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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Escrevendo no Golp - Cassio Negri


Escrevendo no Grupo Oficina Literária
Cassio Camilo Almeida de Negri

Ao redor da mesa, oito pessoas com o objetivo de escrever alguma coisa.
Como há uma semana não se vêem, ao se encontrarem, não param de falar.
Seus pensamentos descontrolados e indisciplinados borboleteiam de assunto em assunto, algumas vezes sem nenhuma relação um com o outro.
Esses pensamentos caóticos seguem-se da tradução comunicativa da voz. Eis então que surge um ecoar de ondas mecânicas sonoras que, ao refletir nas paredes, somadas a muitas cordas vocais vibrando ao mesmo tempo, me fazem lembrar aquele som sem alma das tardes das matinês dominicais.
Já se passaram 90 minutos e é chegada a hora de escrever. Munidos de papel e caneta, as almas resolvem falar. A voz do silêncio domina o ambiente.
Cada um penetra em si mesmo e nem os sons que vêm de fora, tais como buzinas, sino da igreja, etc, conseguem penetrar nessa fortaleza silenciosa formada pelos oito espíritos escritores.
Cabeças baixas, parecendo que estão em transe mediúnico, a caneta corre acelerada pelo papel, falando alto na voz do silêncio.
Essa é a voz do nosso eu real, a alma. Ela falou silenciosamente por 15 minutos.
Isso é o que ficou.

Expor ou não se expor? - Leda Coletti


Expor ou não se expor
Leda Coletti



Há muitas pessoas que não gostam de se expor. Relutam quando convidadas para mostrar seus talentos, quer sejam artísticos, quer intelectuais.
Pessoalmente analiso tal situação, usando a moeda como parâmetro. Há o lado do verso.Por que não colocarmos para os outros, o que temos de bom? Por exemplo: Uma pintura na tela retratando a natureza. Proporciona bem estar para tantas pessoas. No caso do músico:como é relaxante ouvir um instrumento musical, com ou sem acompanhamento de vozes. Chegamos a viajar, recordando belas paisagens ou imaginamos situações de ambientes tranquilos. Transpomos o tempo e espaços. Também isso ocorre ao lermos um livro, poema, crônica,etc. Quantas reflexões, até possíveis soluções para problemas diários, se nos afloram.
Mas, onde fica o reverso da moeda? Ocorre quando o autor da obra, volta-se apenas para objetivos pessoais, envolvendo mais sentimentos egoístas. Isso acontece muito, através de palavras escritas, faladas e cantadas, onde o outro é aniquilado, humilhado. São os que se consideram donos da verdade e, não se importam com o mal que causam. É comum acontecer com colegas do mesmo meio artístico.
Buscar o equilíbrio é um compromisso, que devemos assumir como seres humanos. È verdade, que muitas vezes balançamos e as duas faces da moeda aparecem.Entretanto, tracemos objetivos que visem em primeiro lugar o bem-comum, e, se percebermos que pendemos para o outro lado, tenhamos a hombridade de reconhecer nossas falhas, e a coragem de tentar ao menos, nos corrigir.
Afinal o artista tem por obrigação não apenas ser inteligente, mas ser acima de
tudo, sábio!

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Programa JP na Escola - 2009 - 4a Exposição de trabalhos

O Programa JP na Escola estimula nas crianças o gosto pela leitura e a intimidade com o jornal.

A ilimitada criatividade infantil se materializa em maquetes, trabalhos artesanais, montagens, colagens e jornaizinhos montados por elas mesmas.

Dedicadas professoras não medem esforços para extrair dos alunos o que eles têm de melhor.

Danças, interpretação de textos, poesia, tudo é motivação para as crianças.

E a cada ano aumentam as escolas participantes.

Parabéns ao professor Jaime Leitão, coordenador pedagógico, à coordenadora Fernanda Mandro Machado e à Irair Beccari, interlocutora, que não medem esforços para que o projeto cresça sempre mais.

Crianças representam o futuro e é preciso investir nelas para colhermos bons frutos.

Medalha de Mérito Cultural e Cívico conferida pela Sociedade Beneficente Sírio Libanesa de Piracicaba

Alguns momentos do evento Cultural ocorrido no dia 25 de novembro de 2009A composição da mesa tendo o prefeito Municipal Barjas Negri e o Presidente da Sociedade Beneficente Sirio Libanesa Alexandre Sarkis Neder entre outras autoridades
O escritor e poeta Elias Jorge idealizador da Medalha de Mérito Cultural e Cívico da Sociedade Sirio Libanesa

Felisbino de Almeida Leme, da Academia Piracicabana de Letras, foi o mestre de cerimônias da noite

Marly Germano Perecin agradecendo em nome dos homenageados
Marly Germano Perecin, escritora, recebeu a medalha por seus diversos livros como historiadora sobre a história de Piracicaba e Ivana Maria França de Negri, poetisa, por seu trabalho em prol da literatura em PiracicabaO diploma de mérito

