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segunda-feira, 31 de maio de 2010
Retrato
Ludovico da Silva
A caixa estava abandonada em um canto qualquer da casa. Bem fechada. Era uma caixa pequena, leve. Apanhei-a, balancei com as duas mãos, encostei aos ouvidos. Não senti nada. Nem ouvi nada. Também, não entendi que tivesse algo misterioso. Mas poderia ter. Não duvidei.
Na verdade, nem sei quem a colocou naquele lugar. Faz tanto tempo que está ali. Isso eu sei.
Assumi uma curiosidade estranha e tentei abri-la. A tampa estava muito bem colada. Era preciso cuidado.
E se fosse uma lembrança que provocasse saudade?
E era. Um retrato de minha mãe!
A Era da Insensatez
Ivana Maria França de Negri
Consumo, logo existo. Vivemos a era da insensatez. Somos controlados e manipulados de todas as formas. Pensamos que somos livres, mas seguimos fielmente as regras, sem contestar, como boizinhos passivos, subindo a rampa do matadouro.
Somos escravos dos modismos, do marketing comercial que vende de tudo.
Vidas cada vez mais vazias, mentes ocas, somos clientes, consumidores, telespectadores, apáticos, acéfalos, massa humana que não pensa por si e navega na onda. Não aprendemos a nadar contra as marés, a opinar, a discordar das ditaduras,
Usamos as marcas que nos são sugeridas, seguimos dietas para sermos magros como as garotas das capas das revistas. Assistimos filmes e peças de teatro que a mídia escolhe e impõe para nós. Nem achamos interessante, mas se a maioria elegeu como sendo o melhor, somos obrigados a assistir e a gostar.
Revistas ditam a moda e todos seguem incontestes. Barriga de fora, cintura alta, cabelo liso, cabelo crespo, bolsa grande, bolsa pequena, e vamos gastando dinheiro em supérfluos. Nada é feito para durar.
E as mentes se ocupam com futilidades, com consumismos e excessos. Tudo é descartável e as modas passam cada vez mais rapidamente. Antigamente as roupas e sapatos eram usados “até acabar”, ou até que não servissem mais e eram passados para os irmãos menores. Não existia essa fixação por marcas. As roupas só precisavam ser de boa qualidade para durar bastante. Agora, muitas são fabricadas na China e compradas a preço de bananas e as grandes grifes só se encarregam de colocar suas etiquetas famosas nas peças. E os consumidores pagam caríssimo por peças de gosto duvidoso que não vão durar nada.
Para ter seu lugar na sociedade tem que ter o carro do ano, as roupas da moda, o sorriso estampado com frequência nas colunas sociais.
Consumimos com voracidade e depredamos a natureza. Ler livros, pra quê? Programa preferido? Big Brother, reality show, que de real não têm nada, tudo um grande circo armado para o tolo telespectador.
Somos um bando de consumidores ávidos que se esqueceu do princípio básico da vida que é: simplesmente VIVER!
domingo, 30 de maio de 2010
Guarde no Cofre
Marisa Bueloni
Um céu azul. Ah, meu Deus, se você consegue ver um pedaço de céu azul da sua janela, da porta da cozinha, de algum lugar do seu escritório ou do consultório, guarde no cofre. Esta visão é maravilhosa e não se pode desperdiçá-la. Há que ser fotografada, ampliada, posta num quadro, emoldurada pelo amor.
Uma sala de jantar, destas bem antigas, com o tampo meio sem brilho, em cujos veios da madeira estão gravadas as histórias de toda a família, as reuniões, os Natais, almoços e jantares, gente em volta contando causos, rindo, chorando, suspirando de saudades... Guarde a mesa no cofre.
O seu carro. Que não é novo, mas é a sua cara e raramente dá problema. Você e ele são a mesma pessoa, um é a extensão do outro. Você faz uma baliza de olhos fechados, porque conhece as dimensões do seu carro e ele entende cada manobra sua como se fosse um amigo sincero. Guarde o carro no cofre.
Um rio. Um rio de águas limpas, onde não é jogado nada in natura nele. Ao contrário, as cidades que o circundam tratam o esgoto. O rio tem peixes e você pode vê-los. A mata nativa das margens está preservada. As águas correm brilhando à luz do sol e você crê que seja mesmo o “rio de águas vivas” que espera encontrar um dia. Pegue o rio e guarde no cofre. Tranque bem, memorize o segredo.
Você – homem ou mulher - ganhou de Deus, de presente, aquela alma feminina, altiva e translúcida, das canções do Chico. Guarde esta bênção no cofre.
Uma casa. Ah, uma casa ensolarada, com um recuo salutar nas laterais, de modo que não se ouçam os humores vizinhos. Uma casa com um jardinzinho gracioso na entrada, para plantar ixoras vermelhas. Uma casa onde se dorme o sono dos justos. Onde o coração se alegra e canta. Uma casa de verdade, em cujo terraço acolhedor os anjos fazem a reunião vespertina para o Ângelus. Guarde-a no cofre, pelo amor de Deus, e não a venda por dinheiro nenhum deste mundo.
Uma gravura de Gauguin, a Virgem de vestido estampado, numa paisagem do Taiti, com o Menino sobre os ombros. Ela está ali, no corredor, onde você começou sua coleção de arte, sem querer, garimpando pôsteres e quadros. Guarde Gauguin no cofre. E reveja quando os olhos pedirem a visão do paraíso.
Ele não fala “a nível de”, “menas”, ou “eu vou estar ligando”, tampouco “casa germinada”. É educado, inteligente, sabe usar um blazer quando é preciso, e é a bondade em pessoa. Case com ele e guarde-o no cofre.
Lembra do caderno brochura, usado lá no antigo primário, em cuja capa de trás estava impressa a letra do Hino Nacional? Se encontrou um desses numa caixa de guardados, com aquela sua letrinha primitiva, manuseie com cuidado e guarde no cofre.
Um travesseiro. Ele é maravilhoso, não dá dor no pescoço e acorda-se flutuando em nuvens de algodão. Celebremos esta bênção, sobretudo depois de experimentar uma montanha deles, juntando pilhas no armário do quarto. Este nosso achado precioso, guardemos no cofre.
Você vive uma paixão devastadora, de ficar sem dormir e sem comer, ou, como diria um amigo fugido, de “arrastar o rabo na cerca”? Guarde esta paixão no cofre.
Os sapos dizem muito do que somos - disse a reportagem na tevê. Estamos usando produtos químicos que afetam os mananciais e causam mutações nos sapos. O brejo está silencioso e não produz mais o coaxar típico. O sapo é uma criatura pacífica e está em extinção. Vendo um destes batráquios por aí, pegue-o delicadamente, faça um carinho nele e guarde-o no cofre.
Uma pessoa. Uma pessoa que parece ter saído de um conto de fadas. Além de tudo, ela sabe dizer “por favor”, “com licença” e “muito obrigado”. Guarde esta criatura do Avatar no cofre. Deixe uma aberturinha para ela respirar, tá?
Um amanhecer com uma luz que você nunca viu. A sensação de plenitude na alma no final da tarde. Um pôr de sol estonteante. A contemplação de estrelas profundas no céu, com lágrimas escorrendo pela face. Guarde toda esta beleza no cofre.
Você já tem mais de 70, mas vai ao baile como se tivesse 20 e ainda sabe dançar tango. Misericórdia! Guarde esta habilidade no cofre. Seu cachorro entende tudo o que você fala para ele. Você tem uma foto de quando ela ainda não era loira, com o rostinho transbordando juventude e felicidade. Guarde bem fechado no cofre.
Há uma pracinha arborizada perto da sua casa, onde as crianças correm, brincam e tomam sol. Guarde no cofre. Você tem a pele bonita, sem manchas, que sorri quando você sorri e conta a beleza da sua idade. Guarde no cofre. Você tem um sonho para realizar, uma viagem de navio, morar numa praia deserta, estudar Filosofia. Guarde os sonhos no cofre.
