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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Rua da Boa Morte

Rua da Boa Morte
Leda Coletti


A noite quente e gostosa convidava o grupo a se dirigir para o único ponto de encontro, no topo da Praia do Boldró, em Fernando de Noronha. O Mirantes Bar estava com boa frequência de nativos e turistas, que dançavam uma arrojada lambada.
Nós, os coroas da excursão, manifestávamos alegria ao beber uma cervejinha gelada, acompanhando um peixe frito. As piadas se sucediam, bem como os “causos” dos mineiros, paulistas, amazonenses, pernambucanos. Destacava-se, nes­se particular, um engenheiro de pesca, com sede de trabalho no território local. Juntara-se a nós e, com muita desinibição, entreteve-nos com seus relatos humorísticos, principalmente os vividos no mar, com golfinhos e tubarões. Estávamos todos motivados pelo assunto, pois, naquela manhã tínhamos feito um passeio no barco Cazuza, e nossa curiosidade fora aguça­da ao ver alguns dos primeiros assomando rapidamente à flor d’água perto da embarcação.
O bom papo foi interrompido, quando alguém lem­brou-nos de que deveríamos repousar, pois, no dia seguinte, a programação seria intensa. De fato, isso ocorreu logo cedo, quando a jardineira do alojamento deixou-nos próximos da Ponta de Caracas, praia de difícil acesso e cheia de pedras. Devagar a maré chegou e, no lugar das depressões das rochas, pequenas piscinas naturais se formaram, aparecendo cardumes amarelos, lilases, azuis, rosas, que dançavam um bailado multi­cor. Que deleite para os olhos!
À tarde, novas emoções, na difícil escalada por meio de escadas e cordas, até à praia do Sancho. Fiquei observando por algum tempo os arrojados turistas que se aventuraram a fa­zê-la. Juntamente com duas colegas, retornamos devagarinho para o ônibus, onde estava o motorista, Seu Bolinha, nativo do território. Passamos a conversar sobre os costumes, plantas, pessoas do lugar.
De repente, ouvimos o ronco do motor de um avião, que pareceu resvalar a copa das árvores. Interpelei Seu Bolinha:
– Nunca caiu avião por aqui?
– Pois não é que estava pensando nisso agora! Lembrava que vai fazer um ano, que caiu um avião igual a esse que passou.Nele morreu o pai do Daniel (era o guia daquele passeio). Caiu no mar e ninguém se salvou. Dizendo isso o motorista fez o sinal da cruz.
Fomos interrompidos pelos demais excursionistas que contavam eufóricos a aventura vivida. O sol emitia os derradeiros raios ao chegarmos ao alojamento.
Jantávamos no restaurante da pousada quando chegou a notícia arrasadora: acabara de cair no mar, um avião que decolara minutos antes. A tristeza e o pânico tomaram conta de todos, principalmente após a confirmação de que um dos passageiros era o engenheiro da noitada anterior. Atendera à convocação superior para uma reunião extraordinária em Re­cife.
Nos dias que se seguiram (e faltavam dois dias para o término da temporada), os passeios não tiveram o mesmo sabor. As pessoas estavam inquietas, temendo a viagem de volta, que, por infeliz coincidência se daria no mesmo horá­rio do avião sinistrado. As últimas notícias davam conta de que os pertences, malas das vítimas, foram trazidos à Praia do Leão, pela maré. Comentavam que a baía, onde o avião Bandeirantes caíra, era a preferida pelos tubarões. Ninguém relembrava, em voz alta, as brincadeiras do colega, cujas pi­lhérias fatalmente haviam se transformado em realidade. O medo tomava conta dos turistas.
Como é costume nas viagens, os participantes gostam de trocar endereços para futuras correspondências e visitas. Era este o clima alguns momentos antes da partida da jardi­neira, que nos transportaria ao aeroporto. Isso parecia con­tribuir para serenar os ânimos. Mas o oposto aconteceu e, indiretamente, eu fui a causadora desse mal-estar. Bem que previa tal reação, mas não tinha como esconder dos colegas meu endereço.
Uma boa parte do grupo não se conteve, quando viu o nome da rua: Boa Morte.
– Que estranho esse nome!
Alguns copiavam em silêncio. Chegou então a vez de um amazonense anotar. Meio brincando, meio sério, falou:
– Vá para o inferno! Esse é nome que se dê para um logra­douro público? Eu, se fosse você, pedia ao prefeito da cidade, para mudar imediatamente esse nome!
Todos criticavam o nome da rua em que eu morava, mas só este colega teve coragem de dizê-lo.
E pensar, que não lhes contei o ocorrido com meu avô paterno, para não deixá-los mais tensos: morreu de ataque cardíaco, quando caminhava nessa rua. Segundo os amigos e parentes, foi “uma morte bonita, sem sofrimento: uma boa morte!”
Felizmente a viagem de volta foi calma. De quando em quando espiava pela janelinha do avião. A lua cheia nos acompanhava, dando a sensação de que cavalgávamos o ca­valo branco de São Jorge, que nos defendia com sua espada. O luar dourado indicava o caminho para o grande pássaro voar.