Cassio, Ivana e Ana Clara


Homenageados da noite em outras áreas: Antonio Carlos Fioravante , doutor Antonio Carlos Neder, Maestro Egildo Pereira Rizzi, professor Elias Sallum, dr. José Carlos de Moura, Jussara Sansigolo, Mônica Aguiar Corazza Stefani, Mônica Calile Franck e professor Rubens Leite do Canto Braga




quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Ecos do Minarete - Leda Coletti

Ecos do Minarete
Leda Coletti

A comitiva de beduínos se locomovia lentamente sob o sol abrasador. Os camelos pareciam pedir por paradas repousantes.
O silêncio predominava no ambiente. Somente o bater dos cascos na areia morna, nessa hora vespertina; nem ao menos uma leve brisa amainava o calor sufocante.
Mas, eis que de repente, um oásis aparece à frente. Uma minúscula nascente jorra água límpida. E, para completar o milagre, quebrando a quietude da tarde, ouve-se o som melodioso de um mantra que vem do minarete, não muito distante da mina, onde a comitiva parou para reabastecer suas forças e também as dos animais.
É o momento solene da meditação, do encontro espiritual com a própria consciência. Como hipnotizados, os beduínos se prostram de joelhos e contritos oram. Sentem-se inundados por uma luz sobrenatural, e em circulo dançam, louvando a Mãe - Terra, o Irmão Sol, a Irmã Lua e as estrelas.
A noite chega e com ela, o descanso que os corpos requerem.
Ainda é madrugada e, seguindo a direção da estrela maior no firmamento, os beduínos prosseguem a viagem, deixando suas pegadas nas areias do deserto.

Os vãos da vida - Ludovico da Silva


OS VÃOS DA VIDA
Ludovico da Silva

Nas manhãs de sol, saio a perambular pelas ruas da cidade, à procura de amigos, para bate-papos e preencher o vazio ocioso que a vida reserva às pessoas, após tantos anos na lida diária.
Nem sempre esse encontro acontece com a vontade que tenho e com a satisfação que quero. É que o tempo é um padrasto incompreensível. Leva os amigos para bem longe, que ficam no esquecimento ou na saudade.
Procuro nos jardins, nas esquinas, em cada pessoa à minha frente, na calçada do outro lado da rua, nos esbarrões acidentais, na voz que ouço, um rosto conhecido.
Sei que não é fácil.
Os invernos da vida entristecem olhares e sulcam as faces. Mas procuro alguém. Olho pelos lados. Canso-me. Tudo em vão. Os amigos sempre vão.

Prisão de Inocentes - Elda Nympha Cobra Silveira

PRISÃO DE INOCENTES
Elda Nympha Cobra Silveira

É tão bom ficar ao ar livre vendo os passarinhos nos galhos, ou bebericando da água espumante e encachoeirada do riacho, ou fazendo ecoar na imensidão dos bosques o seu belo canto. Observo as garças, lindamente brancas, com suas pernas esguias, apanhando os peixes que passavam. As garças, harmoniosas bailarinas do ar, voavam planando, para depois aterrissarem com graciosa perfeição.
Os pássaros, cada qual com seu canto, soltavam sons ritmados e melodiosos: o bem-te-vi brincava comigo de esconder, mas parecia me vigiar e sempre sabia onde eu estava. Aquele ruído estridente e cadenciado, que mais parecia uma martelada numa bigorna, era o canto especial da araponga, ecoando até não sei onde. E o tiziu chamava quando eu me afastava.
Como é bela a interação dos pássaros com a natureza! Seu cantar é melodioso, seu viver é simples e sua presença é tão natural, que não se pode imaginar que eles não estejam sempre ali. Então, por que empalhá-los, por que calar o seu canto? Para que sua carcaça sirva como um grotesco enfeite? Então, por que prender passarinhos em gaiolas? Para que a privação de liberdade seja um prazer e uma forma de admirá-los? Tenhamos um pouco de compaixão! Prender um passarinho faz com que eles se sintam como presidiários numa cela, olhando através das grades! E quando as gaiolas são levadas para tomar sol, sentirão o mesmo que um preso, tomando banho de sol, no pátio do presídio!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os pássaros não voltaram mais... - Lino Vitti


(desenho de Geraldo Victorino de França Júnior)


"OS PÁSSAROS NÃO VOLTARAM MAIS!"
Lino Vitti (Príncipe dos Poetas Piracicabanos)

