto tentando alçar vôo e bailar no ar como as outras borboletas, que o frio coração do cravo começou a doer, e ele chorou, derreteu o bronze, e formou-se uma película da camada de bronze que colou as frágeis assa do inseto ferido.
Num ímpeto, a borboleta pensou em voar, mas vendo o lindo cravo de bronze, estático, que tristemente exalava sua fragrância no ar, voltou e pousando em sua pétala chorou também.
Então um anjo, que voava por ali, bateu as asas fortemente e o vento que esse gesto provocou, secou as lágrimas deles e a película de bronze que se formou, endureceu, colando para sempre a borboleta e o cravo.
Até hoje, ninguém sabe o nome do escultor que fez esta proeza, criando esta nova obra e questionam: seria Deus ou o Amor?
Pensem, humanos...pensem...

Águas de Janeiro

ÁGUAS DE JANEIRO
Leda Coletti

A tarde está quente, sem qualquer brisa. Pudera, é janeiro, mês das águas!
Não passa um dia sem cair uma pancada de chuva. Os campos estão encharcados e as estradas rurais dos sítios mais parecem pistas de patinação de barro, tanto para os pedestres como para os veículos. Os canaviais com novo viço exibem um verde reluzente; gotículas prateadas balançam em suas folhas.
Os rios estão cheios com águas barrentas que cobrem pedras e invadem as areias das prainhas. Elas carregam galhos de árvores e o lixo plástico, decorrente da cultura contemporânea e da miséria instalada às suas margens. Ali perto elas se avolumam e provocam catástrofes, invadindo e perturbando a vida de pobres e ricos indistintamente.
Nesse verão, água e sol estão disputando o seu espaço. Há momentos que ambos aparecem, como está acontecendo agora. A terra está avermelhada assim como o asfalto das cidades coberto pela lama.
Um tímido arco-íris forma uma ponte colorida tentando aproximar as águas dos riachos com o sol. Estas continuam seu caminho, velozes e alheias à vontade e ao sofrimento humano, em direção ao mar.
O sol se escondeu. O vento chega forte e balança as árvores e canaviais, trazendo presságios de novos estragos aos moradores da cidade. O que antes era dourado, virou escuridão.
Nova pancada forte chegou !

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Microconto - Viagem

Viagem
Rosaly Ap. Curiacos de Almeida Leme


Saiu sozinha e voltou consigo mesma.




Navigare necesse est...


Navigare necesse est...
Richard Mathenhauer

Matando o tempo, antes que o tempo me enterre (lembrando Machado de Assis): assim fiquei navegando neste mar não menos perigoso, que é o mar "virtual". Porque também neste mar se faz preciso navegar... talvez viver não, embora, neste mar, naveguemos para viver, por viver! E Eu queria viver e por isso navegava.
Então, num Bojador qualquer você surgiu com seus olhos azuis, e fez-se azul o céu desta tarde nublada do primeiro dia. Dois olhos azuis como se fossem o céu pousado sobre mim, não o céu de Bandeira, que Bandeira só fez pôr no papel o que o Coração sentia. E é assim mesmo, sentia como se o Céu nos (me) olhasse...
Uma pena que, assim como o céu se anuvia, os seus olhos se fecharam e se foram... Não digo que fiquei à deriva, porque voltei, e estou aqui, e escrevo. Eu penso agora é em jogar garrafas com mensagens (a quem? A um nome, e que é um nome?), como faziam os náufragos, porque naufraguei no azul dos seus olhos, que não são apenas do Céu - agora o sei -, mas deste imenso Mar Português!

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Amizades

Amizades
Dorayrthes S.S. Vitti

Sentada no banco, sob meu caramanchão, aspirando o perfume das flores do jardim, observava o céu azul onde nuvens brancas passavam, ora firmes como flocos de lá, ora desfazendo-se vagarosamente.
Meu pensamento voou longe, bem longe, tão distante trazendo lembranças de quem passou pela minha vida.
Amigas de infância tive muitas, Companheiras dos brinquedos e das aulas escolares.
Vieram as companheiras mais velhas compartilhando das horas boas e más, horas de tristezas e alegrias. Aconselhando-se, confortando-se e até chorando juntas.
Ainda tenho muitas amigas da minha idade e por incrível que pareça outras mais jovens. Digo sempre : adoro estar no meio das jovens senhoras trocando experiências de vida, eu já idosa e elas na flor da juventude com idéias das quais eu também já tive.
Outro dia mesmo fomos a um chá da tarde e nos deliciamos na sombra das árvores. Esquecemos dos maridos, dos filhos, dos problemas da casa. Foi delicioso, um luxo.
Já tivemos um grupo que se reunia em casa de uma e de outra. Que saudade, Du! Será possível fazer isso de novo?
Muitas amigas já se foram junto a Deus, outras continuam neste mundo. De todas que já partiram, tenho certeza estarão gozando da felicidade eterna. Duas delas foram muito especiais. Amigas das quais jamais me esquecerei e se Deus me ajudar espero estar um dia com elas no Paraíso.
Foram verdadeiras heroínas. Maravilhosas, lindas, anjos escolhidos por Deus para nos deixar exemplos e sabedoria. Não consigo deixar de dizer os seus nomes: Mabel e Olívia, recebam minhas homenagens e afeto.
Deixemos de tristezas e falemos de coisas mais amenas.
Sete amigas ainda meninas brincavam juntas em nossa casa, no quintal e nas calçadas (naquele tempo ainda podia). Já jovens continuaram a participar de festas, cinema, matinês, carnaval e até namoriscos.
Assim passaram junto com o tempo. Hoje, adultas, casaram e cada qual tomou o seu rumo. Outras casaram, tiveram filhos, hoje já adolescentes.
Continuam um grupo de lindas mães que nem parecem casadas e mais jovens do que são.
Essa amizade que dura 40 anos continua ainda hoje. Reúnem-se quando podem numa gostosa tarde e parecem um bando de papagaios rindo e falando.
Sinto-me orgulhosa dessas jovens.(Para mim são sempre jovens) porque dela fazem parte minhas duas filhas queridas: Lina e Rita.
Fica aqui minha homenagem a: Leni, Iana, Liliam, Sandra, Rita, Lina e Bernardete.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Sarau Literário Piracicabano - calendário 2010


