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terça-feira, 30 de março de 2010

Aniversariantes do mês - GOLP

Muito agradável a reunião na Casa do Médico para comemorar os aniversariantes do mês do GolpAs aniversariantes Elda, Lurdinha, sua neta Isadora e Leda
Ana Marly, Idamis, Eunice, Ruth, Cornélio, Elda, Gisele, Lurdinha, Leda e Ivana.
Sentadas: Angela, Carmen, Isadora e Maria LuciaIdamis, Ivana, Isadora, Ruth e Lurdinha
Gisele e Carmen
Cassio, Cornélio e Eunice

Flashs Mundiais - Leda Coletti

“Flashs” Mundiais
Leda Coletti


Se focarmos os últimos acontecimentos mundiais, dessa 1ª década do século XXI, veremos que só ocorreram muitos desalentadores: tsunamis, terremotos, tufões, que destruíram cidades e dizimaram populações em número considerável no Haiti, Chile, no continente americano e em outros, como na China, Turquia, etc.
E o que dizer dos tornados constantes no Rio Grande do Sul e os de Santa Catarina?
As causas são inúmeras, mas a que achei mais plausível é a decorrente das placas tectônicas da crosta terrestre, que bóiam sobre um magma pastoso. Como elas se movimentam, as vibrações sentidas de modo mais intenso, provocam tremores fortes, chegando em alguns lugares mais periféricos, a terremotos. Já no mar, as ondas gigantes se movimentando no leito dos oceanos e originam os maremotos.
As consequências sempre são desastrosas: milhares de pessoas tendo mortes trágicas, dentre elas crianças e idosos. Os primeiros sendo brutalmente eliminados, sem terem a oportunidade de conviver por mais tempo nesse planeta-terra.Alguns morrem trabalhando, outros passeando. Tivemos uma perda lamentável no último terremoto ocorrido no Haiti. A brasileira Zilda Arns, que lá estava cumprindo a missão de propagar a Pastoral da Saúde, num país tão carente, teve morte instantânea, por causa do desabamento da igreja, onde se encontrava.
Se fossemos escrever um livro sobre a história das famílias atingidas, estas seriam salpicadas de sofrimento. Fico pensando: “como sobreviverão os que perderam todos os bens materiais?” Para recomeçar do nada é necessária grande força de vontade. E tivemos exemplos no passado, às vezes até dos próprios atingidos, que demonstraram essa garra.Sabemos que agora não será diferente.
Desde que o mundo é mundo, houve momentos tristes para os povos em geral e todos conseguiram se reerguer. Só para citar o pós-guerra do século passado, quanto progresso e reconstruções de cidades inteiras aconteceram! Foi o caso das cidades alemãs, dentre elas Dresden, cuja catedral foi reconstruída tijolo por tijolo derrubado.
Poderá ocorrer que as atuais gerações não percebam que os frutos colhidos hoje, tenham sido plantados e cultivados por seus ancestrais, em momentos difíceis que atravessavam.Oxalá possamos no Brasil inteiro, ficar despreocupados quanto à ocorrência dessas intempéries, pelo fato dele estar situado no centro de uma das doze placas tectônicas. Mas essa situação não o isenta de fenômenos naturais atípicos, pois enquanto os homens não respeitarem devidamente a Mãe Natureza, ela doente sentirá dores que não sanadas, serão demonstradas em forma de desmoronamentos e destruições, as mais diversas e avassaladoras para a humanidade.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Inapetências - Carmen Pilotto

Inapetências
Carmen M.S.F. Pilotto

Como expectador observo os transeuntes. Apavorados. Desarvorados. E me questiono diariamente o motivo de me incluir a multidão e caminhar com o mesmo desatino. Força do condicionamento imposto desde a infância. - Vai filha, é necessário seguir o fluxo. E fui. E vou. E irei. Entretanto, algumas vezes minha alma inquieta se desvincula do corpo e sarcasticamente ri da tolice definida como rotina. Tomo a palavra, que é minha arma de fuga, e devaneio no virtual de minha única e exclusiva escolha. E me torno indivíduo, longe da decisão das massas, longe dos olhares lascivos e dos horários cativos. Em segundos exploro universos equidistantes de êxtase e angústia, vibro na intensidade de meu próprio arbítrio, que não define limites para liberdade. Adentro cada vez mais fundo ao meu diferencial...

domingo, 28 de março de 2010

Afinal, quem passa? Lidia Sendin


AFINAL, QUEM PASSA?
Lídia Sendin

O conselho mais usual sobre o tempo é que ele passa rápido e é preciso utilizá-lo com sabedoria antes que ele desapareça, agarrá-lo no momento certo, no instante exato, senão ele passa e a ação se perde trazendo insucesso à vida. Mas vida e tempo se entrelaçam de tal maneira que é difícil dizer quem é passageiro e quem conduz, sendo assim, um leva o outro pela eternidade. Um carrega o outro da mesma maneira que o espírito leva o corpo, aí também não se sabe quem leva quem.

A verdade é que o tempo, seja ele oportuno ou cronológico, é motivo de conjecturas desde há muito tempo. Salomão já dizia que para tudo há seu tempo, hoje o homem não encontra tempo pra nada, ou melhor, quer fazer tudo ao mesmo tempo.

Histórias da Idade Média contam de hereges que perguntavam o que Deus fazia com o tempo antes de criar os céus e a terra e o clérigo rigoroso respondia que ele criava o inferno pra mandar os infiéis passarem um tempo lá... Já Agostinho discordava, se o tempo não existia, Deus passava o tempo criando o tempo! E nós, pobres criaturas, ao contrário, quando não temos o que fazer, matamos o tempo!

O tempo, ou a falta dele, não poupa nem os santos, tantos eram as pessoas que procuravam os apóstolos, que o próprio Cristo chamou-os para que descansassem no deserto, pois “não tinham tempo nem para comer”.

Enfim, a temporalidade do ser humano, no hoje, no amanhã e no que já passou e seu inevitável ser-para-morte, também é motivo de debate e de proposições filosóficas de todos os tipos, marcando a ferro com o estigma de sua temporalidade a todos nós, enquanto busca um sentido para o ser. A filosofia é uma boa aliada quando não se quer chegar a nada.

Eu e as minhas perplexas dúvidas matamos o tempo juntas, não sem um certo temor e tremor em pensar que o pacote vida-tempo nos assombra com a pergunta que não quer calar, afinal quem passa?

sábado, 27 de março de 2010

O BARQUINHO - Carmen Pilotto

montagem de fotos




O BARQUINHO
“O barquinho vai, o barquinho vem...” - Música de João Gilberto, bossa-nova
Carmen M. S. F. Pilotto


Cada um lança sua embarcação ao sabor das ondas. Há dias em que a maré tenta nos afastar do porto seguro. Tentamos enfrentar os vagalhões vigorosamente para retornar ao lugar onde a areia branca e quente nos faz sentir inteiros novamente. Caminhando pela praia podemos sentir a brisa amena da alegria.
O casal completo é aquele que faz a caminhada na praia juntos. Seguem na embarcação com confiança, ao sabor de ondas certas vezes mais fortes, certas vezes agradáveis.
O segredo é sempre retornar ao porto seguro.

quinta-feira, 25 de março de 2010

BELA MULHER - Cassio Camilo Almeida de Negri

Bela mulher
Cassio Camilo Almeida de Negri


Desde que nascera, fora uma criança linda, que despertava a admiração de todos.
Na adolescência, era a mais bela da escola, todos os garotos a paqueravam e até foi escolhida rainha da beleza no concurso escolar.
Daí em diante foi só seguir o caminho que a beleza lhe abria, miss cidade, miss estado, miss Brasil e então o estreito caminho do sucesso midiático escancarou-lhe a porta.
Foi artista de televisão, cinema e chegou a Hollywood.
Teve mil amores, homens ricos, belos, jovens, maduros, todos aos seus pés fazendo seus caprichos.
O tempo passou e um fio de cabelo branco surgiu-lhe na têmpora, foi fácil arrancá-lo. Quando se espalharam como erva daninha, coloriu-os.
A primeira ruga no canto dos olhos, massageou-a com cremes caros e quando se transformou em pés de galinha, encheu-a com botox, quando foi virar todo um galinheiro, recorreu a cirurgia plástica.
Os seios caíram, mas o silicone os içaram e endureceram.
Tal substancia milagrosa também arrebitou suas nádegas e engrossou-lhe os lábios.
O tempo, no entanto, mesmo mais lentamente acabou conseguindo o que queria.
O desespero de se ver velha e feia, levou-a ao suicídio.
Agora, passava dias e noites sem parar, observando aquele esqueleto no caixão, com duas próteses de silicone em cima das costelas branco amarelentas, outras duas maiores nas regiões posteriores aos ossos ilíacos,correspondentes as nádegas e outras duas nos maxilares, como lábios gelatinosos da caveira que ali estava.
Chorava desesperada, sem parar, sem nada poder fazer, se lamentando:
-Maldito Deus, veja a que me reduziu!
Anos e anos passou nesse sofrimento, até que um dia um anjo que por ali passava, perguntou-lhe:
- Quem és tu mulher? Quem és tu, realmente, o observador ou o observado?
Foi quando ela percebeu que quem observava tudo aquilo era uma linda mulher, no auge de sua beleza, seu próprio espírito.
Assim ela descobriu sua verdadeira beleza.