Os meus inteligentes leitores verificarão que o título da crônica de hoje vem colocada entre aspas, por isso sabem tratar-se de algo escrito por mãos alheias, se é que assim posso chamar as hábeis mãos de minha esposa Dorayrthes (esposa de príncipe, princesa é) que durante 30 anos tornaram hábeis as mãozinhas de talvez milhares de crianças, sequiosas de aprender a escrever e contar.
Eis, a seguir, o que a mestra escreveu:
“OS PÁSSAROS NÃO VOLTARAM MAIS
Tudo começou com um punhado de arroz jogado no chão do jardim. Veio um casal de rolinhas, comeram e se foram sei lá para onde!
Esse punhado de arroz jogado ao léu, foi crescendo, crescendo, e aumentando até se tornar cinco quilos de alpiste, mais apreciado por aqueles pássaros.
Assim como os grãos se multiplicaram as rolinhas aumentaram na mesma proporção tão grande chegando a duzentas.
Na belíssima trepadeira repleta de flores lilazes e brancas fizeram elas seus ninhos e ali criaram seus frágeis e pequenos filhotes que esperavam de bicos abertos os alimentos trazidos pelos pais.
Um bico de lacre, assim chamado devido ao seu bico vermelho construiu também seu ninho. Olhando para cima parecia uma bola intrincada de galhos secos em cujo topo uma abertura tão pequena por onde passaria apenas aquele minúsculo pássaro.
Quando o sol começava a desaparecer no horizonte ouvia-se o chamado melancólico da rolinha talvez despedindo-se do astro-rei, deixando vagarosamente a terra. É nessa hora que o coração da gente se tornava apertado evocando talvez algum ente querido longe dali,
Os bentevis não se fizeram de rogados. Apareceram como, porque , de onde? Para terror da pobre rolinha querendo comer-lhe os filhotes.
O beija-flor vinha bebericar a água fresca e adocicada do reservatório, colocado no galho da árvore.
As roseiras com poucas flores estavam secando devagar.
Os ninhos ficaram vazios. Os pássaros se foram. O silêncio desceu lúgubre sobre aquele lugar.
Chegou o jardineiro e no seu linguajar meio caipira foi logo dizendo: “Oi , dona, é perciso cortá a trepadeira, ela já tem gaios grosso como um bambu. As roseiras tão pedindo uma enxada e a mão forte de um caipira como eu.”
Assim aconteceu. A trepadeira foi ao chão e as roseiras arrancadas daquele lugar onde nasceram, cresceram e deram muitas flores para alegrar o jardim.
O bico de lacre desapareceu. Até os bentevis não vieram mais.
A tristeza tomou conta de tudo, uma solidão desceu sobre aquele pedacinho de chão.
O tempo passa e passa tão rápido que não se sente passar. Dois esses já se foram.
Para nossa alegria a trepadeira já está brotando. Seus galhos em riste, parecem querer alçar ao céu. Galhos com muitas folhas se espalham pelo caramanchão.
Outras flores já abrem suas pétalas amarelas, vermelhas, e as orquídeas brancas exalam seu perfume.
As azaléias começam a encachar nos ramos e duas roseiras novas brotam com vigor.
Um vaso com hortências exibe, desafiando as outras flores, tufos de flores róseas, como que dizendo: estas são as mais lindas flores.
Rolinhas, bicos de lacre, corruíras, beija-flores e até vocês bentevis espero vê-los novamente alegrando o quintal.


sábado, 21 de novembro de 2009

Confraternização do Golp e Cafezinho Literário - 2009







O Grupo Oficina Literária de Piracicaba e o Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário reuniram-se neste sábado, 21 de novembro, para a tradicional confraternização de final de ano na Casa do Médico.

Comes e bebes, leitura de textos e poesias, troca de lembrancinhas e no final, o cafezinho para esquentar ainda mais a reunião!

Alguns flashes do evento festivo


Parte dos presentes

Doutor William e sua Malu

Hummm!!!!!!!

Madalena e Esther


Ana Marly, Isadora, Lurdinha e CornélioFelisbino e Rosaly Ivana, Lurdinha, Isadora e professor Cornélio
Ana Marly lendo seu texto e doutor William compenetradoQue delícia a musse de manga da Elda!!!Cássio e Esther trocando presentes
Amigos secretos: Gisele e Daniel
Ana Marly ganhou um relógio musical! Ana Lúcia e seu amigo secreto, professor Cornélio

Carmen, Lurdinha, Cornélio, Eunice e Cássio

Ano que vem tem mais!

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Convite - 1a Mostra de Talentos do CCP

(clique no convite para ampliar)
Aracy Duarte Ferrari e Ivana M. F de Negri expoem poesias ilustradas.
A abertura da mostra será na sexta-feira, dia 27 de novembro

Solidão Humana - Ivana Maria França de Negri


Solidão humana
Ivana Maria França de Negri

Nunca a solidão humana se mostrou tão presente como nas populosas metrópoles.
Ninguém conversa com ninguém, as pessoas nem se cumprimentam. Ninguém cede lugar aos mais velhos, às mulheres grávidas ou com bebês de colo nos ônibus e nas filas. Só se for uma exigência legal e nesse caso, são obrigados a fazê-lo, mas sempre de mau humor, contrariados, não como um gesto educado, fraterno ou prazeroso.
Não existem mais cavalheiros que abrem as portas para as damas e nem distribui-se gentilezas. Economiza-se até no simples ato de sorrir.
Isolada, desconfiada, enclausurada, a humanidade cada vez mais mergulha num universo interior onde só há espaço para a solidão.
Assisti a um filme que conta a história de um robô-criança, capaz de amar e de sorrir, cujo maior desejo é tornar-se humano. É mais ou menos uma versão do conto do Pinóquio para o século XXI.
E a situação se inverte. Enquanto o robozinho anseia se humanizar, o ser humano vai virando máquina, o coração se tornando de aço e a insensibilidade vai amortecendo os sentimentos.
Apenas nesta época do ano, por ocasião do Natal e das festas, reacendem-se levemente emoções adormecidas e as pessoas se tornam um pouco mais humanas . Pena que após o período das festas de final de ano, a solidão das grandes metrópoles faz retornar o inverno rigoroso nas almas e acaba congelando os sentimentos bons que brotaram nos corações...