Em junho


EM JUNHO
Olga Martins

A friagem judiava desde o outono, mas era mesmo na época das Festas Juninas que a gente sentia as temperaturas desabarem.Na região do Parque Bristol, colada à Mata do Governo - complexo que abriga ainda hoje o Jardim Zoológico,o Zoo-Safári e o Jardim Botânico - e sob a umidade vinda da Represa Billings , o frio,como dizia minha avó Olinda não era bolinho!Sabe a famosa garoa?Ela existia e insistia.
Não havia toalha de mesa porque não havia mesa, as pessoas da rua não combinavam nada e nem celebravam os santos do mês.Pelo menos isso nunca evidente,embora uma ou outra colega ensinasse uma simpatia qualquer para saber o nome do futuro namorado, marido...Simpatia ou brincadeira?
Da maneira mais ancestral a molecada maior reunia pedaços de pau e erguia uma pilha ordenada.Logo , feito rastilho de pólvora a notícia se espalhava pelas casas da rua: " vai ter fogueira!"A pilha de madeira ia sendo alimentada pela molecada menor também que saía à cata do que pudesse ser usado.
A tarde de amarela passava para os tons ruivos.De dentro das casas brotavam alguns odores.Nélson trazia o violão e logo era rodeado enquanto desfiava seu repertório de serestas e canções juninas.
Dona Lia aparecia com algumas cocadas,alguém trazia quentão.Aparecia então uma bacia de pipoca aqui alguns pedaços de bolo, até pinhões cozidos que eram partilhados sem a menor cerimônia. Na rua sem asfalto equilibravam-se alguns banquinhos, algumas cadeiras e a fogueira se acendia para aquecer e iluminar a noite que descia sólida, gélida e úmida.
Não tardava e os estalidos de bombinhas me enchiam de medo.Sempre senti muito medo das bombinhas e das brincadeiras com fogo. Com folhas de jornal, a turminha fazia galinhas chocas que subiam faiscantes para em breve se tornarem cinzas e os pacotes de bom-bril desapareciam em luminosas fagulhas que giravam em círculos nas mãos ágeis.
Subiam aos céus o balões de papel de seda.Não eram vistos como vilões ainda e eram celebrados com o famoso: " Cai, cai, balão..." Eu torcia para que não caíssem....Eles bem que podiam levar para os ares as pequenas tristezas dos meus dias, pulverizando a falta de esperança que às vezes batia doído.
Alguns ousavam pular a fogueira e eu não me atrevia a ir além da igreja Assembleia de Deus que ficava próxima à esquina de baixo.Minha mãe ficaria uma fera!
Era um entra e sai das casas e se repetia o alerta " Coloca o gorro, menino";"Menino que brinca com fogo, acorda molhado!"
E quando o movimento ia diminuindo como as labaredas que minguavam na fogueira, assávamos batatas-doces entre as brasas.Assávamos segredos que deveriam morrer ali e desejávamos que a noite fosse infinita para revolvermos as cinzas até que uma fênix despertasse.

terça-feira, 29 de junho de 2010

A Copa das Vuvuzelas

http://www.tribunatp.com.br/modules/publisher/item.php?itemid=1373

A COPA DAS VUVUZELAS
Ivana Maria França de Negri

Vuvuzelas são uma espécie de cornetão que precisa de um sopro forte para emitir o som semelhante a uma sirene ou ao urro de um elefante. Manifestação cultural típica da África do Sul, a origem do nome engraçado é controversa. Pode provir do Zulu "fazer barulho", a partir da "vuvu" som que faz, ou de gírias locais relacionadas à palavra para "chuveiro."
Aqui em nosso país elas são verdes e amarelas. Na Argentina, são fabricadas azuis. Dependendo da cor das bandeiras de cada nação, como camaleoas, elas mudam de cor. Mas o som é o mesmo, inconfundível e vibrante.
Cornetas plásticas existem há décadas, já eram usadas em estádios pelas torcidas, mas a notoriedade aconteceu na copa atual, quando elas eclodiram e a moda pegou e se alastrou mundialmente.
No Brasil eram pouco utilizadas pelas torcidas organizadas que preferiam comemorar com fogos de artifícios, agitando imensas bandeiras e batucando instrumentos tipo bateria, bem barulhentos também.
Nos estádios lotados seu ruído ecoa. Tornou-se o grito dos torcedores. Crianças, adultos, mulheres, homens, todos aderiram às vuvuzelas. Para as crianças existe uma versão mais fácil, uma espécie de cornetinha de brinquedo que não necessita de muito fôlego para funcionar.
E são tantas sendo sopradas ao mesmo tempo que, pela televisão, parecem um enxame de abelhas zunindo durante a narração dos jogos, do início ao fim.
Nos estádios, nas praças, nos bares, nas salas das casas, nos telões, nas janelas, sacadas de prédios, a todo instante ouve-se o som desse berrante de plástico.
A cada vitória segue-se a festa barulhenta, o som extravasando a alegria e soltando o grito preso na garganta. Quando o time perde, as vuvuzelas se calam.
Jogadores, comentadores e treinadores acham que o som intermitente acaba irritando e o barulho ensurdecedor tira a concentração dos jogadores. Imaginem um jogador e o goleiro tentando se concentrar antes da cobrança de um pênalti e as vuvuzelas atrapalhando.
Profissionais da área auditiva afirmam que o som contínuo pode afetar a audição. Já ouvi comentários médicos alertando que o instrumento pode disseminar vírus diversos, inclusive o H1n1 e jamais se deve compartilhar uma vuvuzela.
A FIFA até tentou banir as vuvuzelas da Copa, preocupada com seu uso como arma e até como publicidade, pois poderiam colar propagandas publicitárias e distribuir aos torcedores. Mas não conseguiu barrar seu uso.
Pena que após a Copa, milhões delas serão descartadas, atulhando os lixões, contribuindo para a degradação do meio ambiente, pois como sabemos, o plástico é um dos maiores poluidores, que demora centenas de anos para se decompor na natureza.
Seria interessante incentivar as pessoas a descartarem objetos de plástico nas caixas de coleta seletiva que existem em supermercados, lugares públicos e na maioria dos condomínios, para que, após cumprir a sua missão de festejar os gols, elas sejam recicladas e transformadas em outros utensílios, até mesmo brinquedos novos, poupando o meio ambiente.

Concurso Literário


Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette
EDITAL n. 1/2010
XVII PRÊMIO CIDADE DE CONSELHEIRO LAFAIETE
- Concurso Literário Internacional -


A ACADEMIA DE CIÊNCIAS E LETRAS DE CONSELHEIRO LAFAYETTE torna
públicas as normas para o XVII Concurso Literário Internacional “Prêmio Cidade de
Conselheiro Lafaiete”, que será regido pelas seguintes disposições:

DOS OBJETIVOS

Art. 1º. O “Prêmio Cidade de Conselheiro Lafaiete” foi instituído em 1994 pela
Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette – ACLCL – e vem sendo
concedido anualmente, ininterruptamente, com o objetivo de incentivar e divulgar a cultura
literária, tanto em prosa como em verso, e estimular a produção e a divulgação das obras de
poetas e prosadores em língua portuguesa.