quarta-feira, 24 de março de 2010

FLORADA - Ludovico da Silva

FLORADA
Ludovico da Silva

No verão, as flores se encantam com as chuvas das tardes ensolaradas e dançam alegres na suavidade dos ventos, mas se entristecem no outono desolador, quando as folhas despencam na finitude implacável da vida.
No inverno, as flores se agasalham e se recolhem em sua essência, na esperança do desabrochar de uma vida alegre e nos encantos da primavera.

terça-feira, 23 de março de 2010

Mudanças na Comunicação - Plinio Montagner


MUDANÇAS NA COMUNICAÇÃO
Plinio Montagner

Tudo muda e tudo se transforma. As amizades, o amor, o telefone, o disco, o carro, o avião, os remédios. Então é normal, e necessário, que a língua pátria e a fala sofram mudanças, pois se até a linguagem formal suporta alterações; haja vista as sentenças dos magistrados, antes indecifráveis e ininteligíveis para os mortais, e agora, menos.
As fotos dos álbuns não ficam amarelas?
As máquinas fotográficas há algumas décadas eram raras. Quem tinha, ou era fotógrafo profissional ou rico. As famílias chamavam um fotógrafo para tirar fotos dos pais, do nono, e na parede da sala ficavam por mais de 50 anos.
Agora temos centenas e milhares de fotos arquivadas no computador que enviamos num segundo a parentes e amigos que estão no outro lado do planeta. Acabou o álbum.
Algumas amizades com o tempo se descoloram, ficam chochas.
Os lugares de nossa infância se transformam, e até somem do mapa. Os sentimentos mudam, e o que era repulsivo, agora os costumes consentem.
São bem-vindas as mudanças na comunicação. Não seria horroroso escrever “pharmácia” e dizer amanhã eu vou tirar retrato?
Também seria impensável redigir uma carta assim: “Escrevo estas mal traçadas linhas... ou, esta missiva...”. Não dá a impressão que quem escreveu desse jeito ficou 50 anos longe da civilização?
Mudar pode; o que é errado é o desrespeito à gramática. Isso é outra coisa.
Juntei algumas expressões antigas que desapareceram de vez, e outras praticamente abandonadas.
“Data” - sabem o que significava essa palavra? Antigamente, não significava apenas um registro num documento, significava terreno. Comprava-se uma “data” para construir uma casa.
Cuidado que ela “dá tábua” era uma expressão que os moços odiavam, mas agradeciam. Mulher “dava tábua” quando recusava convite para dançar.
Outra palavra morta: indês.
“Joãozinho! Vá ao galinheiro e ponha um ovo de indeis no ninho”.
Quando uma galinha estava procurando lugar para botar era hora de pôr um ovo de indês no ninho.
Indês era um ovo, de madeira ou de pedra, pintado de branco, colocado no ninho para atrair as sábias galináceas a botar.
“Diacho” e “encafifado” também não se ouve.
Quando uma vaca prendia o leite, o retireiro (aquele que cuida da ordenha) dizia: “Diacho, esta vaca está me deixando encafifado”. Hoje seria assim: - “Droga, essa vaquinha está me deixando incomodado”.
Ainda não desapareceu a expressão “tico-tico no fubá”. - Mulher ou homem que namora e namora, e não casa, seu estado civil é tico-tico no fubá. É uma analogia com o pássaro tico-tico, que cisca e cisca, e não come nada (comer bicando o chão duro é difícil).
Pessoa idosa, quando ia dormir dizia: “É tarde, vou me recolher”. Hoje o marido ronca no sofá mesmo.
Vendedor de carro, para ressaltar que um veículo tinha pneus bons, argumentava: “Este carro está bem calçado”.
Eram tempos difíceis, pneus com câmara de ar, que quando furavam o dono do carro improvisava, mandando colocar “manchão”.
Chofer (chauffeur) dirigia os carros de praça. Táxis eram chamados de carro de aluguel.
“Mãe, por que não chama um carro de praça?”
Quem pedia coisas demais era pidico (analogia com ridico), ou pidonho, ou pidão. Quem não dava (“mão fechada”) era “ridico”.
Película (filme) não se fala mais. “Assisti ontem a uma película”. Não dá! Nem “morou” (entendeu?), “alcaide” (prefeito), “desgranhento” (malcriado, ruim), “brotinho” (mulher nova), “ceroulas” (cuecas).
Seja pela nova, seja pela antiga, que nossa língua seja respeitada e não vilipendiada pela juventude e pelo povo.

segunda-feira, 22 de março de 2010

O cavador - microconto Jaime Leitão


Jaime Leitão

Cavou fundo o canteiro até encontrar as raízes de si mesmo.

Microconto - Leda Coletti


Esperou-o tanto! Quando chegou, não teve sabor de fruta madura.

sábado, 20 de março de 2010

ALÉM DA ESCURIDÃO - Ivana Maria França de Negri

Além da escuridão
Ivana Maria França de Negri

Desde aquele primeiro diagnóstico do médico, de que perderia a visão aos poucos devido a uma doença congênita, as pessoas começaram a encará-la com piedade, como uma coitadinha, como se estivesse condenada à morte em vida.
E como o médico predissera, a cada ano, a visão dos olhos ia desaparecendo, ficando turva, embaçada, parecendo que atravessava um denso nevoeiro.
Mas , ao mesmo tempo, uma outra visão ia se abrindo dentro dela. Não sabia explicar, via nitidamente as coisas, mas de maneira diferente.
As pessoas, querendo ajudá-la, atrapalhavam. Faziam tudo para ela, querendo poupá-la ao máximo, como se fosse uma inválida. Tinha pernas fortes, mãos hábeis, boa saúde, a cabeça funcionava muito bem. Gostaria de gritar a todos: - “Parem de me tratar como se eu fosse um bebê, como um traste imprestável, eu sei fazer as coisas sozinha!”. Mas deixava-se calar pois queriam apenas ajudá-la e não agredi-la. Não sabiam dos seus olhos interiores.
E quanto mais a visão ia ficando turva, mais sentia que pequenos olhos se formavam na ponta de cada dedo e suas mãos podiam ler, ver, sentir intensamente.
Sabia quem era a pessoa que se aproximava reconhecendo o odor diferenciado e peculiar de cada corpo. Mesmo que quem se aproximasse não proferisse uma só palavra, ela descobria de quem era a presença.
Era uma delícia passar defronte a um jardim e distinguir cada flor pelo tato e pelos perfumes característicos. Com os olhinhos das pontas dos dedos sentia a textura e até imaginava a cor.
Pensou consigo como as pessoas eram cegas para tantas coisas, como não conseguiam enxergar a essência, mas penalizam-se dela que via tudo com mais perfeição. Continuavam a julgar pela aparência, pelas roupas, e ela reconhecia o interior de cada um que se aproximava, sabia quem realmente eram pois havia descoberto a visão da alma.
Chegara a vez dela penalizar-se dos outros que ainda não haviam descoberto a verdadeira visão, eram como pássaros presos em gaiolas.
Ela, aprendera a voar.

sexta-feira, 19 de março de 2010

PORÃO - Ana Marly de Oliveira Jacobino


PORÃO
Ana Marly de Oliveira Jacobino

O mofo é seu companheiro. O frio enregela os ossos. Os pensamentos gritam em sua mente. Não consegue aquietar. Os seus familiares foram capturados. Seus pais o escondem neste quarto secreto. Jornais, livros e revistas antigas lhe fazem companhia. A fome é sua maldição. Se almoça, não janta. Caixas de bolachas e comida enlatada foram acondicionadas para durar dois anos. Há quase quatro escuta o ronco da guerra. Nos dois primeiros anos da guerra, as blitzkrieg abatem e conquistam territórios. O Stuka havia demonstrado à Luftwaffe o seu poder de fogo. Os roncos dos motores fazem tremer as paredes do porão. Risca na parede mais um dia. Março de 1945!? Agora, não ouve quase os motores alemães. Os aliados e a RAF voam pelos ares, com os seus Spitfires desmantelando a Alemanha. Como um bicho enjaulado sente o cheiro da liberdade. Mais um bombardeio. O barulho de um avião sendo abatido. O inverno já deu lugar à primavera. Berlim está sendo castigada, destruída. Tem esperança de encontrar seus pais. Sente saudades de sentar ao redor da mesa no Birkat há Mazón. Os bombardeios estão mais distantes. A água do poço do fundo do porão não está mais gelada. Vai esperar o silêncio total para sair e presenciar o que restou de toda aquela infâmia. Conversa consigo mesmo para não enlouquecer. A liberdade tem cheiro de sangue.

quinta-feira, 18 de março de 2010

SEGREDOS


SEGREDOS
Ludovico da Silva


Quantas histórias uma taça contaria se pudesse sair do seu mundo, que sugere mesmo prazer da dose da bebida que a satisfaz. Mas a taça se comporta com toda discrição, para ocultar confidências de amores e paixões incontroláveis. Guarda em seu interior sentimentos emoções da própria vida. Comemora um acontecimento feliz, ameniza uma dor, afoga uma mágoa, consagra uma paixão, esconde uma angústia.