Se você tem o livro de crônicas de Clarice Lispector “A descoberta do mundo”, guarde no cofre. Se tiver o primeiro livro de poesias do Sergio Antunes, “A casa da infância”, guarde no cofre. Você tem um livro autografado por Drummond? Eu tenho (“Para Marisa, que tanto ama e dignifica os livros.”) e guardo-o no cofre!
Você é uma pessoa feliz, bem resolvida, e passa uma bela imagem de integridade. Guarde-se no cofre! Sua fé é inabalável, a ponto de dar a vida por ela. A fé está acima da sua necessidade básica de sobrevivência? Guarde a fé no cofre. Nos dias de hoje, meu anjo, isso não tem preço, você sabe.
sábado, 29 de maio de 2010
Sobre o livro Tardes de Prosa - Comentário do Principe dos Poetas
Como Príncipe dos Poetas de Piracicaba, como quiçá o mais antigo colaborador e redator aposentado do JP, como autor de 7 livros de poesia e prosa, como leitor diário do matutino de Losso Neto, como admirador da cultura piracicabana, antiga e moderna, não poderia deixar de passar despercebido, o advento de mais um livro, obra e arte de autores piracicabanos, qual seja TARDES DE PROSA, cujo lançamento está marcado para 3l de Maio corrente, na Casa do Médico, um ponto que colabora com a arte escrita desta terra. Desta terra, como afirmou meu ex-colega de Seminário Prof. Hildebrando André, Catedrático aposentado da USP, “ santuário de prosa e poesia sem rival em todo o cenário nacional”, de vez que seus jornais reservam semanalmente uma página para divulgação dos seguidores de Bilac, Castro Alves, Alencar, e outras sumidades na arte de escrever.
“TARDES DE PROSA” foi organizado e vem a lume graças ao trabalho da escritora Raquel Delvaje que nele inseriu a nata dos escritores piracicabanos de hoje, todos laboriosos em levar avante esse tipo de cultura especial que, aliás, mereceu os louvores sinceros e reais do mestre acima referido.
Assim a 3l de Maio, em mais um ponto de encontro de escritores e poetas, nossa cultura dará mais um passo por esse passeio maravilhoso de quem a cultiva com carinho e generosidade piracicabanos, e como um daqueles que abriu caminho da publicação de livros de literatura – prosa e poesia – entre nós, tenho o prazer e o dever de fazer este pequeno e sincero registro, ao tempo em que estendo os parabéns à promotora do evento tão nobre e aos literatos que participam de mais esse lançamento, em continuação ao engrandecimento da literatura, cultura e belezas artísticas com que se destaca Piracicaba, como afirmou o mestre de literatura da USP, meu amigo Hildebrando André.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Lançamento da Revista da Academia Piracicabana de Letras
Maria Helena Aguiar Corazza, presidente da Academia Piracicabana de Letras, abriu a sessão
Ana Marly Jacobino, coordenadora do Sarau Piracicabano, Lucila Calheiros Silvestre, diretora da Biblioteca Municipal e o acadêmico Geraldo Victorino de França
Carmen Fernandes Pilotto e Rosaly Curiacos de Almeida Leme
Carla Ceres Capeleti, João Baptista de Souza Negreiros Athayde, André Bueno Oliveira e Leroy Capeleti
Myria Machado Botelho e Elda Nympha Cobra Silveira
Maria Helena, Ivana Negri, Aracy Duarte Ferrari, Monica Corazza Stefani, Leda Coletti, Carmen Pilotto, Madalena Tricânico, Maria Lucia e Elda Cobra Silveira
Tardes de Prosa - Apresentação de João Baptista de Souza Negreiros Athayde
Este “Tardes de Prosa” trazido agora a público pelos seus autores constitui uma contribuição importante para as letras de nossa Terra, e por mais de uma razão.
Primeiro porque, sendo coletânea, permite-nos navegar nas águas da multifária criatividade dos autores, cada um deles trazendo os frutos das inquietações tão próprias dos artistas da palavra, e com isso levando-nos a conhecer um universo variado de sensações, de posturas, de encantos ou desencantos de cada um diante da realidade, ou mesmo diante dos seus próprios sonhos.
Por outro lado, deparamo-nos com um verdadeiro cesto de formas literárias, a permitir-nos trilhar os caminhos da diversidade criadora, fazendo-nos descobrir a beleza da crônica, ou do conto, do ensaio ou do apólogo.
Verdade é que, num primeiro momento, somos levados à leitura mais pelo desejo de descobrirmos o que pensa este ou aquele autor acerca do assunto/título de cada um dos trabalhos que apresenta, sem outra preocupação que não a de buscarmos ali a identificação com nosso próprio modo de ver/pensar/sentir a respeito do mesmo tema.
E nisto se cumpre, penso eu, a finalidade maior da Arte Literária, independentemente da forma em que apresentada, posto ser de sua essência esse abalançar do espírito, quer para buscar respostas às suas naturais inquietações, quer para perder-se na vertigem do impossível de suas idéias, de seus anseios, de seus sonhos.
E, sobretudo por esse aspecto, esta coletânea revela-se um portentoso manancial de excelente literatura, que aqui vem prodigalizado nas multifaces do grupo de autores que entendeu, em boa hora, a necessidade de dividir com o público o colorido do universo de cada um.
Parabéns a esses Artistas da Palavra, por essa significativa contribuição prestada à Arte Literária desta nobre Terra.
Quanto ao público, temos certeza de que haverá de confirmar tudo o quanto aqui foi escrito.
João Baptista de Souza Negreiros Athayde
Presidente do Centro Literário de Piracicaba - CLIP
Prefácio do livro TARDES DE PROSA - Ludovico da Silva
Tenho comigo que Piracicaba é uma cidade privilegiada na área literária. Desde tempos que ficaram longe, é possível registrar a presença de literatos que deixaram seus nomes marcados de maneira notável nos anais da literatura piracicabana.
Citar nomes seria incorrer na irresponsabilidade de esquecimento, uma atitude imperdoável.
No correr dos dias atuais vejo quão apreciável é o número de valores que assinam textos em livros e meios de comunicação, como prova de uma produção literária das mais significativas, não apenas em termos quantitativos, mas, sobretudo, qualitativo, aspecto sempre desejável para quem se aventura na arte de escrever como valorização cultural.
Esses valores estão integrados em entidades e grupos que enriquecem os meios literários piracicabanos e muito amiúde se reúnem para debates e produções, que acabam por se transformar em publicação.
Anualmente, tenho constatado uma média de lançamentos de livros que se aproxima ou até ultrapassa três dezenas, com uma margem de erro – como afirmam pesquisadores de opinião pública – de dois a três percentuais para mais ou para menos.
Agora mesmo, sou honrado para ser prefaciador e manifestar opinião, em poucas palavras, sobre o lançamento de novo livro, reunindo mais de uma dezena de escritores, que, pelo perfil de cada um, não tenho dúvida em afirmar tratar-se de uma obra de conteúdo altamente valorizado.
“Tardes de Prosa” traz em seu conjunto de contos e crônicas que retratam as mais variadas tendências de observações críticas ou enaltecedoras dos assuntos visados, assim como de estilo refinado de cada autor.
É difícil destacar um ou outro texto como centro de maior atenção por parte dos leitores, o que, aliás, para a apresentação, seria um comportamento parcial na apresentação da obra. O certo mesmo é que cada um absorva todo o escrito com interesse e curiosidade.
Uma boa e agradável leitura a todos.
Ludovico da Silva – escritor e coordenador do GOLP (Grupo Oficina Literária de Piracicaba) há 20 anos
Medo!