DA ABRANGÊNCIA

Art. 2º. Poderão participar do concurso quaisquer escritores em língua portuguesa,
que possuam maioridade civil na data da inscrição, observada a legislação dos países de
origem.

DAS CATEGORIAS

Art. 3º. Os trabalhos poderão ser inscritos nas categorias abaixo discriminadas e
deverão obedecer às características a elas pertinentes:
a) Conto;
b) Crônica;
c) Poema (exceto soneto);
d) Soneto.
Art. 4º. Os trabalhos deverão ser inéditos, inclusive em meio eletrônico.
Parágrafo único – Caso seja detectada a participação de trabalho que não seja inédito, se a
detecção for feita antes da premiação, o trabalho será desclassificado; se for feita depois, o
prêmio será cassado, sem prejuízo das ações judiciais cabíveis.

DA INSCRIÇÃO

Art. 5º. A inscrição dar-se-á com o envio dos trabalhos e da documentação exigida
para: Concurso Literário Internacional “Prêmio Cidade de Conselheiro Lafaiete”, Caixa
Postal 111, Conselheiro Lafaiete – MG, CEP.: 36.400-000.
Art. 6º. O prazo de inscrição é de 1º. (primeiro) de junho a 30 (trinta) de setembro de
2010 (dois mil e dez).
§ 1º. Para a inscrição de trabalhos será considerada a data da postagem.
§ 2º. Os trabalhos inscritos fora do prazo estarão automaticamente
desclassificados.
§ 3º. Deverá constar como remetente o mesmo endereço do destinatário, ou seja,
Caixa Postal 111, 36.400-000, Conselheiro Lafaiete, MG, para que não haja identificação.
Art. 7º. Os trabalhos deverão ser enviados em 3 (três) vias, impressos em um só
lado do papel, e deverão conter, no cabeçalho da primeira folha, nesta ordem: a categoria
em que concorrem, o pseudônimo do autor e o título do trabalho.
Parágrafo único – Qualquer informação, no trabalho ou em seu teor, ou em qualquer parte
do envelope externo, que identifique o autor, tornará o trabalho, automaticamente,
desclassificado.
Art. 8º. Juntamente com o(s) trabalho(s), deverá ser enviado um envelope lacrado,
identificado externamente apenas com o pseudônimo do autor e o nome das obras com as
quais concorre, e dentro do qual deverão estar:
a) O nome completo do autor e o seu pseudônimo;
b) As categorias e os nomes dos trabalhos com os quais concorre;
c) O endereço convencional completo do autor e o número de ao menos um telefone
para contato;
d) Endereço eletrônico (e-mail) para contato, se possível, podendo ser de uma pessoa
conhecida;
e) Cópia legível do documento de identidade do autor;
f) Comprovante de depósito da taxa de inscrição.
Parágrafo único – Será automaticamente desclassificado o concorrente que usar o mesmo
pseudônimo com que concorreu na versão 2009 deste concurso.
Art. 9º. A taxa de inscrição é de R$10,00 (dez reais) por trabalho inscrito.
§ 1º. – Cada autor poderá concorrer com até 3 (três) trabalhos por categoria.
§ 2º. – O depósito deverá ser feito na conta corrente n. 11229-3 da agência n. 1429 do
Banco Itaú S.A, em favor da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette,
CNPJ n. 73.716.680/0001-18.
§ 3º. – As inscrições que partirem de fora do território brasileiro ficarão isentas do
pagamento da taxa de inscrição que, sendo simbólica, ocasionará mais ônus com o envio do
dinheiro do que com a própria taxa de inscrição, ficando substituída pelas majoradas
despesas de postagens internacionais.

DO JULGAMENTO

Art. 10. O julgamento dos trabalhos será feito por uma junta de 3 (três) julgadores
para cada categoria.
Parágrafo único – Os nomes dos 12 (doze) julgadores, de ilibada reputação e de
reconhecida capacidade lingüística e literária, serão indicados pela Comissão Organizadora
e aprovados pela Assembleia Geral Ordinária da ACLCL.
Art. 11. O julgador atribuirá a cada trabalho, individualmente, nota de 5 (cinco) a 10
(dez), admitidas três casas decimais.
Art. 12. Não será admitido empate em uma mesma categoria, nas 5 (cinco) primeiras
colocações. Havendo notas coincidentes, o desempate será feito pelo critério idade, saindo
vencedor o concorrente mais novo, com o objetivo de incentivo.

DA DIVULGAÇÃO DO RESULTADO

Art. 13. O resultado estará disponível no site da ACLCL (www.aclcl.org.br) a partir
do dia 30.10.2010 (trinta de outubro de dois mil e dez).
Parágrafo único – A ACLCL enviará comunicado aos classificados até o 5º. (quinto) lugar
em cada categoria.

DA PREMIAÇÃO

Art. 14. Serão concedidos, aos autores dos trabalhos que obtiverem as 5 (cinco)
primeiras colocações em cada categoria, os seguintes prêmios:
1º. lugar – troféu, certificado e publicação, sem ônus para o autor, em antologia;
2º. e 3º. lugares – medalha, certificado e publicação, sem ônus para o autor, em antologia;
4º e 5º. lugares – certificado.
Parágrafo único – As publicações em antologia dependerão de autorização prévia, por
escrito, do autor, que, autorizando, receberá 1 (um) exemplar da publicação.
Art. 15. Independente da classificação anterior, a mesma premiação será concedida,
sob as mesmas condições, como prêmio especial, aos trabalhos que versarem sobre a cidade
de Conselheiro Lafaiete.
Art. 16. Os originais não serão devolvidos sob nenhuma hipótese e, após divulgados
os resultados, serão incinerados.
Art. 17. A solenidade de premiação será realizada na festividade de fim de ano da
ACLCL, no Município de Conselheiro Lafaiete, em data, local e horário a serem
divulgados juntamente com o resultado do concurso.
Parágrafo único – Caso não possa comparecer à solenidade de premiação, é facultado ao
ganhador fazer-se representar.