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Consciência Negra - Ruth Assunção

CONSCIÊNCIA NEGRA
Ruth Carvalho Lima de Assunção

Em 13 de Maio de 1888 a Princesa Isabel assinava a Lei Áurea, pondo fim à escravidão no Brasil, que se instalara há 300 anos, ainda no período colonial. Um episódio de tristes lembranças marca essa fase, quando mercadores obcecados pela ganância arrancam um povo às suas raízes, subjugam, ferem sua dignidade e o amordaçam em seus direitos de justiça e liberdade.
E nosso olhar, hoje se anuvia, ao vermos em museus e praças, essa parafernália de invenções voltadas para castigar de forma cruel o seu semelhante, que se insurgia contra ordens descabidas.
Memórias de um passado em que senhores de engenho manipulavam e descarregavam sobre o negro toda sorte de suas frustrações.
Não só no Brasil, mas em todo o planeta era norma geral considerar o negro, assim como o índio, um ser inferior, destituído de inteligência e livre arbítrio.
Nos Estados Unidos, Martin Luther King sonhava por um mundo de igualdade entre os povos. Foi assassinado, mas seu sonho não morreu, os americanos despertaram para a realidade do presente.
Aqui no Brasil, nessa situação de dores e agonias, num despertar de consciência foram se formando núcleos de resistência a seus opressores.
E surge Zumbi, o negro de alma branca, que levanta em seus movimentos de oposição os primeiros gritos de rebeldia.
A luta continua. Uma luta de reflexão no sentido de banir os atos de discriminação racial, de valorização por sua herança cultural, mantida pela população afro-descendente.
Feriado de 20 de Novembro, uma conquista da cidade, uma conquista de Zumbi, o reconhecimento da data da CONSCIÊNCIA NEGRA.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Confraternização de final de ano - GOLP e Cafezinho Literário

(clique sobre a foto para ampliá-la)
Neste sábado, 21 de novembro, às 14h, acontece o último Cafezinho Literário do ano, na Casa do Médico (av.Centenário 546) e vamos fazer a tradicional confraternização de final de ano junto com o Golp.
Como é de praxe, as mulheres levam um prato de salgado ou doce e os homens, a bebida. E também levem lembrancinhas para a brincadeira do amigo secreto.
Um Feliz Natal a todos e que 2010 chegue com muita inspiração, saúde e realizações.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Viveiro Divino - Maria de Lourdes Piedade Sodero Martins

(desenho de Geraldo V. de França Júnior)

VIVEIRO DIVINO
Maria de Lourdes Piedade Sodero Martins

Pássaros festivos voam e gorjeiam num vai e vem colorido, em memorável esquina próxima à minha casa. São dezenas, ou melhor, são centenas de pássaros bailarinos e cantantes, das mais variadas espécies e tamanhos que se cruzam, sem parar, em constante agitação a disputar o espaço paradisíaco, arquitetado graciosamente para o dia a dia da vida que lhes foi concedida.
Trata-se de um mirante circular, alicerçado em engenhoso e belo jardim, solidamente projetado entre vielas arborizadas, sempre floridas, que margeiam a elegante e convidativa residência da minha amiga. Em todas as direções há ângulos surpreendentes, arrematados com espécies comuns e raras, de plantas e flores em proporções e cores das mais tocantes.
Aliás, tudo naquele recanto sutil e maravilhoso convida a momentos especiais, todas as criaturas que por ventura visitam o local: os pássaros livres em contagiante contentamento e nós, naturalmente a observá-los, usufruindo do mesmo espaço que enleva e acalma. Ali é possível se permanecer num encantamento inexplicável, com direito a um descanso total de alma, de espírito...
Farto banquete é oferecido três vezes ao dia, incluindo a hospedagem e banhos carinhosamente preparados. São alimentados ali, bandos intermináveis de residentes fixos e aqueles que num vôo acidental ou de passagem acabam por descobrir a hospedagem do amor. Sabiás atentos, bem-te-vis a cantar e bater asas em ritmo melodioso, quero-queros, periquitos, tuins, rolinhas, andorinhas, tais quais notas musicais a enfeitar a pauta do poste à frente, canários dourados a exibir a presente liberdade, e os pardais, barulhentos caipiras bem-vindos. Pintassilgos ligeiros... da mata, do campo ou do brejo ? Não importa, quantos ou quais, todos em ritmo acelerado se misturam e se entendem. Uns cantam aqui, outros respondem ali; há os que se banham nas bacias dispostas na mureta circular, enquanto outros sedentos e apressadinhos disputam com os lindíssimos beija-flores a água açucarada das flores dos bebedouros. Estes, pendurados estratégica e harmoniosamente entre arbustos floridos, gerânios, samambaias lisas, crespas ou rendadas, trepadeiras no auge da floração.
São tantos os vasos que embalam as avezinhas; muitas copas jeitosas e macias as convidam à construção de ninhos para a formação da família e a segurança de seus filhotes.
Fazer parte da cena vívida extraordinária daquele oásis é entender o que é transcender-se, é sentir a presença do Criador!
Toda essa história mais parece um sonho, uma invenção poética, talvez... Mas acreditem, é a mais pura verdade. Tenho, às vezes, com meus netos, visitado tal recanto, ao qual batizei: Viveiro Divino!