Se uma taça contasse os segredos dos lábios que a tocam, que romance daria...

quarta-feira, 17 de março de 2010

Anjos existem?


ANJOS EXISTEM?
Ruth Carvalho Lima de Assunção

Necessidade inerente ao ser humano, essa contínua ilusão , criada no sentido de dar vazão à fuga do que é palpável e real. Uma fuga que leva ao abstrato e abranda essa realidade dura, suada e sem mistérios.
O ser se despoja do que vê, do que sente na carne e voa, desliga-se do palpável e vai buscar no etéreo algo mais que o conforte, que o desligue.
Vamos criando sonhos e anjos, nos deixando fora de órbita, num devaneio que embota a visão, a clarividência e perdendo o senso das devidas proporções nos leva aos encantadores caminhos da criatividade, trazendo para a esfera do real os duendes, o saci, os fantasmas, os demônios, os anjos.
Mais do que ninguém os artistas do pincel, do cinzel e da palavra se valem de sua imaginação criadora para construírem com as mãos e o verbo essas figuras difusas que lhe ocupam a mente em seus momentos de exacerbação.
Miguelangelo e tantos outros artistas valeram-se dessas figuras etéreas na composição de suas obras, adornando igrejas, dando-lhe asas, camisolas e aquele semblante infantil, meigo e celestial.
Anjinhos, criancinhas rechonchudas, saudáveis representadas em grandes painéis, sempre retratando uma alma pura, angelical, bem mais perto de Deus, bem mais perto daquele que nossa imaginação tenta alcançar.
Em nosso desprendimento, tão acorrentado às origens, ainda conseguimos vislumbrar na penumbra de nossa ignorância algo mais que não habite nossa cruel realidade terrena. Em sonhos desprendemo-nos das teias e libertos voamos para o insólito, na busca da verdade.
Anjos e demônios caminhando sempre ao nosso lado, fazendo de nossa existência um paraíso ou um inferno.
Mas os anjos existem como guias, como protetores, velando por todos que acreditam em sua grandiosidade, em sua alma divina que irradia amor e fraternidade. São os anjos de carne e osso.

CRÔNICA - Richard Mathenhauer


CRÔNICA
Richard Mathenhauer

Há dias em que é preferível o prejuízo de uma falta ao trabalho à aventura de sair da cama. Há dias em que não se deve pôr os pés no chão! Porque há dias em que, inexplicavelmente, todas as coisas e seres circunstantes conspiram em nos testar. A paciência (se houver) é curta, não há mansidão possível, as filas são longas, chove, o caixa-eletrônico não funciona, a telefonista da empresa dorme sobre os telefones enquanto a nossa mão adormece segurando o gancho do aparelho, as pessoas falam alto demais, reclamam demais por as mesmas questões reclamadas ontem e anteontem e desde o princípio dos tempos, o cãozinho preto há três dias perambulando na rua não sai da frente do automóvel (buzinar coloca-o em estado de choque), o trânsito é lento, é lento o semáforo, o ponteiro do relógio... longe fica o Reino dos Céus em dias assim!

terça-feira, 16 de março de 2010

ASILO DE INSANOS - Elias Jorge


ASILO DE INSANOS
Elias Jorge

Naquele fim de tarde, Adib El Adib, que pretendia se consagrar como artista plástico, postava-se diante da triste nudez de um solitário Ipê. E sentia que uma tênue brisa, que tocava o seu rosto, abraçava a planta para consolá-la com os seus leves sopros. Adib El Adib, naquele momento, emocionava-se com uns nascentes pontinhos verdes nos galhos engelhados do Ipê. Esses pontinhos seriam o seu modo de reconciliação com o seu ciclo de Vida. Uma forma de existência sempre sujeita ao tempo de calor, de frio, e da chuva. Tempo, num ir e vir, ora a preceder as suas floradas, ora a desnudá-la por completo. Tempo que Adib El Adib também entendia viver igual ciclo. E continuava com o seu olhar fixo no Ipê, preso à sensação de estar havendo entre eles uma conversa de igual para igual. Por isso pretendia celebrizar o Ipê na sua tela de pintor. E procedia como um namorado apaixonado. Não uma paixão pela beleza das flores, que já conhecia. Mas uma paixão por entender que entre eles existia apenas uma diferença de forma, não de essência, uma vez que ambos nasceram de uma semente que se transformou em Vida, num ventre materno. O Ipê, na sua raiz, foi alimentado, cresceu e tomou o seu formato na natureza, e ele, Adib El Adib, que, nos seios de sua mãe foi aleitado, cresceu e tomou forma, como o Ipê. Diferentes, entretanto, no formato do corpo, mas iguais nos ciclos de Vida. Nessa certeza – de singular lucidez –, Adib El Adib reagiu ao ser afastado do Ipê e reconduzido com a sua tela ao quartinho do asilo de insanos onde vivia.

Cotidiano de uma doméstica - Leda Coletti


Cotidiano de uma doméstica
Leda Coletti

Rita está exausta. Chegou da casa da patroa aí pelas 17 horas, e vai repetir tudo o que fez durante o dia: lavar e passar roupa, fazer o jantar que servirá de almoço para o dia seguinte e, ainda se sobrar um tempo, dar “um jeito” na arrumação do barraco. Este possui sala-quarto, cozinha e banheiro. Os três cômodos juntos caberiam na área de serviço do apartamento, aonde trabalha.
Nesse dia chegou mais preocupada que os outros. Ouviu uma conversa no ônibus, que a deixou intrigada. Soube que a Belinha, colega de sua filha está grávida e, segundo a mulher que espalhava a notícia, o pai era o seu filho Guilherme. Ela sabia que seu filho andava de namorico já há algum tempo. Se isso for verdade, de nada valeram seus conselhos para tomar cuidado nos seus relacionamentos, procurando sempre respeitar as colegas, sobretudo porque ele ainda é “de menor.”A garota é ainda mais nova do que ele.
Separada do marido há dois anos, faz às vezes de mãe e pai. Como se sente sozinha! Mas ao mesmo tempo se justifica: “O que adiantaria ter o Zé em minha companhia?” Ele não se importava com a educação dos dois filhos e, quando eu reclamava de algo que aprontavam, era rápido no comentário:
-Você é quem deve olhar o que as crianças fazem de errado. Eu não tenho tempo e não levo jeito para ralhar com elas. E saía de fininho em direção ao bar, onde passava as horas bebendo e jogando conversa fora com outros colegas.
E ela sempre dando de duro! A vida já estava ficando insuportável. Deu pois um “basta” no casamento. Aliás, nem fora casamento; haviam juntado “os trapos”, como se costuma dizer.
Está na expectativa de que seu filho venha para casa jantar. Pretende dar-lhe uma “prensa”. Fala para si mesma: “Como irei me virar se isso for verdade? Sabe que a garota é de família pobre, tanto quanto a sua. No fundo tem esperança de que tudo não tenha passado de fofoca daquela senhora. Já ouviu dizer que esta gosta de se intrometer na vida alheia!
Senta um pouco para ver a tevê. Já está tarde e nada dele vir! Assiste ao programa do Ratinho, mas quase não consegue prestar atenção. Quando menos espera está cochilando.
Não vê Guilherme entrar e ir direto para o beliche na parte superior.
Quando Rita acorda, já é madrugada. Vê o filho dormindo tão gostoso e não tem coragem de chamá-lo. Vai buscar as cobertas e novamente deita no sofá desbotado, com molas quebradas e diz baixinho:
- Amanhã é outro dia, quem sabe a vida vai melhorar...

segunda-feira, 15 de março de 2010

Minha Vida - Irineu Volpato

O escritor e poeta Irineu Volpato escrevendo "preto no branco" como gosta
Irineu na infância já com ares de intelectual

Minha vida
Irineu Volpato

Já consumindo os 70, nasci em terras de roça nuns morredos Paraíso, somados a Piracicaba. E como tantos curiosos da sorte, também eu vim catar beiras, que aís sobravam na vida.
E não passo reclamo do tanto que essa vida doou-me, que aprendi saber-me exato de quanto cabia e era meu.
Botei uns filhos na vida, bonitos pra não de mim reclamarem.
Somei uns livrinhos lavrados com título de arrepiar, quanse um poema inteiro (que sempre assim pensei - se não me lerem os poemas pelo menos a resenha no título vão ter que engulir de ler).
E pra me completar literato vim recolher-me de só, em beira rabeira de estrada, que emenda duas cidades neste Estado de São Paulo ( Piracicaba-Santa Bárbara).
Não tenho e-mail nem site, prefiro o preto no branco escorrendo no papel. Amo as cartas em que toco com devoção de oração.