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 18. A ACLCL não remeterá os prêmios, por qualquer meio, aos ganhadores.
Parágrafo único – Os prêmios dos que não comparecerem e não se fizerem representar,
ficarão à disposição na sede da ACLCL, mediante contato prévio, até 90 (noventa) dias
após a solenidade de premiação, quando serão inutilizados.
Art. 19. Os inscritos, pelo simples ato de inscrição, declaram concordar com todas as
disposições do presente edital.
Parágrafo único – O não cumprimento, por qualquer inscrito, das disposições deste edital,
tornará a inscrição sem efeito.
Art. 20. Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão Organizadora, cuja
decisão será irrecorrível, respeitadas as leis maiores.
Conselheiro Lafaiete, 29 de maio de 2010.
Douglas de Carvalho Henriques
Presidente
Comissão Organizadora - Portaria 010/2010:
Presidente: Acadêmica Márcia Terezinha Carreira Rodrigues – cadeira 53
Acadêmica Ângela Togeiro Ferreira – cadeira 94
Acadêmico José das Graças Freire – cadeira 42
Acadêmica Lêda Maria Augusta Vieira de Faria – 46
Acadêmica Maria de Lourdes Azevedo – 58
Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette
Caixa Postal 111
Conselheiro Lafaiete – MG – CEP.: 36.400-000
aclclafayette@gmail.com
(Enviado por Ângela Togeiro Ferreira)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Da Paixão e seus Caprichos



DA PAIXÃO E SEUS CAPRICHOS...
Maria Cecília Graner Fessel

Na nobreza medieval nem sempre os noivos iam espontaneamente ao encontro do escolhido para eles. Muitas vezes havia relutância, indecisões, recusa em adentrar no casamento. Também havia conselhos e cumplicidade de mães e damas de companhia, tentando combinar as paixões da juventude com as necessidades do estado.
Recentemente essa situação repetiu-se e vem causando grande comoção popular, envolvendo diferentes reinos do mundo, príncipes e princesas, engessados em tratados e regras muito antigas.
Aconteceu de uma princesa, enviada de um poderoso reino, apaixonar-se pelo valoroso príncipe a quem era destinada, sem ser, no entanto, correspondida. Tentando conquistá-lo, procurava encontrar-se com ele, mas era logo cercada por seus lacaios, afirmando que o protocolo não permitia sua entrada e que ela não devia aproximar-se dele. As damas da princesa, nervosas com a ansiedade da noiva e a recusa do noivo em acolhê-la, resolveram então armar uma estratégia para ajudá-los a se encontrar. Colocaram-se nas portas do palácio do príncipe e lá ficavam distraindo os lacaios, seduzindo-os com seus truques, chamando-os para cá e para lá para que eles não percebessem as tentativas de aproximação da princesa.
Levou tempo, e muitas vezes alguns guardas, exasperados com o insistente assédio das damas ali postadas, chegaram a usar de força para impedir a entrada da princesa, o que gerou protestos e grande tensão entre os reinos.
Mas, como o amor verdadeiro não desiste, e a vida tem seus caprichos, num certo momento a princesa pegou os guardas distraídos, correu em zigzag entre suas damas, e finalmente invadiu o palácio de seu amado, com tanta paixão e firmeza de propósitos, que ele enfim acolheu-a nos braços, para delírio dos que torciam pela princesa.
E foi assim que a Princesa Jabulani, mil vezes rejeitada, mil vezes desviada pelas traves caprichosas e pelos defensores do príncipe, protegida e empurrada por suas fiéis damas de companhia, adentrou o espaço do reino adversário e tomou posse do coração de seu amado, aplaudida por seus súditos aos gritos vitoriosos de GOL! GOL! GOL!

Chico Buarque e a Revolução Francesa !?

Chico Buarque e a Revolução Francesa!? (in Tardes de Prosa)
Ana Marly de Oliveira Jacobino