Miniconto- CASTELO - Leda Coletti

CASTELO
Leda Coletti

Seu castelo de sonhos adultos ruiu tão depressa, comparado aos que construíra na areia das praias de sua infância. Seu casamento fracassou. Está ameaçada de perder o emprego, pois as dores nevrálgicas a impedem para o trabalho. Mas sempre a sorrir, não perde as esperanças e continua a sonhar...

domingo, 15 de novembro de 2009

Os saltos - Carolina Luiza Prospero

Os saltos
Carolina Luiza Prospero

O barulho dos saltos ecoava, surdo, no chão daquela casa. Era com pompa que ela entrava, olhar lívido, pupilas firmes e dilatadas – fuzilando-me magoadamente com o olhar. Reprimia o choro para não dar razão às más línguas que sempre a viam como o sexo frágil, e dessas a mais perversa era eu. Na verdade, era uma mulher forte, decidida, que tantas vezes já enfrentara provações e dificuldades, mas que no íntimo só buscava um tanto de compreensão. Era ajuda o que me pedia, ao mesmo tempo em que desejava me matar.
Jogou-me ao colo tudo o que havia pedido: as fitas, as rendas, o dinheiro. Olhei friamente para todas aquelas coisas e apalpei algumas, enquanto pausadamente perguntava: “e o resto?”. Ela esboçou então um sorriso ferido, triunfante, do alto dos seus saltos negros, e respondeu: “a minha dignidade, mas não a minha vida”.
Deu as costas para a minha poltrona xadrez, colocou os óculos escuros e se foi. Só ouvi a batida de seus saltos, que se apressavam por chegar ao carro que a aguardava do lado de fora. Entrou nele, sumiu na estrada. No entanto, ainda pude ver com segurança, do alto das minhas escadas, uma pequena e carinhosa mãozinha que ela puxava para junto de si.

Oração de um Jovem - Maria Iraci Pinto

Oração de um Jovem
Maria Iraci Pinto

Senhor Jesus,
Sou jovem e confesso que ainda não sei reconhecer o amigo falso e o verdadeiro, o caminho certo e o errado, a vantagem da luz sobre a escuridão, o mérito da verdade sobre a mentira, nem o poder da oração.
Mas sei que preciso de um amigo, de um camarada, um irmão, e é por isso que escolhi você, pra estar sempre comigo, me orientar e me guiar pelas estradas desse mundo, nos caminhos dessa vida, seguindo rumo à felicidade, à serenidade e à doce vitória sobre meus inimigos e dores, ao invés de vícios, colherei flores, as drogas não terão vez nos planos que você fez pra juntos seguirmos em paz.
Amém!