sexta-feira, 12 de março de 2010

1o de Janeiro de 2040


1° de janeiro de 2040: Um quase-conto de Natal
Antonio Carlos Cavalli

“Hoje, o dia amanheceu com um brilho diferente. Aqui no deserto, os dias são sempre muito brilhantes, chega a doer nos olhos, mas hoje os tons da vegetação, a paisagem, o horizonte, a água do mar, tudo está mais nítido, mais intenso, mais tridimensional. Consigo perceber nuances magníficas, como há muito tempo deixei de ver, mesmo com o auxílio dos fantásticos óculos de última geração. Estou gostando, essa sensação visual está me fazendo bem; acho que não vou tomar nenhum remédio hoje.
Como de costume, estou na varanda aberta para a placidez das águas e dos morros cultivados. Sinto-me tão bem aqui, foi a melhor coisa que fizemos quando decidimos nos mudar para cá, alguns anos atrás. Téia, minha mulher, relutou bastante, queria ficar próxima dos bisnetos, mas aceitou depois que assinamos o plano de viagens mensais, o que nos permite passar uns dias por mês com eles. Aqui, os idosos da Quarta Idade têm muitos benefícios. E nós já estamos no meio dessa nova etapa da vida. Pode não ser a melhor, mas, seguramente, é muito divertida também. Somos imensamente felizes.
Comecei a escrever essa crônica agora, no computador holográfico que ganhei de Gustaf, meu neto. Estou me divertindo muito com essa nova maquininha que não lembra nem de longe os antigos computadores do início do século. Ele gosta de me trazer novidades tecnológicas. Ainda passamos horas conversando sobre todos os assuntos. Sempre tivemos uma empatia muito grande desde que ele nasceu. Estamos aguardando a sua visita. Vai chegar com a esposa hoje à tarde. Eles não puderam vir para o Natal, mas mandaram os filhos para passar uns dias conosco e a casa está em festa com a presença deles. Foram acompanhar a bisavó no seu passeio matinal à beira-mar.
Embora estejamos morando sozinhos aqui, esses incríveis meios de comunicação atuais nos permitem falar e ver as pessoas no meio da sala, com uma nitidez incomparável. Fico sempre extasiado com tais tecnologias e comparo com as que usávamos em 2010, por exemplo. Os bisnetos acham muito engraçado quando falo das coisas de 2010, mas esse foi um ano que ficou marcado em nossas vidas porque representou a mudança, para melhor, de todos nós. Talvez por isso minhas lembranças retornem a ele com frequência e gratidão.
Gustaf sempre foi brilhante em tudo o que fez e trabalha agora em projetos gigantescos de recuperação de áreas degradadas no mundo todo. Sua empresa já conseguiu reverter a degradação do Mar Morto, que voltou a ter águas com o mesmo volume e teor dos tempos bíblicos. Uma façanha que já lhe rendeu uma comenda da Organização Mundial. Sou um de seus maiores admiradores.
Depois de aposentados, os pais de Gustaf engajaram-se num projeto mundial de recuperação de jovens na África. A grande experiência adquirida no Brasil para casos semelhantes levou-os a abraçar essa missão extremamente importante para a pacificação de países menos favorecidos do continente africano. Tenho muito orgulho deles e mantemos estreito relacionamento para ajudá-los a perseverar na causa benemérita.
Meu filho mais novo é professor na Universidade de Jerusalém e está no comando do programa de equalização mundial de expertises, ou seja, a reunião de pesquisadores de mesmo padrão intelectual e formações diferentes das universidades de todo o mundo. Esse é um grande esforço das nações para o melhor aproveitamento e crescimento holístico de sua elite intelectual. Coincidentemente, hoje ele está em missão na África e deve encontrar o irmão e a cunhada. Vamos vê-los mais à noite pelo comunicador holográfico de última geração de Gustaf.
A cada cinco anos, vou ao Brasil para um evento especial: a reunião da turma da faculdade. Somos ainda um considerável número de sobreviventes, bastante capengas, diga-se, mas com o mesmo brilho no olhar dos idos de 1966, quando nos formamos. Ainda escrevo uns versos para a ocasião. Eu os chamo de “cantos senoidais qüinqüenais”. Em 2036 escrevi o “canto senoidal do décimo quinto qüinqüênio”. Uma marca histórica, sem dúvida.
Nessas viagens, tenho tido a oportunidade de verificar como o Brasil vem melhorando nessas últimas décadas. Hoje, encontra-se entre os cinco países mais desenvolvidos do planeta. E o que mais me alegra é o índice de desenvolvimento humano que alcançou. As últimas medições dão conta de que já está em 27° lugar, o mesmo que Israel ocupava em 2010. Não é pouca coisa, foi preciso um grande esforço da sociedade civil e do governo para se chegar a isso. Incrivelmente, hoje políticos corruptos se suicidam de vergonha quando são pilhados em alguma falcatrua, coisa impensável no início do século.
Acho que me alonguei nessas memórias, de repente ficou escuro e eu sinto um grande cansaço. Vou descansar um pouco. Gustaf já deve estar chegando. Amanhã, reviso esse texto e continuo a escrever”

Encontrei este texto inacabado no computador do meu avô. Cheguei há pouco do mar, onde fui depositar suas cinzas, como era seu desejo e nosso pacto desde a minha infância. Ele fez sua travessia, placidamente, aos 99 anos.
Tiberíades, 1° de janeiro de 2040
Gustaf

SOLIDÃO - Ana Marly

Solidão
Ana Marly de Oliveira Jacobino

O barulho do grilo no quarto amplia o silêncio. Noite de insônia, noite de pensamentos. O eu, sem você fica solitário. A solitude do deserto enrosca na alma. Essa solidão não é aquela da doença, mas, a que explora a vida. Viver no seu avesso. Conhecer melhor a luminosidade do seu interior, sem dúvida, é amar o inexplorado. É explorar o infindável. Ao longe um som. A sonata de Bach mostra que seu corpo não está só, interage com a música das esferas.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Esperança de Poeta - Carmen Pilotto


Esperança de poeta
Carmen Pilotto

A cor púrpura povoa nossas mentes, forte e invasiva energiza a alma do escritor. E assim, seguimos nas agruras da rotina atenuadas pelas flores que iluminam novos caminhos. Quando estou deprimida pelo cotidiano avassalador aspiro a beleza de uma linda flor de cor intensa ou ouço o chilrear vibrante dos pássaros que chamam minha atenção para os verdadeiros valores da vida. Daí saio cantando como Alice, mesmo que o coelho branco fique me pressionando com os ponteiros do relógio...

quarta-feira, 10 de março de 2010

DIA DA POESIA

(Distribuição de poesias na praça)

Dia da Poesia
Leda Coletti

Há comemoração para muitos eventos. Nada mais justo que haja também uma para exaltarmos a Poesia.
Nós poetas sabemos o bem que ela nos proporciona. Nos momentos poéticos vivemos novos mundos. Mesmo quando o conteúdo da mensagem exprime dor, ela tem seu valor, pois nesse caso tem efeito catártico.
Há ainda certo preconceito por parte de algumas pessoas em relação à poesia. Criticam a sensibilidade do poeta, que externa através de palavras escritas, com melodia e ritmo, os seus sentimentos pessoais e interpreta os comportamentos dos seres vivos da natureza, inspirando-se nas suas manifestações de vida, como o prazer, sofrimento, alegria, tristeza, etc.. Até os seres inanimados não são esquecidos por ele.
Por esta razão, nós poetas nos confraternizamos no dia 14 de Março - dia da Poesia – e para demonstrar o quanto a amamos, queremos desfrutá-la com um número grande de pessoas da cidade. Portanto se você ganhar uma poesia nesse dia, saiba que cada escritor-poeta está levando para você com muito carinho, uma mensagem de Amor, Amizade e muita Paz!