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Cartas de Amor - I
Elias Jorge
Querida,
O mês de maio chega ao meio e continua chuvoso. Bem sabes o quanto aprecio a chuva no outono. Ela é meiga e jamais agride. Traz o frio, mas que é gostoso. Neste instante, junto à janela, conto as gotas miudinhas, sobras da chuva, que as deixou de lembrança. Como as recordações que deixaste no meu coração, quando me vem à memória o que fomos um ao outro. Então, indago-me se fui correto na nossa relação e se obedeci ao que o meu coração desejava para ti. Essa é a minha dúvida. Mesmo assim, resta-me a esperança de que o perdão é algo que só a velhice sabe dar e receber, com grata sabedoria. Oh, as gotinhas da chuva já estão se despedindo! É tempo de dizer-te adeus. Com o meu amor.
terça-feira, 25 de maio de 2010
segunda-feira, 24 de maio de 2010
O Mistério daquela noite
(Adaptação de texto apresentado numa das Oficinas do GOLP)
Leda Coletti
Jorge alugou um quarto na casa de um casal de velhos, em Ipanema. Estes não tinham filhos. Talvez por essa razão o tratassem como tal.
O rapaz por sua vez retribuía com atenção, procurando se adaptar aos costumes da casa, sobretudo quanto à entrada e saída do local.
Como ele saía quase todas as noites, ficou combinado que deixariam as lâmpadas acesas e a porta da frente após ser fechada com chave, seria trancada por dentro. Essa última medida fora tomada, por Jorge ter percebido numa de suas chegadas noturnas, um vulto fugindo pelo quintal do vizinho.
Numa noite, chegando mais cedo, constatou que o casal apagara as luzes. Também fecharam a porta com o trinco.
Para poder entrar chamou-os pelo nome. Demoraram a aparecer. Incrédulos por o verem, contaram que ele, Jorge, já havia chegado horas antes e que se incumbira de apagar a luz da sala e fechar a porta.
- Mas como? Jorge perguntou atônito. Estava assustado e percebia o mesmo, na fisionomia dos velhinhos.
Combinaram de subir juntos e verificar se o “outro”, se encontrava no quarto. Entre surpresa e alívio, constataram que não havia ninguém.
Depois do ocorrido, tudo mudou naquela casa. Jorge foi convidado “delicadamente” a se mudar.
Ele o fez e nunca mais ouviu falar do casal de velhinhos.
domingo, 23 de maio de 2010
Vegetariano Enrustido
Milton Martins
Você torce pelo touro todo ferido com aqueles espadins, odiando o toureiro com aquela roupinha ridícula? Ai, o touro acerta o toureiro e você grita como se fosse um gol do seu time num momento de decisão? Espera ai. E a violência que você rejeita filosoficamente?- Bem a violência gera a violência, especialmente quando há atos brutais de covardia, como se dá com o touro acuado - esses toureiros efeminados só merecem chifradas mesmo.Mau sinal. Ai você considera um negócio até desonesto os rodeios, pela brutalização dos animais e um bando de idiotas aqueles montadores? Que podem se arrebentar no chão com os saltos do touro sofrendo pelas amarras na sua genitália? E você pensa alto: - Tomara que se arrebentem, sabe.Sinal de “perigo”. Você é um forte candidato ao vegetarianismo. Mas, saiba, você pode pensar ou tentar sem chegar a tanto. Porque o caminho é árduo. Mais fácil deixar de fumar mesmo que você nunca tenha fumado.Começa assim:Rejeita um bife de vez em quando, pensando no sofrimento da vaca, fala para o garçom passar reto com os espetos, se enche de salada, no queijinho assado e guarnições e disfarça.Pergunta que ainda não vai calar:- Você não está comendo carne? Esta picanha sangrenta está uma delícia.Você mente:- Sabe, hoje não estou me sentindo bem. Meu médico me recomendou não comer nada gorduroso.Com o tempo você abole a carne vermelha e seguramente terá que explicar porque você assim decidiu e deverá estar preparado para responder os motivos:Religioso? Filosófico? Regime especial? O quê, o quê, hem?Você já começa a ser o diferente nos almoços de trabalho e sociais.Nem uns hambúrgueres no McDonalds? Ah, tentação, com aquelas fritas sequinhas e um copo imenso de guaraná. Difícil, hem.No churrasco com os amigos você fará “churrasco” de pão e molhinho. Conseguirá (mesmo) rejeitar a linguicinha e o coraçãozinho de frango no espeto?Epa, mas o coraçãozinho é de frango, carne branca. Acho que vou avançar...- Será que não vai mais comer nem frango, nem nada, você se questiona?E responde:- Sei não, acho que não vou, até porque a “produção” é também de imensa crueldade.E a partir daí não tem jeito. Você se assume, quase vegetariano, não radical, porque não rejeita um peixe (já pensou o “filhote” assado, tentação!), uns nacos de bacalhau, uns frutos do mar, uns camarões...Até que um dia no mercado você encara os olhos de peixe morto te assediando. Ah, não o peixe não!E devagar você começa a se questionar. Afinal, o peixe não é de carne? Mas tão saborosa, tão cheia de vitaminas! E vagarosamente começa a rejeitar o peixe:- Será possível? Com vou explicar isso em casa? E nas minhas viagens, vou comer o quê?A resposta vem espontânea:- Avance nas saladas, no grão-de-bico, na soja temperada. Massa, meu amigo, mas cuidado com a barriga! As pizzas estão por aí, em qualquer canto tentando de dia e de noite.Pronto, agora você é consumidor de brócolis, couves, abobrinhas refogadas e a milanesa, pimentões, quiabos e jilós, quibes e estrogonofe de composto (carne) de soja...e por aí vai! E frutas em profusão.Que mudança, hem? Ai, nos coquetéis você se obriga a perguntar ao garçom qual o recheio da empadinha com jeito apetitoso:- É de palmito?- Palmito e frango, responde exultante o garçom ávido por presenciar a gula coletiva. Você rejeita a empadinha porque botou na cabeça que frango desfiado cheira pena molhada. Você pode degustar uns canapés de conteúdo não identificado. Feche os olhos e arrisque. Ou fique só no guaraná e na coca-cola...Renúncias são renúncias.E se prepare. Você faz uma visita a um velho amigo e em sua homenagem ele prepara língua ao molho pardo. Você faz tudo para não jogar o estômago no prato e dá uma desculpa a mais esfarrapada possível e só fica no arroz branco e no tomate da salada. A esposa do seu amigo, constrangida, sugere fritar uns ovos, uma omelete. Não, no ovo você ainda não chegou e não quer nem pensar! Você aceita, toma uns goles de vinho e tudo acaba bem. Todos alegres, contando causos e piadas. Exageros e gafes com os efeitos do vinho avançando.Ainda bem, ainda bem. Eta dificuldade!Com o tempo esses percalços deixarão de ocorrer. Não estranhe se você deixar de ser convidado para aqueles grandes encontros e reuniões regados a churrasco e linguicinhas. E chope, é claro.Todos os seus amigos, seus familiares, descobrem que você é um chato.Mas um chato feliz que torce pelo touro, sempre, sem crises de consciência.Talvez você até entre em estudos filosóficos sobre o enigma da existência dos animais, o amor e o respeito que merecem. Aí você atingiu o clímax.
sábado, 22 de maio de 2010
Cortejo dos Pirilampos
Dulce Ana da Silva Fernandez
Cochilando sobre velhos tempos vividos na casa da minha avó, a noite manda vagalumes circularem-me, com doce luminosidade, pela janela aberta:
Préadolescente, nos meus 10 anos de idade, cheios de aventuras, sonhos...
Mamãe, para alegrar vovó, mandava-me passar os finais de semana lá na chácara. E eu gostava muito: casa antiga, acolhedora, espaçosa; quintal imenso com pomar e horta jardim; anjos sobrevoavam as camas, espantavam os monstros com suas mágicas asas brancas; lamparinas oratórias iluminavam santos protetores...
Dias estafantes, cheios de atividades! À tarde, ali na sala da frente do casarão da chácara, sentada ao lado da maquininha manual de costura, vovó acertava, com alfinetes retalhos coloridos. A cada colcha, distribuía os pedaços quadriculados e recortados de panos numa bela combinação de cores. Introspecção. Recolhimento. Silêncio. Histórias de verdades, vivências nos seus retalhos!