sábado, 14 de novembro de 2009

Deslumbramento - Lino Vitti

(pintura de D.Zolan)
Deslumbramento
Lino Vitti

Batizaram-no de Manuel. Ficou para a vida, depois, o simpático apelido de Manequi. Interessante como se penduricam apelidos nas pessoas. E como todos: pais, familiares, mestres, amigos e outros se unem em torno da alcunha, a repetem, a conservam, a eternizam. Assim, era Manequi daqui, Manequi dali, Manequi de cá, Manequi de acolá. E o Manequi sorria, um sorriso gostoso de quem aprova o nome que de batismo não é. Talvez porque, o Manuel, trazia aquele diabo de hiato de mau gosto “ue” tornando-o de certo modo antipático ao uso e meio mole de se pronunciar.
O menino, entretanto, cresceu como todos os meninos da roça, pois na roça havia nascido. Quem baixa a este mundo, em noite escura, arrancado das entranhas maternas por mãos de parteira amadora, já chega berrando, colocando em polvorosa a casa e as vizinhanças, com a força de seu choro valente e promissor. Manuel assim prometia, e mantinha, ao caminhar da vida roceira, a valentia necessária para uma existência difícil, sempre a exigir algo, como eram e são ainda as vidas que brotam, florescem e frutificam na liberdade do campo.
Não quero me deter, por exigências aprisionadoras dos espaços muito preciosos dos jornais de todo o mundo, em desfiar em detalhes os dias de infância do Manequi, em muito semelhante a de todos os meninos roceiros, não poderia deixar de dizer entretanto que o nosso herói nascera com um espírito de observação incomum, porquanto se os demais de sua idade e de origens assemelhadas não davam trela observativa aos fenômenos da natureza campesina, a alma de Manequi como que se deixava imantar pelas maravilhas de um amanhecer ou de um entardecer, de um dia de sol, de uma árvore frondosa, de um lavrador lutando de enxada à mão ou arando, de um temporal a toldar os horizontes natais, de uma floresta cheia de todos os arcanos vegetais e animais, de um plenilúnio seresteiro, de um regato a conversar com as ervas e as flores da mata espessa, enfim, de tudo quanto constitui as belezas, os encantos, o amor e o sonho de uma vida campestre.
E sonhava também. Sonhava com um mundo imenso, generoso, rico, feliz e fantástico que deveria existir e brilhar além dos limites de sua roça, como lhe faziam chegar aos ouvidos e ao seu mundo de fantasia, as conversas das visitas forasteiras, as aulas das professoras escolares, o noticiário radiofônico, e especialmente os livros sobre os quais muitas vezes e feito um poço de curiosidade se debruçava o garoto, sedento de conhecer e desejar um dia, quiçá (?), ver de perto, tocar com as mãos gulosas de esperanças e novidades.
Manequi sonhava muito, aliás. Além das fronteiras domésticas que se estendiam até onde os olhos curiosos podiam deduzir, era possível existirem grandes cidades, fabulosas cidades, novas terras, novos horizontes, novas gentes, novos e muitos lares, novos e muitos amigos ! E como os desejava ! Muitas vezes, na luminosidade do dia, tocando as nuvens alvas e movediças, roncando como estranho animal voador, Manequi contemplava o vôo metálico de um avião e vibrava com a idéia de que lá, nas alturas infinitas , dentro daquele pássaro de ferro, havia pessoas, pessoas que buscavam outras terras, outras gentes, outros horizontes. E invejava, e desejava, e batia palmas ao espetáculo, ansioso de um dia também voar aprisionado no seio da ave de aço que comia as distâncias espaciais como se nada fossem.
* * *
O meio-dia sufocava. A roça diluia –se sob a glória do sol. E o calor, e a hora, e o silêncio e tudo convidava para a sesta. Pássaros e bichos silvestres ou domésticos calaram seu canto e seu mugido, buscando a sombra e a tranqüilidade. E o ronco do avião destoava como um absurdo, na imensidade azul do dia.
Ao longe, de súbito, o horizonte se abriu e se distendeu fantasticamente. E na fímbria do infinito foram se delineando, como um milagre, inúmeros arranha-céus. Subiam, subiam, quase arranhavam verdadeiramente o céu. Encostavam nas nuvens. E a festa das vidraças faiscava, tremeluzia, caleidoscopicamente, fantasticamente. E ele via. Manequi via. E a curiosidade do menino escorria por aquelas paredes intermináveis, rumo ao chão. E aqui fervilhavam veículos e mais veículos, de todas as cores, de todos os tipos, num festival fremente de vida e progresso. E homens, mulheres, crianças, velhos, jovens, brancos, negros, orientais, europeus, americanos, fervilhavam num caminhar apressado, como quem vai em busca de uma existência feliz, trabalhosa e sonhada. Regurgitavam lojas, casas comerciais, casas de espetáculos, livrarias, estúdios de rádio e televisão, redações de jornais e revistas, escolas, estádios esportivos, trepidavam passos rumo às fábricas, aos supermercados, às praias, aos hotéis e motéis, às repartições públicas, estaduais, municipais, federais... E se fez noite. E a escuridão da noite se iluminou, como se o sol continuasse a sua missão diurna de brilhar. E os entes humanos prosseguiam em sua faina de trabalho, de atividades, de lutas e labutas, sem interrupção entre o dia e a noite. A vida, o caminhar, o trabalhar, o agredir as dificuldades e o viver sonhando com riquezas e belezas, era uma constante, empurrava as multidões apocalípticas para diante , para um porvir fabuloso, na conquista do amor, da esperança, da expectativa, da felicidade enfim.
E Manequi via. Via e se sentia envolto naquela trepidação de vida extraordinária. Via que além de sua vidinha de roça, havia uma enormidade de existência, que ele ignorava, mas que agora contemplava, pressentia, desfrutava. Como era imenso o mundo ! E quantos mundos o mundo abarcava !
O pintassilgo da gaiola abriu o biquinho. E cantou. E acordou Manequi de seu sonho, nada mais do que uma realidade que está presente na glória de São Paulo. O menino sonhara? Talvez, não. A televisão mostrava a ciclópica capital paulista, com todo o seu fausto, com todos os seus problemas, com todas as suas conquistas, com todas as suas vitórias e derrotas, em fantástica reportagem, enquanto Manequi, entre a penumbra do sono e da vigília, se deixara envolver pelo deslumbramento da quase ou maior cidade do mundo.
Sonhara de olhos abertos pois a visão que vislumbrara era sim a fabulosa São Paulo, festiva e sensacional comemorando seus 450 aniversários de fundação.

