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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

FINITUDES



Plínio Montagner

Morrer de velho ou, antes da hora, ninguém quer saber dessa conversa.  O que se quer saber mesmo é de alegria, de viagens, boas comidas e bebidas, de família reunida, de saúde e de gente contente.  Ficar vivo e viver bastante é o que interessa. Dinheiro vem depois.
Embora o fim da vida seja um fato que não se pode evitar, o que é inaceitável é ficarmos órfãos de pessoas boas, boníssimas, tudo por causa de um drogado, de um motorista imprudente, de um delinquente qualquer, de um imbecil de má índole que interrompe a vida de entes queridos e depois a continuar solto.
É impossível também entender a morte, principalmente de crianças e de pessoas saudáveis. Quando falece alguém beirando os 100 anos, a dor tem outra dimensão. Dizemos que chegou seu dia, sua hora, coisas assim. Nesse ponto o sofrimento é menor, Isto remete aos casos de indenizações: quanto mais idosa for a pessoa que morre, menores serão os valores que a Justiça determina a serem pagos à família do morto.
Não há mesmo o que fazer para desviarmos, ou driblarmos nosso fim; mas podemos prolongá-lo um pouco, indo mais vezes ao médico, por exemplo.
O não morrer não existe. A diferença está em como se morre, e quando.
Quando é o outro que morre, nossos sentimentos e momentos continuam registrados em nosso cérebro. Não saem de nossa memória. É como se a pessoa não tivesse morrido. A tristeza será muito maior e cruel, quanto mais amor dedicamos àquele que partiu.
O corpo, fonte de prazeres e de beleza, um dia nos trai sem avisar. Desaparecerá. Sobrarão sons, vozes, imagens evocadas por objetos, fotos, frases, lugares, músicas.
Aquele que amamos nunca morre. Continuará sempre a fazer parte de nossas vidas. Meu mai, minha mãe morreram há mais de 20 anos; sonho com eles praticamente todos os dias. Se não sonho, comento com a Nazareth, minha mulher, algo que acontecia em minha casa, na minha infância, particularidades do meu pai, de minha mãe, o que faziam, os bolos, o jardim, a hortinha, os carinhos e os nãos, o colo, os abraços.
Lembranças boas e gemidos se repetem a toda hora. São as recordações do toque, dos abraços suaves, ora apertados, dos beijos, das imagens e vultos nos espaços da casa paterna.
Ganhos e perdas, disto é feita a vida. Só perde quem tem. A vida é um bem que também se perde.
O envelhecimento começa desde o primeiro dia de vida. Depois, devagarzinho, a formosura se desbota e se inicia a decadência do entusiasmo, o ímpeto da libido, os bate-papos rareiam, e, à nossa volta, surge um imaginário deserto, um vazio de coisas, de pessoas e de recentes lembranças.
Seria impossível a existência contínua se nada morresse.
As folhas não caem porque querem, mas porque tem de ser assim. Elas se soltam ao mais leve sopro porque seus espaços precisam ser ocupados por outras, viçosas, que um dia também se desprenderão.
Saúde e doença nunca se separam. Sempre chega o dia em que a medicina perde o jogo.  
Se o ser humano fosse desprovido de consciência, o amor, talvez, não existisse, e o sofrimento seria zero. Mas, então, por que é assim? Por que amamos?
Nenhum filósofo explica isso, tampouco a morte coletiva causada por um tsunami ou de uma boate que incendeia.
A morte não está nem aí para a vida. Basta estar no lugar errado na hora errada.
Assim como Deus, que supondo se o criador, Ele também não tem nada a ver com tragédias e as finitudes.
No tempo astronômico o homem nasceu há um segundo.
Ninguém escapa. Vale para os honestos, os bandidos, os doentes, os sadios, jequitibás, roseiras, pés de milho ou para um filhote de tico-tico.
Arnaldo Jabor, um dos meus preferidos escritores e cronistas, diz que a morte virou lugar e coisa comum, banal, normal. Não somos nada. Viver o hoje, só isso. O amanhã é melhor esquecer.
Aquele que alimenta e conforta, um dia ferirá o outro por ódio, por amor, por prazer ou por divergências de um real. Os homens morrem por burrice e por não saber frear nem se precaverem do atavismo.
É isso, só não sabemos, quando nem como, se subitamente, se devagar, ou por alguma forma absurda e inaceitável.
Arnaldo Jabor lembra uma frase interessante de Guimarães Rosa: “Morremos para provar que vivemos”.
Quis dizer, talvez, que a morte serve apenas para provar que existíamos.

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