A minha avó sempre contava a história de um casal de vagalumes que voava pela sala. Espreitava retalhos coloridos da colcha. Ela sorrindo misteriosa, dizia que os quadrados recortados e irisados eram simples peças aladas que atraíam seres...
Vinham visitá-la à noite quando entravam pela janela semiaberta. Com o canto dos olhos, via quando os vagalumes chegavam, fingia continuar a arrumar os moldes, ou costurar, enquanto, embevecida, seguia o belo voo que iluminava o silêncio.
Ouvi-a contar isso dezena de vezes, antes mesmo da época em que costumava passar os finais de semana lá na chácara. E, logo os conheci.
Vovó, silenciosa lá na grande sala, mas os pensamentos, apressados. Recordava-se do vovô. Felizes por muitos anos, até que ele decidiu partir para a Itália, tomar conta de um irmão doente (promessa que fizera à mãe), e nunca mais voltou.
A partir dessa data, ela se trancou dentro de casa. Solidão? Sim. Enquanto costurava, recordava da fala mansa e agradável do esposo em seus momentos antes da partida. Só renasceu, depois de passado quase um ano em que ele, ainda na Europa, falecera. Como uma fênix, novamente vivia, mas era pelos filhos e netos.
Numa bela noite, eu estava lá na chácara, silencioso e entretido num quebra cabeça, quando o casal de pirilampos apareceu. Até que enfim pude vê-los.
2/2
Depois da saída deles, mandou que eu a seguisse até a cozinha. “Ah! O que há na cozinha? Eu quero ficar aqui na sala”. Comentei tristonho.
Atendera ao meu pedido. Deixou-me sentado na poltrona e só fui chamado quando terminara de fritar os bolinhos de chuva.
Surpresa! Com os olhos meio fechados, ela viu na pequena abertura um dos vagalumes no canto da caixa de retroses. “Ainda está ai dentro?” Com voz baixa e magoada, respondeu: “Está feliz? Pois ele se encontra aí”. Continuei o comentário:
- Sabe vovó. Deixei uma fresta para a entrada de ar. Coloquei farelinho de bolacha para alimentá-lo. Agora, estou à espera do seu companheiro para caçá-lo também. Vou tentar amarrá-los. Já peguei o carretel de linha, pois os vagalumes são espertos, entram e saem da sala com a luz acesa, quando querem. Você me ajuda?
Vovó, de pronto respondeu: “Você não devia se alegrar em destruir um deles, o outro agora não vai mais aparecer nem para me fazer companhia”...Tarde demais. Desde que o colocara ali, ele, parado! não apagava a lanterninha. Com certeza a pilha ia se acabar... A intenção de atrair o outro tornou-se ideia fixa para mim.
Trocarmos um sorriso cúmplice. Apertamos as mãos e fomos comer os bolinhos.
Comemos num silêncio enervante. Os bolinhos não tinham mais sabor? Será?
Dois dias após, já havia me esquecido da caixinha com o pirilampo sobre a mesa de canto, brincava com meu jogo de botões. Admirado, após erguer a cabeça, vi, semeando luz viva ao redor da lâmpada da sala, alguns vagalumes. Vovó pediu silêncio. Olhei na caixinha, o vagalume não estava lá No chão, algumas formigas de comprida carreira, carregava-o com dificuldade até um buraco na madeira da janela.
- Com certeza, vieram acompanhar e iluminar o funeral do amigo, que morrera antecipado, na solidão de uma caixa de retroses. Vovó comentara baixinho. E, ao ver lágrimas rolando por minhas faces com graça e ternura, veio enxugá-las e me abraçar na busca do perdão ...
Agora, o conto de fadas virou saudades. Ao caminhar, em direção ao futuro, uma parte do meu coração permanece naquele “tempo”.
Envolventes lembranças que jamais se apagarão.
De que são feitos os sonhos?
Ivana Maria França de Negri
“A vida é feita da mesma matéria de que são feitos os sonhos” (Shakespeare)
Toda realidade já foi sonho algum dia. Mas, o que acontece com os sonhos que não foram realizados? Onde ficam alojados? Voam para qual dimensão?
Dizem que os sonhos não realizados cristalizam-se e vira e mexe condensam-se e voltam, como fantasmas, assombrando a vida das pessoas, querendo realizar-se de qualquer maneira.
Alguém disse que o homem é o sonho de Deus materializado. Temo que a humanidade tenha se tornado o seu pesadelo... Ao outorgar-nos o livre-arbítrio, deixou por nossa conta as decisões e começamos a sonhar alto demais. E as asas da arrogância, tal como no sonho de Ícaro, derretem-se ao sol.
Uma música diz que “sonhar não custa nada”. Outra letra diz que “sonho que se sonha junto vira realidade”. Poetas vivem de sonhos. Crianças vivem entre o real e o imaginário, num mundo só delas, a Terra do Nunca onde vive Peter Pan. Quando se cresce, nunca mais se acha a porta de entrada desse lugar.
De que são feitos os sonhos? De que matéria etérea eles se compõem?
Todos sonhamos, sonhos grandes, sonhos pequenininhos, sonhos realizáveis e sonhos impossíveis (digamos difíceis, pois nada é impossível).
Poetas, loucos, profetas, visionários, crianças, apaixonados, todos sonham com igual intensidade.
Dizem que uma pessoa só começa a morrer no dia em que para de sonhar...
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Lançamento da Revista da Academia Piracicabana de Letras - APL
e do livro “A porto-riquenha dentuça e horrorosa” (crônicas de Armando Alexandre dos Santos, vice-presidente da APL).
O ato será realizado na sede da Sociedade Beneficente Sírio-Libanesa, à rua Governador Pedro de Toledo, 1045, Centro, na 5ª. feira, dia 27 de Maio de 2010, às 20 horas.
Maria Helena Corazza
Presidente
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Papo de avó para a neta
Prêmio Sesc de Literatura 2010
O Prêmio SESC de Literatura está com as inscrições abertas para a sua 8ª edição.
O edital está disponível online e nas unidades do SESC em todo o Brasil.
As inscrições vão até 30 de setembro de 2010
Revelar novos talentos e promover a literatura nacional são propósitos do Prêmio SESC de Literatura.
Lançado pelo SESC em 2003, o concurso identifica escritores inéditos, cujas obras possuam qualidade literária para edição e circulação nacional. Além da divulgação das obras, o Prêmio SESC também abre uma porta do mercado editorial aos estreantes: os livros vencedores são publicados pela editora Record e distribuídos para toda a rede de bibliotecas e salas de leitura do SESC e SENAC em todo o país.
Aos autores iniciantes, que ainda não tiveram chance de mostrar ao público suas ideias e sua criação, este é o caminho.
As inscrições para o Prêmio SESC de Literatura são gratuitas e aceitas em todo o Brasil. Basta procurar a unidade mais próxima do SESC na sua cidade. Cada concorrente pode participar com uma obra, nas categorias conto e romance. O vencedor terá seu livro publicado e distribuído pela editora Record. Participe! Esta pode ser a chance de sua obra chegar às principais livrarias do país. Confira as regras do concurso no edital.
Mais do que oferecer uma oportunidade a novos escritores, o Prêmio SESC de Literatura cumpre um importante papel na área de cultura, proporcionando uma renovação no panorama editorial brasileiro.
PARA INFORMAÇÕES GERAIS ACESSE:
www.sesc.com.br/premiosesc/index.html
Comunicação
SESC Piracicaba
(19) 3437.9252
http://www.sescsp.org.br/
quarta-feira, 19 de maio de 2010
O bóia-fria
Leda Coletti
Ainda é madrugada, com cerração fechada. Na velha jardineira os bóias-frias sentados nas poltronas estragadas, aproveitam o trajeto até o sítio de cana arrendado pela usina de açúcar, para continuarem o sono interrompido.
José, itinerante, chegou do estado de Minas Gerais, para a nova safra de cana. Fica alojado numa das casas grandes de fazenda de uma usina de Piracicaba.