segunda-feira, 8 de março de 2010

Histórias de arrepiar - Eloah Margoni


Estranho destino de um dedo
Eloah Margoni

Que ninguém subestime as narrativas! O que é contado sobre a periferia é verdade. Mudarei nomes, para respeitar e proteger as identidades das pessoas que já são suficientemente ultrajadas e desvalidas. A cidade, por outro lado, é grande. Várias são as hipóteses dos locais para os acontecimentos. Havia, e ainda há, a jovem mulata, Ana, muito magra. Faltava-lhe um dos dentes da frente. De aspecto maltratado, era simpática porém, e usuária de crack. Também trabalhava no tráfico, transportando a droga, dizia-se. Um dia, houve uma briga entre Ana e outra moça rival, por causa de algum namorado. A contenda entre as duas chegou a tapas ou a puxões de cabelos, no melhor estilo de luta feminina amadora. Mas Ana, como dissemos, era franzina, e não levou a melhor na disputa. A oponente decepou-lhe, a mordidas, a falange distal de um dos dedos da mão esquerda. Um ato violento, de imprudente valentia por parte da oponente, considerando-se a incerteza sobre a saúde de Ana que, também, tinha um grupo, ou um pequeno bando de amigos. Aqui a história diverge um pouco. Alguns falam que a moça frágil foi em busca dos conhecidos, segurando a falange decepada numa das mãos, mas a maioria conta que após sair correndo, cheia de dor, na direção dos companheiros, estes empreenderam busca da falange e a encontraram. Ao acharem a ponta perdida do dedo não houve, porém, qualquer idéia de reimplante. Seria algo moderno demais, e ali, plena idade média. Não se pensou nisso... O que se fez, na verdade, foi bem macabro e tratou-se apenas de um castigo, ou de vingança esquisita, pois os integrantes da galera de Ana, obrigaram sua inimiga a engolir o pedaço do dedo decepado. Conheci a vítima na vigência das muitas sessões de curativos, feitas na unidade de saúde, onde ela soube estabelecer camaradagem conosco. Não tive contato com sua adversária. Ocorreu que alguns meses após tais acontecimentos, na sede de uma das unidades, estabeleceu-se um sobe e desce, passeio, correria, falatório de menores sobre a laje e no telhado. Isso ficou inoportuno, um transtorno para o posto; fora de controle mesmo. Num momento de maior irritação, uma das agentes de saúde daquela unidade, moradora do próprio bairro aliás, chamou a polícia por telefone e na frente dos usuários do local. A polícia chegou, subiu ao telhado e descobriu que ali, na laje, se armazenava crack. Enfim, era um “escritório informal” dos adolescentes e crianças envolvidas no trafico, encarregados de guardarem o entorpecente. Naturalmente a substância foi apreendida pelos policiais, dois meninos levados para a tutela do Estado. O “prejuízo” financeiro deles, comentou-se, girou de torno de dois mil reais. Uma fortuna para muitos. A agente de saúde ficou na mira daquele bando. Correram ameaças pelo bairro e ela, com filho único pré-adolescente, ficou apavorada compreensivelmente. Reunimo-nos, tão preocupados quanto impotentes perante este perigo! Ou não. Sugeri que procurássemos alguém intermediário para um “pacto de paz”, alguém que conhecesse os “personagens ocultos” e que pudesse acalmá-los, já que nós nem sabíamos quem eram. Quem intermediou foi Ana e o fez com muita boa vontade e atenção. Nada de mal ocorreu com a agente de saúde nem com seu filho.Não sei onde estará Ana agora, se ainda no mesmo local ou não, se melhor ou ainda maltratada, se sorri sem um dos dentes da frente, se ainda fuma crack, mas sei que ela teve um papel positivo em nosso dia a dia. E nós também, talvez, no dela.

Mabel e Luna enfrentam a cidade (cap I)
(Histórias de Arrepiar)
Eloah Margoni

Afogo-me em admiração por aquelas bravas meninas, uma de quinze, a outra de treze anos, que empreenderam a Grande Cruzada através da cidade, para salvarem a si mesmas (no que foram bem sucedidas). As circunstâncias se resumiam simplesmente nisso: Mabel e Luna eram filhas de uma senhora bem pobre, de limitada inteligência, escassa percepção e de pouca coragem pessoal ou bom senso. Viviam também com um irmão de 27 anos, talvez usuário de drogas (nada incomum) ou apenas violento, bruto, que ameaçava a mãe e tentava seduzir as irmãs. Foi duro para elas perceberem que não podiam contar com a genitora! Narravam-me com que surpresa e mágoas viam a mãe se calar frente aos perigos iminentes para todas. Isso me dizia Mabel com ressentimento; e mais, falava que a mãe preferia o filho a elas, até porque o moço trabalhava na construção civil e trazia dinheiro para casa. E chegaram a dizê-lo na frente da D. Sônia que ficava, simplesmente, calada. Tal me foi contado, tanto em consulta , quanto quando ambas me encontravam à porta da Unidade de Saúde. Nunca poderia me omitir a respeito disso! Tínhamos, nós da unidade, uma base de conduta nesses casos, para fazermos uma intervenção eficaz e também para nossa própria proteção. Costumávamos não ser muito incisivos, e sim vagos quanto à possibilidade de ação de nossa parte, especialmente quando sabíamos que atuaríamos! É que pisávamos continuamente em campos minados. Além do mais, tudo acontecia paralelamente a uma avalanche de outras demandas, necessidades e urgências várias. O caso se espremia entre papéis, doenças agudas e febres, questões todas importantes também, mas no momento, essa se impunha. Não fora eu a primeira pessoa a ouvir o drama, contavam-me Mabel e Luna com vivacidade, pois, chegaram a ir até um dos pronto-socorros (uma referência para elas), falar com a policial que lá se encontrava no dia. Idéia que tiveram. Tal empreitada deve lhes ter sido difícil! Primeiro a necessidade de arranjarem o dinheiro para as passagens, para lá partirem, pois a cidade não é pequena! Toda a dificuldade, humilhação e depois o desânimo ao ouvirem que tinham de se dirigir à delegacia da mulher; mais nada... Mabel e Luna não desistiram, e novamente arranjaram o dinheiro para o ônibus, faltaram da escola e foram em busca da “Delegacia da Mulher”, mais ou menos como um cruzado buscaria o Santo Gral; só que desequipadas. Chegaram ao centro, no terminal rodoviário. E que cidade cruel! Duras e barulhentas avenidas, perigosas, com grande trânsito. Tantas máquinas velozes e brilhantes, conduzidas por pessoas sobre duas rodas, usando capacetes, ou ocultas naquelas latarias; pessoas que nada tinham a ver com Mabel e Luna! Elas, por sua vez, foram perguntando aqui, ali, e caminharam, caminharam entre semáforos, buzinas, andaram perdidas de um lado para outro, nas ruas que não conheciam, entre out doors e lojas, sob o sol forte e sem grana, sem rumo, perguntando, indagando, onde seria a tal delegacia. Acharam uma; não era aquela... Segundo elas não foram acolhidas. Não se lhes deu atenção. Cansadas, mais uma vez retornaram à casa, para enfrentar o irmão, Ou seja, voltaram a seu tormento cotidiano, ao sagrado inferno de cada dia.(continua)

Mabel e Luna enfrentam a cidade (cap II)
Eloah Margoni

Por minha vez, enquanto Mabel e Luna batiam de porta em porta, por assim dizer, pedindo socorro, com muitas dificuldades em meio às consultas, às urgênciias de saúde, acolhimentos do dia a dia, telefones ocupados, etc...entrei em contato com o Conselho Tutelar da cidade, em primeiro lugar. E aí, deve-se ver que mesmo quando temos acesso à uma boa conselheira, isto é, madura, interessada, experiente e dinâmica, o que não é garantido mas tampouco incomum, vemos que o próprio Conselho Tutelar tem limitações...

Primeiro, precisa averiguar os fatos, e segundo, não tem poder por si só. Necessita de uma ordem judicial para desempenhar seu papel. Ora, sem juiz fixo na vara da infância e juventude, o que era o caso e parece que ainda (2010) é assim na cidade, já viram. Dias, semanas preciosas podiam passar e efetivamente se passaram, sem vislumbre de soluções!

Tinha eu inúteis e inevitáveis insônias. Pensava nas meninas, especialmente na mais nova, Luna, que sempre achei um doce e muito esperta. Foi assim que liguei, e não demorei a fazê-lo, para o número do disque denúncia , 181, " sua arma contra o crime". Mas vi que era arma descarregada, de plástico, de brinquedo. Ineficaz! Alguém já experimentou? Mal atendida que fui; a moça do lado de lá da linha mostrou-se muito hostil. Fez pouco caso de tudo. Embora eu fornecesse o endereço e o nome das crianças, o da mãe delas inclusive, queriam saber também o nome do irmão e...quase a cor das cuecas do mesmo, se é que as usava! Não anotou nada aquela infeliz; recusou-se a registrar o que lhe passei.

Lá fui eu pedir à agente comunitária de saúde que me trouxesse o nome do moço ameaçador, rapaz que não conhecíamos. Mas, mais uma vez, isso era apenas os míseros um trinta avos do meu dia! Difícil era achar espaço para a resolução desta situação rapidamente... E assim, mais tempo precioso corria.

Enquanto isso, Mabel e Luna sofriam e ainda temiam, se escondendo do irmão e procurando evitá-lo. Eu, entre medicamentos, prescrições, condutas médicas e outros doentes ansiosos e necessitados, ou menos necessitados, mas bem ansiosos, seguia. Minha energia, e não estou reclamando só estou narrando, saía do corpo como suco sai de um copo, sugado por alguém com um canudinho.

Finalmente, obtive o nome completo do suspeito e liguei de novo e mais uma vez para o desventurado 181, minha falsa arma contra crime. Embora fossem obrigados a registrar a denúncia desta vez, nada mais aconteceu a seguir. Sem efeito. Resultado nulo. Zero.
O Conselho Tutelar, também atolado e trabalhando no seu ritmo, investigou e acabou por obter ordem judicial para abrigar as meninas. Ufa! E que criança ou adolescente gosta de um abrigo de menores? Resposta: só alguém em situação desesperadora, limite; alguém cuja própria casa tornou-se inabitável! Precisamente, era esse o caso das duas mocinhas.