CONVITE


A Sociedade Beneficente Sírio Libanesa tem a honra de convidar V. Sa. e família para a Sessão Solene de Outorga da Medalha de Mérito Cultural e Cívico.
Sua presença muito nos honrará.
Data: 25/11/09 (Quarta-feira)
Horário: 21 horas.
Local: Sede da Sociedade Beneficente Sírio Libanesa
Rua: Governador Pedro de Toledo, 1045

A Diretoria

Homenageados:

1. Sr. Antônio Carlos Fioravanti
2. Prof. Dr. Antônio Carlos Neder
3. Maestro Egildo Pereira Rizzi
4. Prof. Elias Salum
5. Poetisa Ivana Maria de França Negri
6. Dr. José Carlos de Moura
7. Profa. Jussara Sansígolo
8. Escritora Marly Therezinha G. Perecin
9. Profa. Mônica Aguiar Corazza Stéfani
10. Dra. Mônica Calile Franck
11. Prof. Rubens Leite do Canto Braga

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Fantasia- Ludovico da Silva


FANTASIA
Ludovico da Silva

Andou sem rumo na vida, tropeçou na turbulência do destino, sonhou com amores perdidos, enamorou-se da lua, mandou beijos para as estrelas.
Viajou nos mistérios da fantasia...

Como Borboletas - Maria Emília Redi

Como borboletas...
Maria Emília Medeiros Redi

Era a velha casa de sua infância.Ele ainda estava lá ... e só, tinha por companhia - Lembranças acumuladas em seus noventa anos de existência!O pó cobria os móveis antigos. Nas paredes descascadas as aranhas haviam tecido o tempo que passou...Tudo estava perfeitamente no devido lugar, como sempre. As vozes amadas ressoavam em sua memória a canção da eternidade.A alma inquieta , querendo vencer as barreiras do tempo, voou para bem longe do templo que a abrigava e, ansiosamente, buscou, em épocas remotas, breves momentos de felicidade... Vagou por espaços indecifráveis... Sobrevoou desertos solitários de amor, onde os ventos da indiferença sopravam as frias areias do egoísmo, tornando as paragens vazias de compaixão...Alternando o rumo, a alma , encontrou-se nos picos das montanhas, por entre neves eternas... Avistou lençóis de gelo cortando vales verdejantes banhados por nascentes aquecidas de esperança!Mas, isatisfeita, a alma mergulhou nas profundezas dos oceanos... - Queria encontrar a eterna idade da vida escondida nos abismos submersos!!!Depois de tanta procura vã, encarnou o menino que , em todas manhãs - Extasiava-se diante do florido jardim de sua infância, tão distante... E... no pequeno paraíso, por entre a multiplicidade de cores e olores, observou as borboletas distribuindo alegria de flor em flor. - Sob o encantamento deste revoar de asas - Conseguiu enxergar toda a transitoriedade da vida .Sobre as pétalas , espalhadas pelo chão, deixou-se ficar. E... rompendo o seu casulo corporal - Como Borboleta - alçou o definitivo vôo rumo à liberdade ...Quando o encontraram, em seu rosto enrugado, havia Paz, muita Paz ... - No sorriso congelado!!!

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Microconto - Jaime Leitão

O ESTÚPIDO
Jaime Leitão

Era um cavalo. Cavalo não. Os cavalos são mais delicados.