Sente medo e ao mesmo tempo alívio, quando recebe o eito de cana pelo fiscal. Imediatamente derruba-as uma a uma com o facão que recebeu bem afiado, as quais serão içadas nos treminhões por aquele enorme garfo da carregadeira.
- Aceita água fresca ? Fui buscar na mina que nasce no capão do mato próximo daqui. Aceitou, pois a que trouxera já estava quente. Conversaram um pouco, o suficiente para deixar José reconfortado. Soube que ela chegara do estado do Paraná e morava com os tios num Conjunto Habitacional, construído em forma de mutirão pelos interessados, nos finais de semana. Também cursava o Curso Supletivo e contava com orgulho que já redigia suas cartas, aos pais distantes. Ao saber da dificuldade de José para entrar em contacto com a família, se prontificou em escrevê-las, “isso até você aprender “, dissera ela, tentando incentivá-lo para também estudar.
Naquela noite José sonhou com sua Antonia e as crianças. Viu-os bonitos, com roupas muito limpas, dentro de uma casa de tijolos, com um jardim florido na frente e uma horta repleta de verduras no quintal, todos estudando, inclusive ele.
Seu sonho foi interrompido pela sirene próxima do alojamento, chamando a todos para mais um dia de trabalho.
terça-feira, 18 de maio de 2010
Virada Cultural Paulista - Piracicaba
Confiram a programação completa no site da Biblioteca Municipal e participem nos dias 22 e 23 de maio:
http://bibliotecadepiracicaba.wordpress.com/2010/05/17/virada-cultural-paulista-piracicaba-programacao-completa-atualizada/
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Lançamento do livro TARDES DE PROSA
Nesta terça-feira,18 de maio, acontece o pré-lançamento do livro Tardes de Prosa- editora Equilíbrio - no Sarau Literário Piracicabano, às19h30 no Teatro Municipal Dr. Losso Netto com sorteio dos livros.
E no dia 31 de maio, o coquetel e lançamento oficial na Casa do Médico, às 19h30.
Com prefácio de Ludovico da Silva e apresentação de João Baptista de Souza Negreiros Athayde, o livro conta com as seguintes participações: Ana Marly de Oliveira Jacobino, Aracy Duarte Ferrari, Carmen Maria da Silva Fernandes Pilotto, Cássio Camilo Almeida de Negri, Dirce Ramos de Lima, Dulce Ana da Silva Fernandes, Elda Nympha Cobra Silveira, Ivana Maria França de Negri, Leda Coletti, Lidia Sendin, Maria de Lourdes Piedade Sodero Martins, Maria Mdalena Tricânico de Carvalho Silveira, Raquel Delvaje e Ruth Carvalho Lima de Assunção.
Isolada
Francisco Carlos Groppo Filho
- Como vai?
- Estou melhor.
Foi o que disse após uma de minhas crises, quatro dias atrás. Quando ainda estava viva. Voltando no tempo, uns três anos atrás, me lembro vividamente de estar junto de minha mãe, na sala de espera de um consultório, aguardando o resultado do exame de sangue que havia feito. O medico se aproximou, e pediu para que o acompanhássemos a uma salinha.
Logo que entramos, o médico fechou a porta e disse que tinha péssimas notícias. Ele se chamava Miguel, e acho que nunca me esquecerei deste nome, pois foi ele quem me passou os resultados do exame, com resultado positivo em AIDS.
Eu e minha mãe saímos do consultório devastadas, e ficamos no ponto de ônibus, esperando. Sentia-me excluída, isolada do resto do mundo. Minha mãe foi, desde o consultório até nossa casinha, murmurando “minha filhinha” e “tão jovem”. Não sei quanto a ela, mas não dormi a noite inteira, pensando em como minha vida era cercada de tragédias. Meu pai morreu quando eu tinha apenas dois aninhos, junto com meu avô e minha avó, em um acidente de trânsito. E agora, eu entrei para a amaldiçoada coleção, com a minha AIDS. Senti-me uma completa idiota.
Quando me levantei da cama, para me arrumar para a escola, já considerava suicídio.
Cursava o 1º colegial, mas meu namorado era do 3º. Na escola, conversei com ele e expliquei-lhe a situação. Ele ficou bravo e disse que nunca mais queria me ver. Acho que foi este o choque que me fez passar os últimos três anos de minha vida na cama do hospital. Minha companheira era minha mãe, que apenas saiu do meu lado quando morreu, dois anos antes de mim, devido a uma leucemia descoberta tarde demais. Passei estes anos sozinha, no canto de um quarto, pensando, pensando e pensando, em como estraguei minha vida.
CENTRO LITERÁRIO DE PIRACICABA - CLIP: Um ano de Poesia no Blog - Mara Bombo Quadros
Oi Mara, não poderia deixar em branco esse 1º aniversário do blog do clip, tão bem coordenado por você. O incentivo que você nos dá e especialmente à minha pessoa, é digno dos mais sinceros aplausos e elogios. Você procura nos promover, e como uma paciente educadora vai expondo nossas produções,propiciando um intercâmbio cultural-literário educativo, que permite um entrosamento sadio entre nós amantes da arte literária.Muito obrigada por esse desvelo e carinho. Abraços poéticos, Leda
Convite
A diretoria da Academia Limeirense de Letras, tem a honra de convidar Vossa Excelência e Excelentíssima família para a 7ª Sessão Solene de posse dos novos membros honorários.
A referida Sessão Solene acontecerá dia 21/05 sexta-feira na Câmara Municipal de Limeira.
A sua presença é muito importante para esta Instituição.
Mais informações: simoneprfdra@hotmail.com ou simone.porteella@hotmail – 19 3039 – 7757.
Saudações Acadêmicas,
Profa. Dra. Simone Portela
Presidente
domingo, 16 de maio de 2010
Porta-bênçãos
Adenize Maria Costa
Vocês já ouviram falar em porta-bênçãos ??? Pois vou lhes contar .
Hoje , por volta das 06:30da manhã, um beija-flor de cor azul entrou na minha casa. Esse é o lado bom de morar no interior, de vez em quando somos surpreendidos por alguns visitantes ilustres.
Minha filha saiu correndo do quarto pra ver , minha mãe estava comigo na cozinha e começou a conversar com ele dizendo: " Que coisa, mais linda! Veio falar bom dia pra Vó?". Eu estava pondo a mesa para o café da manhã e de repente , todas nós , paramos para observar e também para não assustá-lo ... Foi surpreendentemente lindo ! Sobrevoou nossas cabeças ameaçou pousar no vitrô da cozinha .. deu mais algumas voltas , voou em direção dos quartos e saiu por uma das janelas que já estava aberta ...
Durou poucos minutos mas tempo suficiente para me fazer pensar que esse pequeno beija-flor seria pra nós , hoje, portador de boas notícias.
Sentamo-nos tomamos o café da manhã comentando a visita inusitada .Logo cedo estávamos numa prosa animada.
A caminho do trabalho fiquei pensando , brincando com a palavra : Portador - ser porto, ser porta , portar dor ...
Não quis ficar com a impressão de que o lindo beija-flor azul seja portador de dor ... prefiro acreditar que ele seja portador de bênçãos ... por isso hoje batizei essa visita inusitada de porta-bênçãos !!!
Desejo a todos vocês um dia abençoado !
quinta-feira, 13 de maio de 2010
À Procura de um Momento Mágico
Dulce Ana da Silva Fernandez
Pendurada no cabide de madeira há quinze anos. Bem guardada, uma bela blusa. Carinho todo especial!
A palavra é esta mesma “guardada”, uma vez que não me aconselhavam a usá-la.
A minha filha, quando eu falava em colocá-la, logo me fazia desistir da ideia, dizia que era muito vistosa. Enfeites dourados! E a ocasião! Não requeria tantas luzes...
Sempre que arrumava os vestidos nos cabides do guarda-roupa, dava uma doce olhada para ela que, intacta e com aquele brilho cintilante, me fitava. Maravilhoso olhar de festa! Esperava, esperava o momento certo de usá-la, que, pelos acontecimentos, parecia nunca chegar.