Dezenove! Dezenove horas! O andar, meio que pisando em ovos, é a mostra marcante da sua timidez. Entra meio titubeante ao lado do seu colega escritor. Os dois publicam pela mesma editora. Ele entra no palco, abraçado ao amigo Milton Hautoum. Aplausos! Frenesi! Todos os lugares ocupados! A pra­ça foi pequena para conter tamanha multidão. Os ingressos nem chegam às mãos da grande maioria dos pobres mortais! Apenas alguns abonados, sortudos, conseguem se instalar nas poltronas macias da “Tenda dos Autores”, e uma grande multidão, assiste a entrevista na “Tenda do Telão” da Flip em Paraty.
Ele fica parado ao lado da poltrona em pé. Espera o me­diador da mesa literária Samuel Titan Junior e o outro escritor da mesma mesa se sentar.
Samuel apresenta primeiro um breve currículo de Mil­ton Hatoum, nascido em 1952, professor de literatura francesa da Universidade Federal da Amazônia e professor visitante de lite­ratura brasileira na Universidade da Califórnia. Iniciou a carreira de escritor, em 1989, com “Relato de um certo Oriente” , livro vencedor de um dos mais importantes prêmios literários do Brasil, o “Jabuti”. O interlocutor se declara feliz com a sua desistência da profissão de arquiteto para se dedicar a letras.
Peço ao meu marido para ficar na fila dos autógrafos, com o “Leite Derramado” em suas mãos.
Bem! Dependurada como bandeira a meio pau na grade, em torno da “Tenda do Telão”, estou eu! Assisto a um dos compo­sitores que embalam a minha vida. Aprendi a gostar das suas letras poéticas na infância, ao assistir o “Festival da Record” em que meu tio Marconi Campos da Silva, integrante do Trio Marayá, acompa­nha Jair Rodrigues na magistral interpretação de Disparada.
Final do festival da canção, a plateia se vê dividida em seus aplausos entre “Disparada”, composta por Geraldo Vandré e Theo de Barros “”, e “A Banda” de Chico Buarque de Holanda “”. O juri vota pelo empate e, dessa maneira, as duas músicas se sagram vencedoras.
Cantei com força naquele dia histórico e hoje me assom­bro com a beleza da letra, em especial um fragmento da magistral “Disparada”, o qual enfatizo; precisamos entender, em definitivo, o que diz “mas com gente é diferente”:
“Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, até que um dia acordei
Então não pude seguir valente em lugar tenente
E dono de gado e gente, porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto pra enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar”
Aplaudi, cantei e gritei, agitando o cartaz por “Disparada”, mas, dividida, também cantei “A Banda”, com Nara Leão.
Vejo, nitidamente, o Chico em um smoking preto, em pé, duro como um pedaço de pau segurando o violão ao lado de Nara, enquanto, Jair Rodrigues, o Trio Marayá e o Trio Novo in­terpretam “Disparada” .
Recordo me do sorriso largo na sua boca, enquanto Jair Rodrigues, ao seu lado, bate palmas, e o público o acompanha:”Pra ver a banda passar cantando coisas de amor...”
Meu marido chega e fala:
– O Dawkin vem da Inglaterra até aqui, e dá autógrafos, e o babaca do Chico não vai dar?
Pedi para ele, assim mesmo, voltar para a fila.
Aplausos!
– Ele me copiou e foi mais rápido. Publicou antes de mim, mas eu sou inocente! – disse Chico.
Chico e Milton Hatoum comentam, sorrindo, a similari­dade entre as obras, que acabaram de escrever.
Chico Buarque fala que passou um ano e meio pesquisan­do e lembrando histórias contadas pelo pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, e confessa que nunca foi um bom leitor de história. Como Hatoum, buscou a concisão no relato. Explica o “Leite Derramado” como um livro inspirado na canção “O Velho Francisco”, de 1987, em que dizia: “O meu pai era paulista/ Meu avô, pernambucano/ O meu bisavô, mineiro/ Meu tataravô, baia­no/ Meu maestro soberano/ Foi Antonio Brasileiro.”
Chico narra com prosa elegante, fluente e divertida a his­tória decadente da família de Eulálio Montenegro d’Assumpção, um velho enfermo que foi abandonado, pela mulher, em um hos­pital no Rio. O enredo tem início na corte portuguesa, percorre períodos do Império e da República Velha até chegar aos dias atuais, utilizando figuras e cenários que habitam a memória de Chico.
Na velhice, como diz o velho narrador de Chico, “a gente dá para repetir casos antigos”, mas o autor precisou de 150 pági­nas, para contar como mudou a história do Brasil neste último século para que tudo permanecesse exatamente igual, do precon­ceito racial à corrupção.
Chico brinca com o amigo Hatoum, lembrando que esse nar­rador lhe azucrinou a vida durante um ano e meio, tirando seu sono e deixando ao escritor como herança uma perna quebrada. Assustado de como a ficção tomava conta da sua vida real, o cantor e compositor resolve encurtar a novela para se livrar do velho narrador azarento.
Logo à minha frente, um bêbado, já no interior da tenda, grita para o telão:
– Chico estou aqui. Fala comigo!
Os seguranças o agarram. E ele aos gritos continua a cha­mar a atenção de todos.
– Chico estou aqui. Fala comigo!
Na sua camiseta algumas palavras escritas com caneta hidrocor preta :
“Liberté, Egalité, Fraternité”.
Os dois autores continuam a conversa.
Chico Buarque apoia o protesto dos caiçaras da região ao ler:
– Eles evidentemente apoiam e aprovam o turismo cultural pro­movido pela Flip e por isso fizeram a passeata, para chamar a atenção; quanto ao perigo que correm com outro tipo de turismo, o predatório.
Enquanto isto, o bêbado do outro lado, no alto do poste da “Tenda do Telão”, grita para a imagem do Chico, erguendo os punhos para o alto:
– Chico estou aqui. Fala comigo! Liberté, Egalité, Fraternité.! Liberté, Egalité, Fraternité! Liberté, Egalité, Fraternité! (...)
Os seguranças cogitam subir para tirá-lo, mas ele grita mais forte:
– Liberté, Egalité, Fraternité!
A mesa dos autores termina e tento chegar à Tenda dos Au­tógrafos, arrodeando o outro lado da igreja. Fico parada perto da es­cada da tenda sem poder me movimentar. Depois de duas horas em pé as minhas pernas estão amortecidas. Os minutos passam e muitos repórteres me espremem e me jogam para o outro lado da calçada.
A sorte me sorri!Os fotógrafos e repórteres me ajudam! O Chico sorrindo rodeado de seguranças, espremido pelo batalhão de fotógrafos e repórteres, passa ao meu lado!
Não acredito! Espero a multidão dispersar. Meu marido agoniado no meio do povo me acena. Aos trancos e barrancos, consigo depois de muitos empurrões me aproximar dele. Claus­trofóbico, ele me agita o “Leite Derramado” e a senha 52, e diz:
– O que a gente não faz por amor!
Declaração de amor a parte. Cutucada, empurrada, piso­teada..., chego nele.
Abro um sorriso de orelha a orelha e digo:
– Chico estive no festival da Record em que você ganhou com “A Banda”. O meu tio Marconi cantou com o Trio Marayá junto com Jair Rodrigues. Você se lembra do Trio?
– Trio Marayá, lógico que lembro. E o seu tio como está?
– Ah! Ele morreu em 2003.
Nisto ainda me olhando, sorrindo autografa o livro, en­quanto, sou empurrada para longe dele.
A minha perna está trêmula pelo cansaço. Estou feliz!