TADEU - Ruth Assunção

TADEU
Ruth Carvalho Lima de Assunção

Aquele retrato, bem ali em frente da sala de estar, chamava a atenção de todos que chegavam. As perguntas eram inevitáveis. E a curiosidade crescia, principalmente das crianças. Que bonito, que grande, qual era seu nome?!!
Tia Concheta, com toda paciência, ia satisfazendo a todos.
Depois de ter acompanhado, por várias vezes, as narrativas de titia, comecei a duvidar de suas palavras. Seria, porque ela floreava demais, ou porque eu é que deveria estar confuso? Não, não poderia ser, eu me lembrava muito bem, estava sempre de corpo presente quando os fatos aconteceram. As imagens de minha infância ficaram, e penso que jamais, em tempo algum, serão deturpadas. Continuamente essas recordações se repetem trazendo-me as gratas satisfações dos tempos de meninice, os pés descalços, uma camisa rala sobre o corpo e, muitas vezes, quase desnudo, correndo ou dando cambalhotas na terra, na relva, dono do mundo.
Como se fosse hoje, ouço a voz rouca de Tio João, sempre aos domingos, nos chamando para o habitual passeio no seu sítio, à margem do Cuiabá.
Era aquela correria. Titia preparava os comes e bebes em sacolas, baldes e embrulhos. Os primos pegavam os calçados para usar no mato e agasalhos, pois à tarde sempre esfriava.
Tio João já acomodado ao volante de seu fordinho gritava:
-Vamos crianças, vamos embora, já é tarde!
A confusão estava armada, mas em poucos segundos, todos acomodados e espremidos, o fordinho arrancava, deixando a cidadezinha para trás. Ninguém ficava de boca fechada, os risos estouravam.
A alegria era contagiante. Todos falavam ao mesmo tempo e o poeirão ia entrando pela garganta, até que Tia Concheta punha ordem na criançada..
Apertando o pé no acelerador titio voava na estradinha estreita, tentando contar as suas piadas de almanaque. De repente o fordinho estava em frente à porteira. Titio buzinava, dando o sinal de nossa chegada. Não dava para esperar mais, saltávamos do carro numa correria, e eu sempre me incumbia de abrir a porteira para titio entrar.
Numa curva do pasto apareciam os cães correndo ao nosso encontro. Wader e Weller ouviam de longe o motor do carro e depois a buzina e vinham dar as boas vindas, pulando, latindo e nos beijando.
Titio esperava mais. O quadro estava incompleto, faltava o principal.
Então surgia o Tadeu, acompanhado pela Princesa e a Mocinha.
Forte, imponente, liderava o grupo. Desajeitado, nas suas toneladas, vinha balançando suas carnes pesadas, sacudindo o corpanzil para chegar depressa.
O carinho do touro e o carinho de titio se encontravam. Afagos, beijos, abraços, e não se largavam mais.
Nós, crianças, fugíamos para a beira do rio, escondidos de titio que no momento só queria a companhia do seu fiel amigo enamorado.
As brincadeiras na água eram muito gostosas, pulando, jogando água uns nos outros, e brincando de cabra-cega. Depois o pomar, subir nas árvores, apanhar as deliciosas mangas e se encher de frutas, dispensando o lanche de titia.
Na beira da cerca avistei titio conversando com seu vizinho, o Sr.Antonio, que gesticulando, apontava para o touro.
Percebi o interesse, o homem queria o Tadeu. Achei que nunca esse animal tão estimado poderia passar para as mãos do outro. Tio sempre dizia que só o venderia para reprodutor. Não queria vê-lo no açougue.
Mas Tadeu foi vendido, naquele dia mesmo passou para as pastagens vizinhas.
Não entendi como titio teve a coragem, como acreditou nas promessas, como continuaria a visitar o sítio sem o seu fiel amigo de todas as horas.
Deixamos de ir ao sítio por duas semanas. Titio, cabisbaixo, pensativo, quase não falava. Desde aquele dia era um homem triste, sem coragem para nada, seu entusiasmo havia perdido o calor.
À noitinha as músicas invadiram a nossa casa. Rojões pipocavam na fazenda ao lado, fagulhas iluminando a noite quente, o cheiro de carne assada castigando nosso olfato e gargalhadas, gritos e danças quebrando a monotonia campestre.
A mandioca cozida, a cerveja, a pinga com limão e os canibais rasgando as carnes servidas, as carnes do meigo e doce Tadeu, o fiel amigo de Tio João.
Tia Concheta falava do retrato na parede, inventando coisas. A minha história é outra. A de titio também, acrescida de juros e correção monetária.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Olhos para as flores - Ludovico da Silva

OLHOS PARA AS FLORES
Ludovico da Silva

Estava eu a andar despreocupado por uma rua movimentada, quando pisei forte sobre um tapete macio de flores, já sem vida. Flores que caíam num balanço de bailado, assopradas por um vento suave, que parecia acometido de um sentimento triste, naquele ato involuntário que o destino lhe reservava.
As flores que enfeitam os jardins são alegres como uma criança, que se diverte com um brinquedo qualquer, que acaba de ganhar. É só notar como se sentem felizes ao ouvir um elogio à sua beleza e entendem as palavras que saltam dos olhares de quem as corteja.
Fiquei tempo a reparar as flores que o pé de ipê estendia naquele tapete cor-de-rosa. Absorto com o chuvisco de pétalas aveludadas a me acariciarem o corpo. Nem havia reparado no senhor ao lado, óculos pretos, bengala, quieto, imóvel. Arrisquei uma conversa. Queria falar de flores, quando ele se virou, tirou os óculos e me perguntou: que flor exala esse perfume tão doce?
Olhei fundo nos seus olhos, dei-lhe os braços e o levei para o outro lado da rua.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O cará - Leda Coletti

O Cará
Leda Coletti

Conta a história daquela aldeia indígena, que um garoto da tribo foi salvo por comer legume extraído de uma planta encontrada na roça, que abastecia os seus moradores.
Poti era seu nome. Ninguém sabia explicar a doença de que fora acometido. Já se passaram três luas e ele estava cada vez pior. Chegaram a dizer que estava sob influência maligna, desde que definhava dia-a-dia. Cada vez mais pálido, amuado num canto sem quase conversar e brincar com colegas da aldeia.
Foi então que o milagre se deu. Aquela irmã missionária, que vinha nos finais de cada mês, com um casal, quis conhecer de perto as plantações do local. Ao lado da mandioca, subindo em uma das estacas improvisadas, viu o cará, parecido a uma pedra marrom, que a fez lembrar a infância distante vivida também no campo. Com que saudade recordou a sopa gostosa, que a mãe preparava para todos no jantar, onde o cará era o ingrediente principal. Sugeriu então, aos que a acompanhavam, cozinhar naquela noite aquele prato especial. Acrescentando mandioca, batata ao cará e com os temperos de ervas encontrados no local, fez uma lauta sopa que os índios já semi-civilizados, apreciaram muito.
Poti gostou tanto da comida que surpreendeu a todos, querendo repetir a dose.
A partir daquele dia o cará passou a fazer parte da alimentação da tribo e, especialmente de Poti, que se tornou um adolescente sadio e líder da aldeia.