A famosa blusa preta era de paetês brilhantes, com belo desenho dourado e florido na frente. A manga japonesa e o decote em “V”. Eu tinha uma saia preta meio longa, que, junto com ela, formava atraente e charmoso conjunto.
E, como será que a blusa havia chegado ao guarda-roupa? Tudo tinha acontecido em 1989, quando fui passear na Espanha. Numa das compras, na galeria Preciados, no final da viagem, queria levar com os famosos leques espanhóis, uma peça de roupa bem diferente das do Brasil. Logo que cheguei à galeria, a encontrei. Bati os olhos nela, gostei. Foi amor à primeira vista. Sem ligar para o preço, um pouco puxado, comprei-a.
Surgiram novas ocasiões de usá-la e as insistentes recomendações: “Todo mundo vai ficar olhando. Vão tecer comentários maldosos: Uma velha assanhada que trajava uma blusa cintilante!!!, vistosa!!! “Se eu fosse a senhora, ainda, não a usaria”.
Bem, eu encontrava-me um pouco idosa, mas tão jovem de espírito... Por que as mães têm que ter tanta paciência?
Os dias corriam do calendário, meses, anos e eu pensava tristonha: “Será que nunca irei usar aquela blusa? Acho que nem mesmo depois de morta”...
De vez em quando a experimentava e pensava na escolha dos complementos: A saia preta ou seria conveniente a bege? Sapatos pretos fechados, de salto, ficariam mais elegantes; brincos escuros e discretos, combinando com a blusa, mas sem o colar. E o cabelo? Pintado e cortado uns dias antes, penteado para trás, mostrando parte das orelhas. Pensava também na maquilagem que deveria ser discreta.
Ensaiava por diversas vezes, como se fosse uma peça de teatro. Pois a imagem que os outros têm da gente, nem sempre confere com o que enxergamos...
E, assim... Continuava guardada, quase não se falava mais nela.
E tem mais, há quanto tempo a coitada esperava lá no cabide do guarda-roupa por uma chance. Um aplauso! Tomar um banho de festa! Extravasar seu brilho...
E, nada! Ela fora do esconderijo era tudo que eu desejava.
O que fora uma teteia lá na Espanha, tornara-se um pesadelo aqui no Brasil. Acho que a blusa não ia servir nem para ser usada no carnaval. Será que o rei Momo também acharia que não era naquele momento uma boa ideia?
O tempo foi passando, até que chegou a data do lançamento do meu primeiro livro cujos textos iam contar histórias dos familiares... Oba! ótima ocasião para usá-la.
Preparativos para o evento! Entusiasmada! Aproximei-me dela. Olhei os brilhantes paetês. Passei a mão, senti a leveza do tecido e recordei novamente da voz da vendedora atrás de mim: “Se te gusta corre-la ya. És la derradera. El precio es bueno”.
Naquele instante da compra, pensara que a blusa teria uma boa finalidade, seria mais inteligente, portanto, levá-la. Ela iria à festa comigo... Experimentara, caíra como uma luva. Que linda!... Bom o resultado da escolha, eu estava em alto astral!
O devaneio fora- se embora...
Cuidadosamente, coloquei a blusa com todo carinho sobre a cama e, novamente, chegaram os comentários: “Esta não é uma boa! Sabe, a cidade é pequena e o lançamento do livro é um importante acontecimento. As fotos da senhora, com certeza, vão sair nos jornais. A roupa tem de ser discreta. Use aquele conjunto cinza de linho”...
A blusa tão tristonha voltou para o antigo esconderijo, talvez somente sairia com uma ordem oficial. Meu Deus do céu! Outra vez sendo guardada! Mas que confusão! Ingenuamente, comprara-a encantada com seu brilho e leveza! Será que ela possuía um encanto especial e não poderia ser vista por ninguém?
A coitada continuava escondida. Se ela tivesse lágrimas, não teria mais nenhuma para chorar. Se tivesse pernas, estaria cansada de espernear...
Assim, se passaram 14 anos, quando resolvemos ir à Argentina.
Nada falei aos familiares. Decidida, abri a porta do guarda-roupa “Psiu! você vai passear” sibilei instintivamente para a blusa que me olhou com aqueles luminosos olhos festivos. Era como se dissesse:
- Repita comigo: Eu sou bela, você não é uma pessoa desequilibrada, foi muito feliz na escolha. Sabia que você não se esqueceria de mim na hora de arrumar a mala.
Será que no meu coração canta um rouxinol de asas e bico dourados? Quem sabe? Gosto de ramos cintilantes e quentinhos do sol, tenho que ter algo brilhante, aproveito até papéis festivos de embrulhos...
À vontade de usá-la foi crescendo dentro de mim. Resolvi não pensar muito. Para que esquentar a cabeça? Coloquei a blusa bem acondicionada com um carinho todo especial no fundo da mala. Resolvera usá-la e fim de papo... Chegara a hora de superar inseguranças. Levaria tudo na esportiva. Corajosa! Sem ficar refém de preocupações.
Ela havia me visto pela primeira vez com 54 anos, quando a comprara na Espanha e, na ocasião da viagem, eu estava com 68 anos. Um pouco idosa! Mas usaria a blusa cintilante de qualquer jeito.
Viajei satisfeita! Acertara em cheio tê-la levado-a à Argentina.
Numa noite especial, fui assistir a um espetáculo de tango. Entusiasmada! Usei-a. Eu já imaginava que a sensação seria deliciosa. Estávamos quatro pessoas: meu esposo, eu, a minha filha e o genro e, mal sentamos à mesa, chegou um senhor pronto para nos fotografar. Nessas alturas, eu já tinha tirado o casaco e a blusa toda radiante, agarrada a mim como uma tábua de salvação... Aquela noite, regada a delicioso vinho branco, me levou às alturas: Uma senhora vivendo intensa alegria... Me senti como Scarlett O Hara em E o Vento Levou...
Final do espetáculo. Nitidamente percebi minha condição de pobre e humilde criatura quando não consegui comprar a bela foto. Preço exorbitante! Tinha coisas mais urgentes para serem compradas. Cabeça tocando estrelas, mas os pés, no chão. O quê?! Que desaforo! Não aceitaram o pagamento em reais...
Calma lá! Não fiquei triste, pois no final da viagem, em um dos passeios, fui agraciada com uma bela foto numa cena de tango. Havia sido feita uma montagem, usaram somente as nossas cabeças e embora a blusa não tivesse saído, a foto era muito sensual, linda!!
Finalmente, com um prazer todo especial, havia usado aquele traje extravagante e me senti poderosa rainha, cheia de entusiasmo, com belos pensamentos... Guardei doces recordações e dentro da blusa, com certeza, ficaram restos de estrelas do inesquecível espetáculo de tango.
Paciência! Mais um ano, e ela enfeitando o guarda-roupa à espera de outra oportunidade? Nova viagem? Não. Pois, trajes enfeitados com paetês, entraram na moda. Tudo brilhante! Sendo assim, usei-a por diversas vezes... Acabara-se o encanto.
Hum! A única coisa que eu lamento é de não tê-la usado em outras ocasiões. Assim, a blusa tão querida, teria saído da mesmice do dia-a-dia... Confesso que tomei birra de roupa de paetês, tudo igual, tem de ficar guardada para momentos especiais ... ( como a fábula da raposa que não conseguia alcançar as uvas...)
Agora, penso eu, embora minhas ideias não estejam tão ousadas como antes, não devo dar mais tanto crédito às opiniões... Será?
Concurso Literário
PREFEITURA MUNICIPAL DE DESCALVADO
Secretaria de Educação e Cultura
Avenida Guerino-Osvaldo, 446- Centro
13690-000 Descalvado, São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 12 de maio de 2010
Mãe Negra
Leda Coletti
A velha escrava cansada pelos anos de trabalho cochilava na cadeira de balanço. Já não tinha a vivacidade nos movimentos, como no passado. Felizmente os filhos do patrão, o sinhozinho e a sinhazinha, já se tornaram adultos e não precisam mais dos seus cuidados. Ambos estão casados e distantes da fazenda que os viu nascer. Não a levaram para tomar conta dos filhos pequenos. No seu íntimo entende que, a “ preta velha não serve mais para olhar crianças; nem mesmo para os serviços mais leves tem condições físicas para fazê-los”.