Recado da Ana Marly

Cronograma do Sarau Literário Piracicabano/2010
(sempre às terças-feiras, na sala 2 do Teatro Municipal Dr. Losso Netto)


09 de fevereiro

16 de março

13 de abril

18 de maio

15 de junho

13 de julho

17 de agosto

14 de setembro

16 de março

16 de novembro

14 de Dezembro

Taça de cristal


Taça de Cristal

Leda Coletti

Saíam borbulhas da taça de champanhe e, por segundos, Tânia esqueceu o salão de festas onde se encontrava, os companheiros da mesa reunidos para o “reveillon”. Reviveu o passado.
Como a taça de cristal tão transparente, os momentos bons afloraram com muita nitidez. Talvez isso aconteceu, por terem sido tão poucos. Mas eram diferentes dos que jaziam no fundo da peça. Pareciam pesados e não se movimentaram. Trocou-a por outra e nesta só enxergou situações novas e agradáveis.
Acordou desse doce enlevo, quando alguém a chamou pelo nome. Assustou-se, quando sua colega sentada ao lado apontou-lhe o vestido novo, todo molhado. Entornara nele quase toda a bebida da taça. Não se importando muito com o ocorrido, volta sua atenção para o alvoroço da orquestra e a alegria de todos os presentes. Conta em voz alta com os demais, os minutos que restam para o raiar do novo ano.
Nos cumprimentos eufóricos dos participantes para saudar os primeiros minutos, dos trezentos e sessenta e cinco dias que aconteceriam , sobressaltou-se, quando o viu à frente.
Abraçaram-se. Não se lembra de tê-lo visto antes no clube, mas num relance, sua intuição feminina vislumbrou dias felizes no futuro. Selaram aquele inesquecível encontro, bebendo champanhe nas taças de cristal.

domingo, 3 de janeiro de 2010

As pessoas podem mudar...

As pessoas podem mudar...
Leda Coletti

Tinha um ar humilde nas mínimas ações. Procurava servir a quem dele se aproximasse. Até parecia adivinhar os desejos das pessoas. Quando convidado para uma festa, cerimônia social ou religiosa, não pestanejava e se preciso fosse arregaçava as mangas e se dispunha a qualquer trabalho. Fiquei sabendo por algumas pessoas que em certa ocasião foi em surdina matricular no curso preparatório para vestibular um rapaz inteligente, mas sem recursos financeiros. Isso ocorreu quando adulto e em boa situação econômica, acompanhava um trabalho comunitário num dos bairros periféricos e ficou conhecendo esse adolescente estudioso e capaz. Hoje este é pessoa de destaque na área econômica do estado.
Nas horas em que não vivia para seu negócio, ou os trabalhos sociais, entregava-se ao seu hobby predileto: cuidar do seu jardim. Nele se destacavam lindas rosas, lírios, margaridas, crisântemos, folhagens no meio do gramado verde que se estendia à frente da espaçosa e confortável residência, onde vivia com a esposa rodeado dos netos.
Mas afinal quem era esse cidadão tão exemplar que todos admiravam?
Sua trajetória na juventude não seguiu esses mesmos passos. Filho de pais pobres, favelados e separados, logo cedo aprendeu o caminho das drogas, convivendo com moleques de rua, com histórias parecidas. Participou de pequenos roubos, geralmente em supermercados, para matar a fome; até de um assalto participou funcionando como “olheiro”. Chegou a ser preso e novamente em liberdade teria continuado nesse caminho, se não encontrasse um anjo protetor, na pessoa de um voluntário preocupado com a juventude abandonada. Este o levou para uma fazenda, onde pessoas abnegadas cuidaram dele, com muito amor e o transformaram nesse cidadão respeitável. Alguém mais atento teria percebido no seu gesto de dar oportunidade àquele jovem e a outros que beneficiou, buscando sempre promovê-los, o agradecimento por ter tido um dia, uma pessoa amiga que lhe estendeu as mãos e fez dele um homem bom e feliz.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Microconto

O ATOR
Jaime Leitão

Transformou-se nos seus personagens e desapareceu de si.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Por um momento...


POR UM MOMENTO...
Ivana Maria França de Negri


Por um momento eu era o sol, iluminando as trevas, espargindo luz e abraçando calorosamente todos os seres vivos.
Por um momento eu era o pássaro, asas diáfanas em leque, planando no céu azul e observando tudo do alto, nada me atingindo pois estava acima das nuvens.
Por um momento eu era o peixe, dominando as águas, nadadeiras ágeis, submerso nos verdes e azuis dos rios e oceanos, serpenteando nas águas serenas das lagoas.
Por um momento eu era a larva, perfurando túneis, me arrastando nas profundezas da terra, aguardando o tempo da grande metamorfose.
Por um momento eu era a árvore, raízes emaranhadas no solo, tronco suculento, um organismo vibrante onde corria a seiva que alimentava as folhas e as flores.
Por um momento eu era tudo e ao mesmo tempo era nada. Sem corpo, liberta da matéria, apenas etérea fagulha de luz, essência divina a trilhar caminhos milenares.