Mabel e Luna enfrentam a cidade (cap III e último)
Eloah Margoni

Então, Mabel e Luna afinal foram abrigadas. Soube-o não através do próprio Conselho Tutelar, mas sim das agentes de saúde. Em seguida, as meninas em carne e osso apareceram pra me contar as novas.

Se disser que tenho qualquer simpatia por abrigos de crianças, mentirei. Estes permanecem como o derradeiro recurso nos casos extremos, além de quase não terem vagas... Mas igualmente mentiria se negasse que foi um grande benefício para aquelas mocinhas irem para um deles, ou se afirmasse que estas não estavam felizes! Estavam.Também eu me senti aliviada e alegre com o desfecho provisório daquele drama.

Em nossa conversa, ninguém questionou nem indagou como pararam lá. Elas não tinham qualquer curiosidade sobre o assunto. Pareciam partir da assertiva de que a comunidade deveria mesmo se incumbir delas e protegê-las; era o que esperavam. Certíssimas quanto a isso, também estavam, infelizmente, erradas. Tiveram sorte, pois a cidade na verdade não cuida, e sim tritura e devora. Mas lá estavam elas animadas, e vinham visitar a mãe frequentemente. Mabel, a mais velha, muito preocupada com a dona Sônia, por esta ainda morar sozinha com o filho violento... Luna, mais criança ainda e intolerante, afirmava quase satisfeita e vingada, que a mãe estava arrasada sem elas, mas que a culpa era dela mesma, mãe, por não ter tido coragem para ajudar as duas. Fiz o possível para atenuar as emoções negativas, assumindo a tarefa árdua de explicar o inexplicável. De um lado, argumentar que D. Sônia era limitada e não tinha a força e a garra que elas mesmas, tão jovens ainda, já demonstravam. De outro ângulo, acalmar Mabel e explicar-lhe que não era atribuição desta salvar a mãe neste caso, e que a própria D. Sônia deveria começar a reclamar (coisa que jamais fizera) e procurar ajuda, e que a lei “Maria da Penha” seria útil a ela.

Dias depois D. Sônia pareceu e se lamuriou bastante sobre estar só, sem as filhas. Procurando não julgá-la ou condená-la, nem absolvê-la de nada, que não era o papel a ser feito, disse-lhe que fora muito necessário e importante para as irmãs terem se ausentado da casa, e que, considerando que ela não tivera condições de reação frente à ameaça grave, se queria mesmo bem às filhas, ficaria satisfeita com a situação atual. Nunca soube se entendeu o que falei ou se se alegrou mesmo por Mabel e Luna, mas não mais se queixou para mim.

O que resta a dizer às minhas jovenzinhas destemidas é que, onde quer que se encontrem agora ou no futuro, diante de adversidades recorram à sua própria determinação e boa autoestima, à sua fé e inconformismo. Essas características certamente as salvaram e as fizeram vencedoras na dura luta travada contra as tendências do destino e contra a assustadora e fria cidade, quando muitas e muitas outras mabéis, lunas, marias, evelins e jaquelines, não menos merecedoras de respeito (não sou só eu a afirmá-lo), sofrem diariamente fragorosas derrotas e comem o pão que o diabo amassou!

O Oito de Março - Isabel Vasconcellos

O Oito de Março

Em 8 de março de 1857 cento e vinte nove operárias de uma fábrica de tecidos em Nova York foram assassinadas, queimadas vivas, quando protestavam, reivindicando a redução da jornada de trabalho de 12 para 10 horas.
Foi a primeira greve americana conduzida exclusivamente por mulheres.
Os patrões delas e a polícia simplesmente tacaram fogo na fábrica.

No mesmo ano, 1857, na Alemanha, nascia Clara Zetkin (foto) que se tornou militante socialista e feminista e propôs, em na II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, em 1910, que a data da greve das tecelãs de 1857 se tornasse oficialmente o Dia Internacional da Mulher.
Assim, as mulheres de todo o mundo, passaram, a partir de 1911, a reverenciar a memória de todas as lutadoras da terra no dia 8 de março. A data, no entanto, só foi oficializada em 1975, quando a ONU decretou este como o Ano Internacional da Mulher e se realizou, no México, a Primeira Conferência Internacional da Mulher, com a participação de lideranças feministas de todo o mundo, inclusive, é claro, do Brasil.
Em 1910, quando Clara Zetkin propôs a data, as mulheres não tinham nenhum direito, eram cidadãs de segunda classe. Não podiam votar. Não podiam conservar as propriedades em seu nome, depois de casadas: todos os seus bens passavam automaticamente para o marido e, se ele rompesse o casamento, ela ficaria pobre, ainda que fosse rica antes de se casar. Não podiam conservar os filhos juntos delas se divorciadas. Poderiam ser trancafiadas em hospício com a simples palavra do marido, quando este queria se livrar delas. Os maridos tinham o direito de matar as esposas caso elas os traíssem. No Brasil, havia a figura jurídica da “legítima defesa da honra”, que absolvia, nos tribunais, os maridos assassinos.
Em 1910, enquanto Clara lutava pelas mulheres na Convenção Socialista, a enfermeira norte americana, Margaret Sanger (foto), era perseguida e exilada porque ousara ensinar às mulheres de Nova Iorque, onde vivia, os pouquíssimos métodos anticoncepcionais disponíveis naquele tempo. Foi acusada de divulgar pornografia.
A pílula anticoncepcional é de 1960. Só a partir da pílula as mulheres começaram a reivindicar o seu direito ao prazer sexual. Mulher chamada “direita” não podia ter prazer, isso era para as outras, as prostitutas.
Na metade da década de 1960, as feministas americanas queimaram sutiãs em praça pública, numa atitude simbólica, que reivindicava liberdade para o corpo feminino que, antes, já fora espremido em espartilhos e tantas vezes deformado, em várias culturas orientais, para satisfazer aos fetiches sexuais masculinos. Foram as americanas que, depois da segunda guerra, lutaram contra o hábito de amarrar os pés das meninas japonesas para que eles não crescessem e dessem a elas aquele andar miudinho que tanto agradava aos homens.
Na Inglaterra, nos Estados Unidos e no Brasil, as primeiras décadas do século passado viram crescer as sufragistas, mulheres que, nestes países, lutavam pelo direito de votar.
O voto feminino só veio em 1920 nos EUA, em 1928, na Inglaterra, em 1934 no Brasil, em 1973 – pasmem—na França.
Só nas décadas de 1970 e 1980 as mulheres começaram a deixar de ser minoria absoluta nos cursos superiores e no mercado de trabalho.
Mas hoje, 100 anos depois de Clara Zetkin, ainda ganham menos que os homens na mesma função, ainda têm seu clitóris extirpado à faca em 80% dos países africanos, ainda são mortas por maridos e namorados ciumentos, ainda estão longe da plena igualdade de direitos com o sexo masculino.
Por isso, embora a mídia tenha transformado o 8 de março numa data de florzinhas, presentinhos e outras baboseiras que se convencionou chamar de típicas do sexo frágil, essa data, para as mulheres, ainda significa sim uma data de luta pela igualdade de direitos sociais.
E se hoje nós temos alguns direitos conquistados, no 8 de março, é obrigatório agradecer à memória de todas as feministas que lutaram, sofreram e até morreram para que estivéssemos hoje onde estamos.
À memória delas e ao enorme valor de todas as mulheres de hoje, que trabalham, que amam, que são mães, esposas e guerreiras, tudo ao mesmo tempo, a nossa admiração e solidariedade.

domingo, 7 de março de 2010

O mistério das bolsas - Camilo Irineu Quartarollo

O mistério das bolsas
(Literatura de ficção)
Camilo Irineu Quartarollo

"Onde (os homens) guardam seus sonhos, seus segredos, e os apetrechos para suas necessidades básicas físicas? Mistério..." (Ivana MariaFrança de Negri no artigo Mulheres e suas bolsas mágicas, publicado em 06/03/10 na Tribuna Piracicabana)