Entre um rápido cochilo e o despertar, mãe negra deixa que as lembranças lhe façam companhia. Algumas não gosta de evocar, como por exemplo a sua viagem no convés de um navio (merecia o nome de cargueiro), pois ali se amontoavam velhos, adultos e crianças, todos chorando e já saudosos da África, que foram forçados a deixar.Chegando a um dos portos do Brasil foram vendidos pelos atravessadores, aos fazendeiros de café, cana, que detinham o poder econômico do país.
Comparando seu destino a de muitas outras mulheres, até que teve sorte, pois ficou pouco tempo compartilhando com os demais escravos, a escura senzala daquela extensa fazenda de café. Logo foi levada para servir os senhores no casarão.
Já moradora da casa grande ouvia os gemidos dos compatriotas sendo açoitados nos pelourinhos, pelos capatazes impiedosos. Nesses momentos, uma vontade imensa se apoderava dela: a de poder evitar tais castigos, mas não tinha coragem suficiente para enfrentar o patrão. Só restava chorar e rezar no escuro do seu quarto.
Não podia reclamar, desde que se afeiçoara à patroa e principalmente às crianças, que amava como se fossem seus filhos: passou a cuidar deles como verdadeira mãe. Casar não casou. Bem que gostou de um irmão de sangue, mas este foi vendido para um senhor de engenho, distante deste local. Nunca mais soube do seu paradeiro.Vivendo isolada dos seus, permaneceu solteira.
Agora já idosa recebeu dos patrões uma pequena casa para morar, em pagamento do muito que fez. “ Seria esse o prêmio que mereceu por causa de uma tal lei Áurea?” Ouviu qualquer coisa sobre isso, mas como é analfabeta, não entende bem o significado da mesma.
E sem muito ambicionar se sente feliz assim: ficar balançando na sua cadeira, relembrando as peraltices das lindas crianças, seus filhos do coração. “Como era bom aquele tempo” fala baixinho, deixando antever um sorriso misto alegria-tristeza!
A paciência nossa de cada dia
Ivana Maria França de Negri
Paciência é uma virtude, um dom maravilhoso que poucos possuem. E temos diversas oportunidades de praticá-la no dia-a-dia. Mas acabamos não exercitando. Temos “pavio curto”, explodimos por nada e desferimos dardos para todos os lados, não importa quem atingimos.
Temos de ter paciência quando vemos as pessoas agindo como não deveriam agir por ignorarem certas verdades: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem...”.
Temos que ter paciência para ouvir as pessoas, mesmo que das suas bocas saiam só asneiras – “Pai perdoai-lhes, eles não sabem o que dizem...”.
Temos que exercitar a paciência, mesmo quando nos sentimos injustiçados, quando lemos inverdades, acusações, blasfêmias, palavras cheias de mágoa, de rancor, de ódio, irmão lutando contra irmão: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem ser benevolentes e nem perdoar...”.
E quem foi o sábio que pronunciou essas palavras? Isso mesmo, Jesus, um inocente que a própria humanidade, essa mesma, dona da verdade, acabou esfolando, açoitando e pregando na cruz com uma coroa de espinhos fincada na fronte. Por não concordarem com sua verdade, calaram sua voz. Mas ela permaneceu inalterável por séculos, porque a verdade não se apaga com a morte do corpo. Ela é eterna.
E haja impropérios, maledicências, como se tudo fizesse parte de uma grande guerra. E cada um quer sair vitorioso, dar a palavra final. E de que adianta ganhar uma guerra de palavras? Assim como nos combates reais de artefatos bélicos, na guerra das palavras todos perdem, todos fracassam, ninguém sai vitorioso.
A vida lateja, pulsa em sangue vivo. Buscamos a verdade numa luta insana. O homem nem sabe mais o que quer, nem sabe ao menos o que procura. E grita, agride, joga seu ácido, seu veneno sob a forma de palavras e mata com seu fel a bondade, a beleza, o respeito, a poesia que ainda teima em sobreviver sob esse manto escuro, isento de luz que é a nossa cegueira mental, nossa ignorância a respeito das leis universais e eternas.
Por que plantar só a discórdia? Por que não espalhar fachos de luz? Por que não disseminar a paz?
É dessa maneira, com os ânimos acirrados que se iniciam as guerras. E nessa hora, os homens se esquecem de tudo e só desejam ver a aniquilação do “inimigo”. Que tristeza ver as pessoas se digladiando por nada. A humanidade tem muito ainda o que aprender.
O homem está preso sob o jugo da inveja, do egoísmo, da truculência, do desamor. A liberdade, as asas angélicas, um dia, cada um as alcançará. Até esse dia, haja paciência para aturar as sandices que grassam neste mundo.
Por que enxergar somente os espinhos e não sentir o perfume da flor?
Por que só ver as pedras no caminho e não ouvir o canto dos pássaros?
Por que não espalhar o amor e o perdão ao invés do ódio e da discórdia?
Paciência...Que Deus nos dê muita paciência! Amém.
terça-feira, 11 de maio de 2010
De Ciprestes Solitários e suas Confidências
Carmen Maria da Silva Fernandes Pilotto
Ciprestes são árvores altaneiras, que habitam penhascos com os olhares voltados para o infinito e de raízes entranhadas em ínfimos pedaços de terra, retirando seus nutrientes do orvalho das madrugadas.
Naquela última árvore da Califórnia vivia Bhumi, único druida da terra em 2020. Desde os primórdios de Atlândida e Lemúria seu povo já havia previsto a destruição do planeta. Seu amigo Trhon tentara em vão na década anterior apresentar evidências, sinais que os homens simplesmente ignoravam: ciclones, tsunamis, alterações climáticas, terremotos, entre outros.
Ano a ano a terra gradativamente alinhava-se ao sol, em solstícios que alteravam o centro da galáxia em decorrência dos danos causados. Ações isoladas como as do Greenpeace ou as de alguns parcos políticos pareciam inócuas.
No início do século 21, o penúltimo druida, Gemini, insistia em incutir nas mentes, usando a voz dos ecologistas, pequenas atitudes de preservação: consumo de energia apropriado, economia de recursos naturais, descobertas pelos governos de alternativas de energias limpas. Propagava que riqueza e prosperidade sem um pensamento sustentável não teriam o melhor sentido.
Os efeitos devastadores eram observados ao olhar alienado dos humanos, que tratavam a Natureza como fonte inesgotável: o aumento do nível dos oceanos, o derretimento das calotas polares, a extinção de animais e plantas, as catástrofes climáticas e os altos níveis de dióxido de carbono. Na última década a fragmentação da Amazônia, o último reduto verde da terra, teve um efeito avassalador.
Com a partida de seus dois últimos amigos, Bhumi, entoava, para espantar a solidão, os antigos cânticos sagrados lembrando rituais e colheitas. Sua memória sensorial estava melancólica pela saudade das plantas e dos animais extintos do planeta.
Bhumi voltou o olhar para o Absoluto cismático. Sabia que tudo em breve se transformaria em poeira cósmica. Milagrosamente naquele penhasco o último cipreste resistia bravamente diante de um braço de mar com um velho e desalentado druida que carregava em seus ombros a triste derrocada do planeta dos insensatos...
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Andarilho
Carmen M.S. F. Pilotto
Sua esquizofrenia o faz caminhar léguas intermináveis. É como se um roteiro estivesse delineado em sua mente, entretanto, sem ponto de partida ou chegada. Em rumo ao nada e ao vazio. Segue sem ater-se aos seus pares que o fitam interrogativos. Descaso? Não tem a hipocrisia dos que se justificam pelo destino tomado. Simplesmente vai, incansavelmente. O itinerário é repetitivo, como num ritual, das oito da manhã até das dezoito, com suor compulsivo traça sempre o mesmo riscado, sinistramente cumpre um mister determinado em seu doentio perfil.
