VEGETARIANO ENRUSTIDO: AS RECEITAS
Milton Martins
Você torce pelo touro todo ferido com aqueles espadins, odiando o toureiro com aquela roupinha ridícula? Ai, o touro acerta o toureiro e você grita como se fosse um gol do seu time num momento de decisão? Espera ai. E a violência que você rejeita filosoficamente?- Bem a violência gera a violência, especialmente quando há atos brutais de covardia, como se dá com o touro acuado - esses toureiros efeminados só merecem chifradas mesmo.Mau sinal. Ai você considera um negócio até desonesto os rodeios, pela brutalização dos animais e um bando de idiotas aqueles montadores? Que podem se arrebentar no chão com os saltos do touro sofrendo pelas amarras na sua genitália? E você pensa alto: - Tomara que se arrebentem, sabe.Sinal de “perigo”. Você é um forte candidato ao vegetarianismo. Mas, saiba, você pode pensar ou tentar sem chegar a tanto. Porque o caminho é árduo. Mais fácil deixar de fumar mesmo que você nunca tenha fumado.Começa assim:Rejeita um bife de vez em quando, pensando no sofrimento da vaca, fala para o garçom passar reto com os espetos, se enche de salada, no queijinho assado e guarnições e disfarça.Pergunta que ainda não vai calar:- Você não está comendo carne? Esta picanha sangrenta está uma delícia.Você mente:- Sabe, hoje não estou me sentindo bem. Meu médico me recomendou não comer nada gorduroso.Com o tempo você abole a carne vermelha e seguramente terá que explicar porque você assim decidiu e deverá estar preparado para responder os motivos:Religioso? Filosófico? Regime especial? O quê, o quê, hem?Você já começa a ser o diferente nos almoços de trabalho e sociais.Nem uns hambúrgueres no McDonalds? Ah, tentação, com aquelas fritas sequinhas e um copo imenso de guaraná. Difícil, hem.No churrasco com os amigos você fará “churrasco” de pão e molhinho. Conseguirá (mesmo) rejeitar a linguicinha e o coraçãozinho de frango no espeto?Epa, mas o coraçãozinho é de frango, carne branca. Acho que vou avançar...- Será que não vai mais comer nem frango, nem nada, você se questiona?E responde:- Sei não, acho que não vou, até porque a “produção” é também de imensa crueldade.E a partir daí não tem jeito. Você se assume, quase vegetariano, não radical, porque não rejeita um peixe (já pensou o “filhote” assado, tentação!), uns nacos de bacalhau, uns frutos do mar, uns camarões...Até que um dia no mercado você encara os olhos de peixe morto te assediando. Ah, não o peixe não!E devagar você começa a se questionar. Afinal, o peixe não é de carne? Mas tão saborosa, tão cheia de vitaminas! E vagarosamente começa a rejeitar o peixe:- Será possível? Com vou explicar isso em casa? E nas minhas viagens, vou comer o quê?A resposta vem espontânea:- Avance nas saladas, no grão-de-bico, na soja temperada. Massa, meu amigo, mas cuidado com a barriga! As pizzas estão por aí, em qualquer canto tentando de dia e de noite.Pronto, agora você é consumidor de brócolis, couves, abobrinhas refogadas e a milanesa, pimentões, quiabos e jilós, quibes e estrogonofe de composto (carne) de soja...e por aí vai! E frutas em profusão.Que mudança, hem? Ai, nos coquetéis você se obriga a perguntar ao garçom qual o recheio da empadinha com jeito apetitoso:- É de palmito?- Palmito e frango, responde exultante o garçom ávido por presenciar a gula coletiva. Você rejeita a empadinha porque botou na cabeça que frango desfiado cheira pena molhada. Você pode degustar uns canapés de conteúdo não identificado. Feche os olhos e arrisque. Ou fique só no guaraná e na coca-cola...Renúncias são renúncias.E se prepare. Você faz uma visita a um velho amigo e em sua homenagem ele prepara língua ao molho pardo. Você faz tudo para não jogar o estômago no prato e dá uma desculpa a mais esfarrapada possível e só fica no arroz branco e no tomate da salada. A esposa do seu amigo, constrangida, sugere fritar uns ovos, uma omelete. Não, no ovo você ainda não chegou e não quer nem pensar! Você aceita, toma uns goles de vinho e tudo acaba bem. Todos alegres, contando causos e piadas. Exageros e gafes com os efeitos do vinho avançando.Ainda bem, ainda bem. Eta dificuldade!Com o tempo esses percalços deixarão de ocorrer. Não estranhe se você deixar de ser convidado para aqueles grandes encontros e reuniões regados a churrasco e linguicinhas. E chope, é claro.Todos os seus amigos, seus familiares, descobrem que você é um chato.Mas um chato feliz que torce pelo touro, sempre, sem crises de consciência.Talvez você até entre em estudos filosóficos sobre o enigma da existência dos animais, o amor e o respeito que merecem. Aí você atingiu o clímax.