Vou explicar. As bolsas femininas são parte integrante do figurino delas. Lá dentro tem de tudo. Ai de quem botar a mão! Se no trabalho ou na rua faltar algo inesperado, liga do celular para pegar na bolsinha que está sobre a penteadeira, não na bolsa. A bolsinha é uma variante pequena que deixa pela casa para diminuir a curiosidade do marido e filhos sobre o real conteúdo da bolsa por excelência, que consigo porta. É uma peçade intimidade, até mesmo na vivência do casamento é intocável, os documentos lá dentro não podem ser devassados. É seu mundo mais sutil, de ordem e graça. Só a dama conhece a própria bolsa ou bolsas. Sim, porque quando veste um conjuntinho (jargão feminino para roupas que combinam juntas no seu corpo) a bolsa tem de fazer parte, com discrição na cor, textura, tamanho e ocasião do evento. No trabalho, se o homem portar bolsa é agente secreto ou secretário de figurão; já à mulher é um traço de elegância. O homem põe a bolsa sobre o piso ou mesa de reuniões, a mulher a segura delicadamente sobre os joelhos. O homem anota em canhotos de cheques, mas se ela vê, logo oferece um bloquinho amarelinho e de textura fina para a anotação masculina. Um amigo meu foi acampar com a esposa, viver alguns momentos de amor ao ar livre e o coitado foi picado por uma víbora. Lá estavam os primeiros socorros da companheira, sugou o veneno aberto com um bisturi e pelo celular falava com o médico, na bolsa tinha curativos e de repente tirou uma ampola e aplicou o soro antiofídico nas nádegas do marmanjo. Que dor! Uma mulher pode ter medo de baratas,mas com sua bolsa enfrenta até ladrão, o que é um perigo. De improviso, espontaneamente mete a bolsa na cara do tal e dentro dele pode haver algum metal de peso como um revólver carregado. Talvez aflorem os instintos das voinhas, que, se necessário, atacavam com a vassoura ou rodo, ou o que tinham à mão e pela força moral afugentavam o inusitado. Ainda no éden há quem diga que a bolsa feminina estava presente, mesmo antes de o homem saber que estava nu, a mulher tinha uma bolsa para combinar. E falam mais, que o fruto proibido não era maça não, mas sim uma jaca e adivinhem de onde tirou para dar a Adão. Ele comeu e viu que estava pelado, com frio e assustado e perguntou onde arranjou aquela bolsinha. Para acalmá-lo ela tirou um pijama de estrelinhas e o fez dormir em seus braços. E até hoje, os homens guardam seus sonhos, seus segredos, e apetrechos para as necessidades básicas físicas dele na bolsa dela.

Essas mulheres maravilhosas e suas bolsas mágicas

Essas mulheres maravilhosas e suas bolsas mágicas
Ivana Maria França de Negri

Verdadeira caixa de Pandora, guarda em seu interior mistérios e segredos inimagináveis...
Nessa cartola encantada, cabem bilhetes de amor, poemas, fotografias, receitas culinárias, celular, bandaid, lixa de unha, pinça, aspirina, escova, pente, presilhas, elástico de cabelo, molho de chaves, carteira, porta-moedas, calculadora, alfinete de segurança, lencinhos de papel, caneta, calendário, absorventes íntimos, óculos de sol e de grau, tesourinha desmontável e barrinhas de cereais. Muitas levam chupeta de criança e até mamadeira. Balas de hortelã e chicletes também não podem faltar numa bolsa que se preze.
Tudo isso, e muito mais, cabe nesse acessório feminino indispensável. Além, é claro, dos documentos obrigatórios como carteira de motorista, identidade, CPF, cartões de crédito, de supermercado, talão de cheques, carteira do plano de saúde e cartão de telefone.
A bolsa de uma mulher pode ser pequena, grande, colorida, com alças compridas ou alcinha de mão, cheia de lantejoulas e bordados ou discreta. Pode ser de grife famosa ou de lona gasta de caminhão. De seda ou de palha, rústica ou de verniz.
Também não pode faltar dentro dela um perfume em embalagem que não derrama, e obrigatoriamente, um batom.
Sempre é bom ter à mão uma agendinha com telefone do médico, do dentista, dos amigos, do advogado e do mecânico para alguma emergência.
Se por acaso algum ladrão roubar a bolsa de uma mulher, meu Deus! Lá se vai a sua identidade, e parece que sua própria alma estava guardada lá dentro. Sem sua bolsa, a mulher sente-se nua, capenga, falta-lhe alguma coisa.
Eu sempre digo que sem minha bolsa eu não sou eu...Faz parte de mim e fico perdida sem ela.
Aquelas pochetes pequenas de festa, em cujo interior não cabe quase nada, acabam abrigando em seu bojo lembrancinhas de aniversário, docinhos diversos e bem-casados de casamentos. Tudo bem apertadinho lá dentro, junto com o batom, lencinho, e a caixinha de maquiagem, itens obrigatórios para os retoques. E vão ao toalete feminino, junto com suas donas, de quando em quando, durante a festa..
Mulher nunca anda de mãos abanando. Carrega o filho no útero, carrega-o depois nos braços, carrega as compras do supermercado, a mochila das crianças, carrega nos ombros o peso do mundo, e a alma em suas bolsas...
Esta crônica surgiu durante uma das reuniões do Golp, nosso grupo literário, inspirada na minha amiga Elda, que chegou atrasada porque havia esquecido a bolsa e voltou à sua casa para buscá-la.
Fiquei pensando: como é possível os homens viverem sem bolsas? Onde guardam seus sonhos, seus segredos, e os apetrechos para suas necessidades básicas? Mistério...

A Sustentável Leveza de Ser Mulher - Carmelina de Toledo Piza

A Sustentável Leveza de Ser Mulher
Carmelina de Toledo Piza

A chuva é forte. Levanto, vou ao banheiro. Volto para a cama e pego um livro, começo a ler, não me interessa. Levanto novamente, vou à cozinha e faço um leite morno, tomo. Esquenta o meu corpo frio de desejos guardados da infância. A saudade é mais forte do que a própria verdade que preciso enxergar.
- Quero dormir!
A madrugada é longa, a chuva não pára. O choro arrebata como um animal no ímpeto do cio.
- Preciso dormir! Tenho que trabalhar!
Levanto, o dia está cinza. A dor no peito aperta e não quero falar com as pessoas sobre a minha tristeza.
- O dia é longo!
Volto para casa. Coloco o carro bem em frente ao portão, desço e olho. Lá está: a caixa azul, de fita vermelha e fios dourados.
- Um presente!
Segurei-a com as duas mãos, apertei-a com toda força junto ao meu peito. Abri. No fundo da caixa, uma carta. O silêncio se faz à minha volta. Ouço apenas o sussurrar dos fantasmas da infância, que, imperceptíveis, trazem um murmúrio incrustado em meu corpo: o medo. Sinto as pernas tremerem e o coração descompassado parece saltar aos pulos pela boca. Vou para a cama e leio: Ka, os fatos acontecem em nossas vidas, de uma tal forma que nos pregam de surpresa, totalmente desarmados. Causam tanto impacto, que o preço emocional é inacreditável.
No dia em que nos encontramos, você sentia medo, era uma mulher assustada, desprotegida. Estava frágil e vulnerável. Eu apareço como o homem forte, para protegê-la. Conversamos e não resisti, dei o número do meu celular, com o pretexto de que, se precisasse de algo, me telefonasse. Fiquei um tempo enorme olhando para o aparelho e torcendo para que tocasse. Tocou! Era você!
Feliz em ouvir a sua voz, mas com uma desconfiança: será que ela ligou só porque está com medo?
Sim, liguei porque estava com medo. Medo do mundo, da violência, de tudo. Só não tive medo de ligar e agradecer: pelo carinho, pela atenção e pelo respeito.
A primeira vez, eu não pedi, ele simplesmente apareceu e me deu apoio e segurança. A segunda, ele veio depois que eu liguei. Olhou profundamente nos meus olhos e disse:
- Ka, você confia em mim?
- Sim.
Quando percebi, o vento forte e frio batia em meus braços e pernas, a cabeça balançava pesada segurando o capacete. Estávamos na estrada.
No alto, o céu escuro e aos nossos pés a pequena cidade iluminada. Um ao lado do outro. Aproveito para farejá-lo e identificar o cheiro daquele homem. Tenho a sensação de que já o conheço de um longo tempo. Eu, que esquadrinhava por todos os recantos e encantos à procura de um homem, acabava de encontrá-lo.
Foi uma cerimônia amorosa e definitiva para nós dois, o que poderia ter sido um ato solene, ao contrario, foi alegre, risonho e inesquecível. Juntos, buscamos um espaço próprio. Só nosso. O em torno inexistia e o tempo, parou. Durante horas, ficamos nos descobrindo. Na absoluta intimidade, não pensamos em outra coisa além de nós mesmos, dois companheiros e amantes, dando e recebendo. Na sustentável leveza de ser mulher, abro a minha janela, sinto o sol bater no meu rosto e descubro: amar com o desespero da perda é descobrir o vazio inclemente do espaço que fica quando o grande amor vai embora.

sábado, 6 de março de 2010

e Deus criou a Mulher...