domingo, 27 de junho de 2010

Buquê de Rosas Vermelhas

Buquê de rosas vermelhas (in Tardes de Prosa)
Raquel Delvaje

De repente ela entrou e caiu perto do pé da mesa. Jazia em sangue! Todos correram para acudi-la. Sua mãe, perplexa, abraçou-a. Procurou reanimá-la. Não podia acreditar diante do que via: sua filha estirada ao chão. Totalmente inerte! Morta!
Há tão pouco tempo ela estava ali, sorrindo e brincando com dois primos. Parecia até uma criança... E feliz... Seus olhos demonstravam uma sombra de preocupação. Mas não naquele momento! Ela deixara para trás todo e qualquer pensamento ruim. Somente brincava e cantava... Como se estivesse celebran­do seus últimos momentos de vida.
Há alguns meses passara no vestibular. Todos comemo­raram. Seria o único membro de uma família grande a conseguir chegar à faculdade. Um orgulho para os pais. Mas não para o namorado! Esse passou a sofrer de um ciúme incontrolável. Não aceitava que Sofia fosse para a faculdade. Ela não pretendia sepa­rar-se dele; era seu grande amor, mas diante de tanto ciúmes, não houve mais jeito: separaram-se!
Foi quando começaram as ameaças. No início, ninguém acreditou que poderiam ser sérias. Mas depois perceberam e se preocuparam.
Naquele dia, Sofia ia para a casa do tio em outra cidade, para evitar uma tragédia anunciada.
Não deu tempo!
Jorge chegou antes e a esfaqueou no portão de casa.
Ele a chamou, sua mãe não queria que ela fosse. Ele in­sistiu! Disse que só queria despedir-se dela. Trazia consigo um buquê de rosas vermelhas e por de trás: uma faca.
Matou-a!
Passaram-se oito anos. Hoje Jorge vai se encontrar com a atual namorada e tem nas mãos um buquê de rosas vermelhas. Sua atual namorada arrumou um emprego fora da cidade.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

La Veronica


La Veronica (in Tardes de Prosa)
Carmen Maria da Silva Fernandez Pilotto

“Qual è colui Che forse di Croazia viene a veder la Veronica nostra,
che per l’antica fame non sen sazia ma dice nel pensier, fin che si mostra
‘Segnor mio Iesù Cristo, Dio verace, or fu sì fatta la sembianza vostra?;
tal era io mirando la vivace carità di colui che’n questo mondo,
contemplando, gustò di quella pace” Dante Alighieri – Divina Comédia
Paradiso, Canto XXXI, versos 103-111


O cânhamo guardou o semblante de Cristo cravado pelas dores da humanidade. Reservado no baú de cedro mar­chetado, perpetuou-se por séculos como discreto relicário, na li­nhagem daquela que afagara com ternura os vincos do Senhor. Oculto pelas estirpes que repassavam em sussurros o segredo aos primogênitos no leito de morte, designando-os da misteriosa mis­são, sempre como ritual na derradeira fala da noite de vigília do moribundo.
Assim, naquele rincão da Galiléia, o pano sagrado resistiu aos tempos e a ambição dos homens até aquele fatídico 11 de setembro de 1977.
Samuel, após a revelação do pai, abriu a caixa desgastada e vasculhou com os olhos da ambição a relíquia que lhe fora confia­da, ignorando o último desejo de seu progenitor. Estendeu sobre a mesa o tecido em estado perfeito. Sequioso pelo dia seguinte recos­tou-se no travesseiro ao lado do leito de Safir. Não se incomodava com a barbárie que pretendia cometer, assim que pudesse comer­cializar o bem precioso que suas gerações o haviam aquinhoado.
Dormiu um sono entrecortado por sobressaltos e no tor­por do ambiente do inconsciente, sentiu um suor copioso em suas têmporas, tomou como um autômato o pano a seu lado e tentou enxugar a própria testa.
A visão terrificada do sofrimento de Cristo tresloucou-o, en­tretanto imobilizado não conseguia reagir aos cravos que perfuravam sua própria testa e esvaíam em sangue suas veias expostas. O gosto do líquido vermelho adentrava nos lábios copiosamente. Em suas costas sentia violentas chibatadas que queimavam veleidades.
Acordou aos gritos... No quarto, na penumbra, não se apercebia mais da respiração do pai, ele havia partido. Sobre as mãos do progenitor a pequena caixa vazia continha apenas alguns cravos enferrujados e um amontoado de pó de cânhamo...

Convite Cultural - Danças Orientais

Festival de Danças Orientais (Dança do Ventre)
No Teatro Municipal de Piracicaba
Dia: 04/07/10 (Domingo)
às 19:00h
Neste espetáculo o Grupo Josiany Shimla-Danças Orientais apresenta diversas coreografias
clássicas, folclóricas, modernas e fusão, representando a cultura e arte do Oriente Médio.

Convites: R$ 15,00 (antecipados) À Venda na Sede da Sociedade Beneficente Sírio Libanesa (R. Governador Pedro de Toledo, 1045 Centro)

Prestigie, Divulgue, Conheça a Milenar Arte da Dança do Ventre - Patrimônio da Cultura Árabe.

Tardes de Prosa - mais um comentário


Tardes de Prosa
Marisa Bueloni

Tive a graça de receber um exemplar do belo livro "Tardes de Prosa", reunindo 14 autores piracicabanos. Foi-me enviado por uma das integrantes da coletânea, Dirce Ramos de Lima, que figura com brilho nesta que se caracteriza por uma bela apresentação de textos em prosa.

Conforme bem prefaciou o escritor Ludovico da Silva - há 20 anos coordenador do Grupo Oficina Literária de Piracicaba (GOLP) - , é difícil destacar um ou outro texto, pois cada um tem a sua própria temática e sua beleza intrínseca. É que são todos, na sua totalidade, muito bons e contemplados por fina inspiração.