Milton Martins
Você torce pelo touro todo ferido com aqueles espadins, odiando o toureiro com aquela roupinha ridícula? Ai, o touro acerta o toureiro e você grita como se fosse um gol do seu time num momento de decisão? Espera ai. E a violência que você rejeita filosoficamente?- Bem a violência gera a violência, especialmente quando há atos brutais de covardia, como se dá com o touro acuado - esses toureiros efeminados só merecem chifradas mesmo.Mau sinal. Ai você considera um negócio até desonesto os rodeios, pela brutalização dos animais e um bando de idiotas aqueles montadores? Que podem se arrebentar no chão com os saltos do touro sofrendo pelas amarras na sua genitália? E você pensa alto: - Tomara que se arrebentem, sabe.Sinal de “perigo”. Você é um forte candidato ao vegetarianismo. Mas, saiba, você pode pensar ou tentar sem chegar a tanto. Porque o caminho é árduo. Mais fácil deixar de fumar mesmo que você nunca tenha fumado.Começa assim:Rejeita um bife de vez em quando, pensando no sofrimento da vaca, fala para o garçom passar reto com os espetos, se enche de salada, no queijinho assado e guarnições e disfarça.Pergunta que ainda não vai calar:- Você não está comendo carne? Esta picanha sangrenta está uma delícia.Você mente:- Sabe, hoje não estou me sentindo bem. Meu médico me recomendou não comer nada gorduroso.Com o tempo você abole a carne vermelha e seguramente terá que explicar porque você assim decidiu e deverá estar preparado para responder os motivos:Religioso? Filosófico? Regime especial? O quê, o quê, hem?Você já começa a ser o diferente nos almoços de trabalho e sociais.Nem uns hambúrgueres no McDonalds? Ah, tentação, com aquelas fritas sequinhas e um copo imenso de guaraná. Difícil, hem.No churrasco com os amigos você fará “churrasco” de pão e molhinho. Conseguirá (mesmo) rejeitar a linguicinha e o coraçãozinho de frango no espeto?Epa, mas o coraçãozinho é de frango, carne branca. Acho que vou avançar...- Será que não vai mais comer nem frango, nem nada, você se questiona?E responde:- Sei não, acho que não vou, até porque a “produção” é também de imensa crueldade.E a partir daí não tem jeito. Você se assume, quase vegetariano, não radical, porque não rejeita um peixe (já pensou o “filhote” assado, tentação!), uns nacos de bacalhau, uns frutos do mar, uns camarões...Até que um dia no mercado você encara os olhos de peixe morto te assediando. Ah, não o peixe não!E devagar você começa a se questionar. Afinal, o peixe não é de carne? Mas tão saborosa, tão cheia de vitaminas! E vagarosamente começa a rejeitar o peixe:- Será possível? Com vou explicar isso em casa? E nas minhas viagens, vou comer o quê?A resposta vem espontânea:- Avance nas saladas, no grão-de-bico, na soja temperada. Massa, meu amigo, mas cuidado com a barriga! As pizzas estão por aí, em qualquer canto tentando de dia e de noite.Pronto, agora você é consumidor de brócolis, couves, abobrinhas refogadas e a milanesa, pimentões, quiabos e jilós, quibes e estrogonofe de composto (carne) de soja...e por aí vai! E frutas em profusão.Que mudança, hem? Ai, nos coquetéis você se obriga a perguntar ao garçom qual o recheio da empadinha com jeito apetitoso:- É de palmito?- Palmito e frango, responde exultante o garçom ávido por presenciar a gula coletiva. Você rejeita a empadinha porque botou na cabeça que frango desfiado cheira pena molhada. Você pode degustar uns canapés de conteúdo não identificado. Feche os olhos e arrisque. Ou fique só no guaraná e na coca-cola...Renúncias são renúncias.E se prepare. Você faz uma visita a um velho amigo e em sua homenagem ele prepara língua ao molho pardo. Você faz tudo para não jogar o estômago no prato e dá uma desculpa a mais esfarrapada possível e só fica no arroz branco e no tomate da salada. A esposa do seu amigo, constrangida, sugere fritar uns ovos, uma omelete. Não, no ovo você ainda não chegou e não quer nem pensar! Você aceita, toma uns goles de vinho e tudo acaba bem. Todos alegres, contando causos e piadas. Exageros e gafes com os efeitos do vinho avançando.Ainda bem, ainda bem. Eta dificuldade!Com o tempo esses percalços deixarão de ocorrer. Não estranhe se você deixar de ser convidado para aqueles grandes encontros e reuniões regados a churrasco e linguicinhas. E chope, é claro.Todos os seus amigos, seus familiares, descobrem que você é um chato.Mas um chato feliz que torce pelo touro, sempre, sem crises de consciência.Talvez você até entre em estudos filosóficos sobre o enigma da existência dos animais, o amor e o respeito que merecem. Aí você atingiu o clímax.
Prezada Ivana
ResponderExcluirMe surpreendo mais uma vez a transcrição da "saga" do vegetariano. Aproveito o ensejo para acrescentar ao meu texto que se o "candidato" começar por aquilo que chamo de "climax", tudo ficará mais fácil porque fora assumida uma postura filosófica que dá muito mais firmeza à decisão. Homenagens. Milton Martins