Maria Cecilia Graner Fessel
Uma das coisas que tive desde menina é a curiosidade
sobre costumes de outros povos, outras civilizações, outros tempos. Gostava de
ouvir minha avó materna falar sobre as antigas comemorações de Piracicaba, como
a festa do Divino, as cerimônias da Semana Santa, o Natal com suas visitações
aos muitos presépios da cidade.
Sobre o
Carnaval, muitas vezes a fiz contar-me como as pessoas se divertiam nesta
última data, isso em fins do século 19, começo do século 20.
Sendo uma pessoa que não gostava de brincadeiras, era
emocionante ver seus olhos brilharem quando eu a inquiria sobre essas
lembranças.
-“Conta, vó, conta das
folias do Carnaval!”
Então ela descrevia, como se as visse de uma alta janela
na velha praça, os grupos de foliões a
circular nos
arredores da antiga igreja, fantasiados ou não,
desafiando-se mutuamente, as famílias procurando identificar os
encapuzados e provocando os brincalhões, para logo retrairem-se no interior das
casas, fugindo das represálias.
Falava bastante das famosas “Laranjinhas de cera”, que
eram oferecidas em tabuleiros sobre as cabeças dos vendedores, e eu ficava
imaginando como seriam feitas... Como conseguiam a tal cera e a moldavam
perfeitamente esféricas e de paredes muito finas, enchendo-as com “água de
cheiro”, para que se arrebentassem ao serem jogadas. Serviam assim para
verdadeiras guerras entre os grupos que podiam comprá-las , das quais todos
saiam ensopados e perfumados (segundo ela, também havia laranjinhas cheias com
líquidos bem menos agradáveis....).
Estando assim ensopados de perfume ou de outros
odores, suados das correrias pela praça,
vinham os moços provocar as moças em suas janelas, aproveitando o clima de
maior tolerância para mostrar seu interesse por esta ou aquela donzela sempre
vigiada.
-E aí, vó, o que acontecia?
Com um ar travesso, me respondia ela:
-Ora, se o folião agradasse, as pessoas jogavam água
para lavá-los e aliviar o calor de fevereiro...Se não, despejavam sobre eles
conchadas de polvilho ou farinha, que grudavam no corpo e eles iam embora...
Com uma certa malícia, admirada do entusiasmo com que
minha circunspecta avó descrevia essas cenas, certa vez lhe perguntei:
-E o que a senhora. fazia, vó?
Jogava baldes de água ou farinha?
Tomada de surpresa no meio de um sonhador sorriso
quase jovem, ela então fechava a cara e me dizia:
-“Ora, menina, eu...eu não
fazia nada... eu... só ficava olhando!”
E logo me censurava tantas perguntas e encerrava a
conversa...
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