Estão de parabéns os participantes desta coletânea "Tardes de Prosa", um livro de grande beleza e qualidade literária, onde não faltou a homenagem a uma das maiores e mais consagradas poetas piracicabanas, Maria Cecília Machado Bonachella - homenagem feita pela autora Aracy Duarte Ferrari, num tocante memorial da saudade.

"Tardes de Prosa" vem nos saudar num momento muito especial, em que vemos revitalizar-se a Academia Piracicaba de Letras, pelas mãos laboriosas da também escritora e poeta Maria Helena Aguiar Corazza, atual presidente da entidade. Ivana Maria França de Negri, uma das integrantes do livro, é a atual editora da coluna literária do "Jornal de Piracicaba", publicada aos sábados, apresentando aos leitores os trabalhos literários de autores piracicabanos e de outras localidades, abrindo para todos um digno espaço no campo das letras.

A coletânea "Tardes de Prosa" reúne textos de grande sensibilidade e beleza, constituindo um rico presente a nossa cidade, já bastante famosa por ser conhecida como berço de artistas, escritores e poetas. O livro vem dignificar ainda mais o acervo de nossas mais belas tradições históricas.

Aos autores de "Tardes de Prosa", o meu abraço caloroso, na certeza de que produziram uma obra de real valor literário, que merece ser amplamente divulgada e apreciada pelos amantes da literatura e pelo público em geral.

Mais uma vez, parabéns, ilustres autores de "Tardes de Prosa", pessoas tão atuantes na literatura, militantes dos eventos artísticos e culturais, confirmando esta vocação piracicabana que tanto nos honra e nos orgulha!
Que estas iniciativas se apresentem cada vez mais prestigiadas, como parte da tradição de um povo inteligente e culto, de uma gente amiga das artes e do saber.

Com os cumprimentos e toda a admiração da
Marisa Bueloni

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Sinfonia de Pardais

SINFONIA DE PARDAIS
Ludovico da Silva

Algumas décadas passadas eram comuns na cidade revoadas de andorinhas nos entardeceres, essas pequenas e frágeis aves que pousavam nas árvores dos jardins, principalmente na área central. Um gorjear até meio desafinado, mas era o canto que elas sabiam embelezar suas presenças e manifestar seus encantos para quem se dispusesse ouvi-las todas as tardes, antes de recolherem-se para o descanso da noite. Ainda em tempos não muito distantes, apareciam durante determinada estação do ano, em períodos que migravam para outros centros, onde encontravam ambiente propício para a procriação. Passavam pela cidade com milhares delas formando uma nuvem escura em revoada.
As andorinhas servem, segundo voz corrente, como indicadoras do tempo, isto é, voando baixo haverá alteração no clima, sobretudo, com o cair de chuvas.
Para tristeza dos piracicabanos as andorinhas foram desaparecendo e hoje restam poucas que lutam por pequenos espaços que ainda lhes sobram, pois os pardais acabaram tomando seus lugares.
Afirma-se que os pardais são originários da Europa e se alimentam de insetos e restos de comida que acham com fartura pelos quintais e ruas da cidade e proliferam de maneira acentuada. Infiltram-se pelos desvãos dos telhados, através dos beirais, e ficam bem acomodados em seus ninhos, seguros de que não serão perseguidos pelos predadores. Interessante é que são ariscos quando buscam seus lares, pois à entrada ficam a manter dobrada atenção ao redor, para, ao que tudo indica, estar certos de que ninguém está a observá-los. Livres da presença de intrusos ou qualquer outro perigo entram tranquilos para sua morada.
Não me parece que os pardais sejam passarinhos bem vistos. É fácil observar em jardins da cidade a sujeira que fazem durante o repouso noturno empoleirados nas árvores. Emporcalham tudo, tanto nas passagens dos pedestres como nos bancos onde as pessoas procuram descansar enquanto fazem hora com prosa junto a amigos. Antes de se recolherem emitem um canto estridente, sem nenhuma sonorização, a não ser o barulho, que possa despertar a atenção do belo. Claro que eles ignoram a lei do silêncio, aliás, como o fazem automóveis, motocicletas e outros meios dados à propaganda desenfreada de decibeis além do permitido, pelos quatro cantos da cidade, que azucrinam os ouvidos das pessoas.
Confesso que não tenho a sensibilidade de poeta para enaltecer a desafinada cantoria dos pardais, como bem o fez o respeitável e saudoso letrista e musicista Herivelto Martins, na consagrada Ave Maria no Morro. Primeiro, interpretada por Ângela Maria, depois cantada no mundo inteiro e gravada mesmo pelos tenores Luciano Pavarotti e Andréa Botticelli, quando em dois versos ressalta “Sinfonia dos pardais, anunciando o anoitecer”. O poeta encontrou a beleza e a afinidade do canto dos pardais na composição de uma de suas maiores criações musicais. O cantar dos pardais de Piracicaba passa longe de ser uma sinfonia ou mesmo de uma seresta e nem os ensaios diários farão melhorar a melodia que têm a oferecer. Afinal, não compõem nenhuma orquestra afinada. Apreciar ou se vale a pena ouvi-los ou não vai do gosto de cada um.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A Fórmula da Amizade