E Deus criou a Mulher...
Ivana Maria França de Negri

Segundo a Bíblia, Eva foi criada a partir de uma costela de Adão. Foi acusada de ser a responsável pela expulsão de ambos do paraíso por induzir Adão a cometer o pecado original. Mas como, se o cometeram em cumplicidade?
Antigamente as mulheres não tinham escolha: procriação ou clausura.
Sem rebelar-se acatavam o destino que lhes indicavam os pais.
Não havia justiça para elas. A guilhotina fazia cabeças femininas rolarem se ousassem desafiar as normas vigentes. Também milhares morreram apedrejadas por adultério ou nas labaredas da Santa (?) Inquisição.
Levaram séculos para alcançar pequenas vitórias. A luta era desigual. As armas femininas, como sempre, apenas a beleza e a sedução. Eram proibidas de estudar. Obedeciam primeiramente às ordens do pai e depois eram transferidas para a obediência aos maridos. Se se atrevessem a infringir essas leis, eram enviadas para os conventos.
Hoje ainda persiste a violência contra as mulheres. Centenas são vítimas de agressões físicas por parte dos cônjuges e muitas, por medo, se calam. Nas delegacias da Mulher 70% dos processos são arquivados e 60% dos casais continuam juntos depois de retirarem a queixa.
Em certos países, meninas têm seu clitóris extirpado para que nunca possam sentir prazer, e a operação é feita sem condições de higiene, sem anestesia, às vezes pelos próprios pais e muitas delas morrem de hemorragia ou infecção, e como se fossem gado, servem ao sexo e para a reprodução. É revoltante!
Quando certos maridos matavam suas esposas ou namoradas por motivo de ciúme, eram absolvidos por se tratar de crime passional. Lavagem da honra também justificava o assassinato. Hoje a lei mudou, mas será que as cabeças masculinas mudaram ? Quando são estupradas, nem sempre o estuprador recebe punição condizente com o trauma que causou.
E pensar que ainda hoje sabe-se de casos de mulheres que não vão nem ao ginecologista por vergonha ou por causa do ciúme doentio dos maridos e acabam morrendo quando graves doenças são detectadas em estados avançados e irreversíveis.
Há que se lutar para mudar! A mulher tem muita força, apesar da aparente fragilidade. Sexo frágil? Amélia? Rainha do Lar? Não, Mulher- Maravilha, isso sim!

sexta-feira, 5 de março de 2010

Mulheres nota mil

Mulheres nota mil
Maria Iraci Pinto

Ao longo de nossas vidas existem pessoas que nos marcam de forma intensa pelo seu jeito de ser e de viver, pessoas que nos servem de modelo e exemplo.
Neste Dia Internacional da Mulher, escolhi algumas delas que me servem de exemplo e até mostraram que rumo seguir em minha vida, mas sintam-se também homenageadas todas as mulheres autênticas, livres e competentes do imenso universo feminino: Iracema, por sua audácia em viver sozinha, cuidar da sua casa e sua vida, apesar de sua deficiência, e já viúva continuou sua vida e não fez da família uma muleta para caminhar. Sua atitude corajosa, ousada e destemida inspirou-me, e muito, para que eu também me decidisse a morar sozinha. Se ela pôde, eu também poderia.
Rosa Maria, ex-primeira dama de Piracicaba, pela sua extrema consideração para com as pessoas deficientes, os mais humildes e os mais carentes.
Toninha, pelo trabalho junto aos pobres e como catequista.
Zilda (in memoriam) pela sua mais bela demonstração de apreço pelo ser humano em sua essência real, independente do poder aquisitivo.
Ivana, por seu trabalho junto à classe literária, seu desprendimento em não se deixar levar pelo aparente sucesso e conservar os pés no chão, sua educação refinada e sua simpatia sem igual.
Marlene, verdadeira “mãe do mundo”, que leva sobre os ombros cansados e as pernas enfraquecidas as dores, os problemas e sofrimentos de todos que a rodeiam, permanentemente incompreendida e esquecida do seu valor maternal, em suas necessidades de mulher e ser humano. Acima de tudo sem o respeito que lhe é devido.
Neuza, por sua dedicação fora do comum ao magistério, à sua condição de professora.
Minha mãe dona Antonia, minhas irmãs Rosangela, Rosmali, Roselene, Rosemeire, minhas sobrinhas Cristiane, Luciane, Ariane e minha tia Tereza, que em seus papéis de mães, esposas e competentes profissionais, honram o nome da Mulher.
E uma homenagem especial à minha sobrinha Bárbara, 6 anos, e minha sobrinha-neta Bruna de 4 anos, para que possam, sendo dessa nova geração, contar com a mesma fibra e determinação das mulheres acima citadas.

quinta-feira, 4 de março de 2010

TODA OUVIDOS - Carolina Luiza Prospero

TODA OUVIDOS
Carolina Luiza Prospero

Quando completou dezoito anos, disseram que ela deveria entrar numa faculdade. Deveria preparar-se desde cedo, era preciso. Mulher, se quisesse independência, tinha é que estudar para arranjar emprego.
Então ela entrou para a faculdade. Mas disseram a ela que agora deveria namorar sério. Conheceu um bom rapaz – um tanto quanto “sem sal” – mas um esforçado rapaz, e eles começaram a namorar. A família aprovou totalmente.
Disseram então, que assim que se formasse, deveria se casar. Ela então se formou, arranjou um emprego, ganhando pouco e trabalhando muito e subiu ao altar. Todos ficaram felizes!
Passados alguns meses, disseram a ela que estava na hora de ter um bebê. O marido era da mesma opinião, e eles então tiveram um belo menino. Noites em claro, fraldas e choro, mas todos a cumprimentavam pela bela família.
A empresa na qual trabalhava, a pressionou. Disseram que o mercado estava difícil, e que sem uma especialização, seu trabalho estaria comprometido. Entrou então num mestrado, de bebê em punho e vassoura na mão – já que o dinheiro ainda não dava para uma faxineira.
Um dia, o marido disse a ela que queria mais um filho. Obediente, veio mais um e mais outro. Enquanto isso, a empresa disse que o mercado estava difícil...Antes de terminar a frase, ela já se inscrevera para o doutorado.
Disseram a ela também que precisava de um carro. O marido concordou e eles compraram um carro. Todo o seu salário ia para pagar as prestações, e o carro só servia para levar as crianças na pintura, na natação e na escola...
Quando completou quarenta anos, disseram a ela que precisava de uma plástica. Parecia tão acabada, coitadinha...Ela foi para o hospital, tomou a anestesia e nunca mais acordou. Agarrou sua única oportunidade de sossego com unhas e dentes, para que não dissessem a ela o que viria depois. Não queria saber, não queria. Queria só que dissessem a ela: “pronto, você já pode ir agora”.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Convites de exposições em comemoração ao Dia Internacional da Mulher

Trinta e três textos ilustrados de integrantes dos grupos literários da cidade

Exposição de poesias de diversas poetisas ilustradas por Carmelina de Toledo Piza

Poesias e pinturas das artistas mulheres da Esalq

terça-feira, 2 de março de 2010

MULHER- Ludovico da Silva

MULHER
Ludovico da Silva

Alguém já deve ter visto uma caricatura em que uma mulher é arrastada pelos cabelos por um brutamontes, em direção a uma caverna.
Era assim que a mulher era tratada. Como uma verdadeira escrava.
O homem era o seu dono e podia dispor dela como que quisesse e bem entendesse.
Esse tempo já passou.
Hoje, a mulher se situa, merecidamente, em igualdade de condições com o homem.
Essa posição não foi alcançada ao sabor da luz do sol ou da mudança da lua.
É preciso um recuo até a década de 50 do século XIX, quando mais de uma centena de mulheres de uma indústria têxtil, da cidade norte-americana de Nova Iorque, entrou em greve, por melhores condições de vida. Pagaram com suas próprias vidas, mas seus gritos ecoaram pelos anos futuros e pelo mundo afora.
Essas mulheres fizeram história e hoje merecem ser reverenciadas pelo que conquistaram.
Aos poucos, foram alcançando vitórias, quebraram tabus, garantiram direitos e continuam desafiando e reivindicando sempre posições legítimas, na sociedade como um todo.
E tem mais. Tudo isso, sem se afastar da sagrada missão materna.

segunda-feira, 1 de março de 2010

A MULHER - Cassio Negri

A MULHER
Cassio Camilo Almeida de Negri

Fora do nosso sistema solar, na longínqua estrela Orion, existia um planeta chamado Beta-C.
Tal planeta era habitado por seres unicelulares gigantes, muito evoluídos cientificamente, seres praticamente imortais, que conseguiram a proeza de viajar pelo espaço a velocidades próximas da luz.
Desde que haviam surgido, há 2 bilhões de anos, mantinham a mesma forma de reprodução. Na época da maturidade, simplesmente faziam uma cópia de seus genes e dividiam-se em duas células filhas, após duplicação de seus DNAs.
Assim, nunca morriam, apenas se transformavam em suas filhas, netas, bisnetas, num eterno vir a ser, sempre igual.
Do um vinha o dois, e cada novo um, gerava outro dois, jamais aparecendo o três. Lá não existia trindade, era um mundo de tristes iguais eternos.
Um dia, no entanto, um evento causador de tristeza grassou inexorável aqueles seres geneticamente iguais aos ascendentes e devido a essa semelhança genética, rapidamente começou a se extinguir aquele espécie.
Foi quando, focando o aparelho de tele-transporte num minúsculo astro, o terceiro girante ao redor da estrela sol, descobriram esse planeta singelo, cheio de tristezas, mas também de alegrias; cheio de guerras, mas também de paz., e nesse planeta existia um ser, que dentro de si possuía um vazio, envolto por um músculo chamado útero, e realizava uma alquimia dentro desse oco, gerando do dois, o três e completando a trindade, o filho.