Tenho temor da logística do esquizofrênico. De seguir sistematicamente o mesmo comportamento compulsivo. A tênue divisa entre nós é que não palmilho calçadas e ainda me justifico pelo destino cotidiano tomado.
As Bailarinas
Leda Coletti
Um farfalhar de roupas transparentes, esvoaçantes perpassa no palco daquele circo recém-chegado na cidade. Está totalmente lotado nessa noite quente.
Com garbo de gazelas esbeltas, as bailarinas desfilam, correm nas pontas dos pés, fazendo o público ovacioná-las com entusiasmo.
Iniciam a apresentação do espetáculo. Ao rítmo da banda dançam, ensaiam cambalhotas, enfeitam a coreografia com seus trajes multicores.
Quando os tambores rufam, elas abrem as sombrinhas coloridas e se equilibram em escorregadios arames. De repente, um assobio estridente se faz ouvir, e a banda silencia por instantes. De novo há o espocar dos tambores, tentando acompanhar os passos arrojados das garotas, que ora dançam resvalando os pés nos fios, ora se jogam balançando todo corpo.
Um oh!... é ouvido na platéia, quando uma das moças morenas escorrega e ameaça cair. Mas, num lance surpreendente se recompõe e com as demais se prepara para a apoteose.
Agora cada uma delas segura um arco e rodeando o palco, o colocam em suportes, não muito distantes do solo.
Como que despertando com o som forte dos instrumentos da banda, cada círculo se transforma em halo de fogo crepitante. As bailarinas parecem alçar vôo e atravessam todas as bolas circundantes de luz. Os expectadores juram estar vendo o sol com todas as cores do arco-íris e não param de aplaudir, até as artistas desaparecerem, atrás das pesadas cortinas.
O show e a vida continuam!
domingo, 9 de maio de 2010
Sina de Mãe - Conto
Ivana Maria França de Negri
Ainda na infância, ela já se preparava para o seu destino. Ao brincar com as bonecas, instintivamente, treinava para se tornar mãe. Ninava-as, acalentava-as, era toda ternura. Cresceu, adolesceu, tornou-se linda jovem. Apaixonou-se, namorou e se casou com o grande amor de sua vida.
O tempo passou célere, e o primeiro fruto do amor se fez semente em seu ventre. A barriga volumosa, como uma lua cheia, trazia o sentimento da plenitude. Quando o filho nasceu, um vazio tomou conta dela ao sentir o útero oco, mas logo a criança preencheu-lhe os braços, sugando os seios, ávida pelo seu leite, e voltou a sentir-se plena.
Outros vieram, saudáveis, risonhos, queridos, carne de sua carne, sangue do seu sangue. Tudo tão rápido! Logo caminhavam pelas próprias pernas, falavam e pensavam por si. E a jovem mãe continuava a mimá-los, a preocupar-se com seus resfriados, com os esfolados nos joelhos, com os “galos” na testa, com suas roupas, com as tarefas escolares.
A adolescência chegou de repente e eles já não precisavam de sua presença constante, nem de seus cuidados excessivos. Preferiam a companhia dos amigos. Estavam descobrindo o mundo e ela já não era tão necessária como antes.
Um dia seus rebentos deram o grito de independência e, um a um, foram embora. Iam estudar noutras cidades, noutros estados e até fazer cursos em outros países. E ela, sempre contando os dias que faltavam para os fins de semana, para as férias, quando se esmerava nas comidas preferidas e ficava a lavar, passar e a pregar botões nas suas roupas.
Num belo dia, eles se afastaram para sempre de seu convívio. Nem finais de semana, nem férias. Chegara a sua vez de serem pais e mães de seus próprios rebentos. E ela sentia os braços vazios, a casa silenciosa. Convivia apenas com os ecos das vozes infantis que povoaram aqueles espaços e ainda preenchiam seus sonhos.
Mas chegaram os netos, verdadeiros oásis de felicidade no deserto que se tornara sua vida, quando vinham para ela cuidar. Parecia que seus filhos eram crianças novamente e se enchia de alegria. Repetia o carinho, os cuidados e dedicava-lhes imenso amor.
Mas o tempo cruel, roubava-lhe as forças, a saúde, a agilidade e a memória às vezes fugia. O caminhar tornava-se cada vez mais lento e a visão piorava a cada dia. Os braços cansados, já não seguravam o bebê com firmeza, as pernas trêmulas, não obedeciam. Ela já não servia mais para cuidar dos pequenos e babás mais jovens vieram para substituí-la.
O marido, fiel companheiro de tantas alegrias e também dos percalços, faleceu, e a casa ficou enorme, vazia, insuportável. Como um ninho abandonado quando as avezinhas criam asas e alçam vôo para não mais retornar.
Um dia colocaram-na num carro e a levaram para um lugar arborizado, bonito até, mas nele não havia calor humano, parecia um depósito de velhos imprestáveis como ela, e o inverno parecia estacionado naquele local frio, sem vida e sem cor.
Não reclamou. Dava razão a eles. Tinham muito trabalho, faziam muitas coisas e não tinham tempo para gastar com ela. Dos olhos baços verteram lágrimas, mas secou-as rapidamente com as costas da mão para que ninguém visse. Conseguiu armar um sorriso e, num último esforço, levantou os braços e acenou com as mãos deformadas pela artrose e os abençoou: “Vão com Deus, meus queridos, ficarei bem. Venham me visitar quando der”.
E sua vida restringiu-se a longos dias cinzentos de espera inútil. O que ocupava seu tempo eram as recordações. Estas sim, eram fartas, coloridas, e aqueciam e preenchiam seus derradeiros dias e jamais a abandonaram até o último suspiro.
quinta-feira, 6 de maio de 2010
O que seria do mundo sem as mães!
Plínio Montagner
Mamãe! Mãe! Manhêêê...
São tantos os pedidos: de socorro, aconchegos, apelos, lamentos, abraços e lágrimas.
Cadê meu lanche? Pão com goiabada de novo? Não quero quiabo...
Quantas idas e vindas ao colégio para falar com a professora e levar o livro esquecido. O uniforme limpo. O tênis desamarrado. Pegou o agasalho?
Para os filhos - de qualquer idade, tamanho, profissão e estado civil – as mães não têm aposentadoria.
Filhos marmanjos, filhas casadas, bem resolvidas na vida, para eles as mães não podem envelhecer. Têm de ter a mesma disposição dos seus 20 ou 30 anos. Mãe não envelhece.
É triste, mas muitas mães só são notadas quando suas pernas, braços e coração baqueiam.
Mãe é banco, é supermercado, é conselheira. Filhos pedem, emprestam e tomam coisas – e seu tempo (dela).
Mães perdem maridos, e estes perdem as esposas – porque ficaram mães – e mais tarde, de novo – ficaram avós. Ambos passam a ser acessórios um do outro. Filho é a razão da vida. O resto é resto.
Filhos são sócios do carro e de tudo. Mães são cozinheiras e motoristas sem remuneração. Mais tarde? Que delícia! Continuam enfermeiras e o que sempre foram: babás. Não tem fim!
Mãe não tem idade nem fim; nem filho tem fim. Eles duram muito! Para sempre! Vou contar pra minha mãe! Vou pedir pra minha mãe. Isso não é comigo. Fale com sua mãe.
Mãe! Passei no vestibular! Mamãe, meu namorado... Vou casar. Mamãe, a senhora vai ser avóóóóóó´...
Estou com fome! Quero leite. Começa tudo novamente.
Mamãe, cadê a roupinha do nenê? E vestidinho? O macacãozinho? Tudo é “inho” de novo. Arrumou o lanchinho? E a lancheirinha?
Filhos podem ter 60 anos e as mães jamais esquecem suas idades. Levantam para agasalhá-los. No dia seguinte: Tome cuidado! Dirija devagar.
E agora - Dia das Mães?