A rmula da Amizade (in Tardes de Prosa)
Lidia Sendin

Sentado na calçada, canequinha de plástico na mão e um canudinho na outra, o menino de pernas magricelas agitava uma espumante mistura, ansioso para que a preciosa fórmula ad­quirisse a consistência desejada para o seu intento.
A poucos passos dali, uma velha senhora observava aten­ta às tentativas do garoto para produzir bolhas de sabão. Sorria ao vê-lo encher as bochechas rosadas de ar e assoprar valentemente o fino canudo sem conseguir nenhum resultado.
Começou então a pensar numa fórmula que aprendera há muito tempo, nem se lembrava mais com quem: AMIZA­DE= (+ felicidade – solidão X alegria : dor), isto é, a amizade aumenta a felicidade, reduz a solidão, multiplica a alegria e divide a nossa dor.
Levantou-se vagarosamente, com a cautela que os anos lhe impunham, dirigiu-se ao menino, afagou seus cabelos e disse com voz macia: – Assopre mais devagar.
Como num passe de mágica, as bolhas coloridas ganha­ram o espaço, ora subindo, ora descendo ou explodindo em seu nariz, causando-lhe divertidas cócegas.
A mulher voltou para seu banco na praça, sentou-se sorrindo enquanto pensava na alegria que algo tão simples proporciona.
Sua composição básica deixa muitos brinquedos eletrôni­cos invejosos do efeito que causa nas crianças. Apenas água, sa­bão e ar e a brincadeira está completa, o número de participantes é infinito, o grau de satisfação também.
Desviou o olhar novamente para o menino que agora ti­nha ao seu lado novos amigos, desejosos de partilhar com ele essa maravilhosa descoberta.
E as bolhas subiam coloridas, ora voando, ora caindo, sempre explodindo, divertidas, efêmeras, mas belas, cumprindo seu papel de alegrar, mesmo que por breves instantes.
Assim é a amizade: uma fórmula simples que pode causar grande alegria, mesmo que seja num simples e breve encontro.

As Roseiras de Anastácia


As Roseiras de Anastácia (in Tardes de Prosa)
Cassio Negri

Deitada em meio à mortalha perfumada, estava a velhinha de cabelos brancos, pele enrugada, até já meio calva na fronte, calvície esta disfarçada por um lenço puído.
Na cabeceira da cama, um crucifixo.
As pessoas foram chegando aos poucos, curiosas, para a importante ocorrência naquela cidadezinha interiorana.
As crianças pulavam o muro e corriam no quintal grande e coberto de cinzas, do que havia sido um roseiral. A cada passo pelo jardim, os pés afundavam no pó cinzento e ainda quente levantando um nuvem de poeira pesada.
Aos pés da cama, uma linda moça vestida de branco, irra­diando tênue luz, observava a velhinha deitada, algo carrancuda, tez enxadrezada pelas rugas e pensava:
“– Por que tal criatura se mostrou tão egoísta e queimou todas as roseiras, privando as pessoas das rosas, querendo levá-las todas para si? Sempre achei que as velhinhas eram muito bondo­sas e nunca fariam maldades. Se fosse eu, jamais faria isso!”
Notou, então, que um fio prateado partia do seu peito e a ligava diretamente ao peito da velhinha. Puxou o fio e, no mesmo instante, se sentiu arrastada para o leito, deitada junto à idosa e parecia ser ela mesma a própria velhinha. Tudo se tornara escuro.

Tentou abrir os olhos desesperada, mas não conseguia. Suava muito e, num esforço, conseguiu!
“– Olhem! Ela abriu os olhos!” Alguém gritou.
Uns correram, outros gritaram e outros acudiram.
Conseguiu mover as mãos, os braços, depois as pernas, e a primeira coisa que pode dizer foi:
“– Guardem as hastes das rosas, quero refazer meu jardim!
E na cabeceira da cama, o Cristo sorriu...

Fantasia

Fantasia (in Tardes de Prosa)
Carmen Maria da Silva Fernandes Pilotto

Aprumou-se nas organzas, rendas e correntes olhando-se vaidosa no espelho descascado. A imagem refletida sorria pelo sonho realizado, Odalisca do supletivo, sua fantasia premiada como a mais original. Não importavam os maus-tratos do padrasto, os ruídos carnais que lhe assombravam as noites na­quela favela deprimente.
Sua patroa havia sido tão generosa... Que nada ! Fizera por merecer, olhar aqueles pirralhos por anos a fio era realmente tarefa extenuante.
– Mariluce, apague a luz, já é tarde e todos estão cansados.
Duas camas, nove pessoas. Apagou o lampião e na pe­numbra despiu os trajes de sua derradeira alegria.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

SARAMAGO, morre um defensor dos animais

O mundo perdeu um admirável defensor dos animais, contra touradas e animais em circos:

http://caderno.josesaramago.org/2009/06/29/espanha-negra/

http://caderno.josesaramago.org/2009/02/19/susi/


Susi
Por José Saramago

Pudesse eu, e fecharia todos os zoológicos do mundo. Pudesse eu, e proibiria a utilização de animais nos espectáculos de circo. Não devo ser o único a pensar assim, mas arrisco o protesto, a indignação, a ira da maioria a quem encanta ver animais atrás de grades ou em espaços onde mal podem mover-se como lhes pede a sua natureza. Isto no que toca aos zoológicos. Mais deprimentes do que esses parques, só os espectáculos de circo que conseguem a proeza de tornar ridículos os patéticos cães vestidos de saias, as focas a bater palmas com as barbatanas, os cavalos empenachados, os macacos de bicicleta, os leões saltando arcos, as mulas treinadas para perseguir figurantes vestidos de preto, os elefantes mal equilibrados em esferas de metal móveis. Que é divertido, as crianças adoram, dizem os pais, os quais, para completa educação dos seus rebentos, deveriam levá-los também às sessões de treino (ou de tortura?) suportadas até à agonia pelos pobres animais, vítimas inermes da crueldade humana. Os pais também dizem que as visitas ao zoológico são altamente instrutivas. Talvez o tivessem sido no passado, e ainda assim duvido, mas hoje, graças aos inúmeros documentários sobre a vida animal que as televisões passam a toda a hora, se é educação que se pretende, ela aí está à espera.
Perguntar-se-á a que propósito vem isto, e eu respondo já. No zoológico de Barcelona há uma elefanta solitária que está morrendo de pena e das enfermidades, principalmente infecções intestinais, que mais cedo ou mais tarde atacam os animais privados de liberdade. A pena que sofre, não é difícil imaginar, é consequência da recente morte de uma outra elefanta que com a Susi (este é o nome que puseram à triste abandonada) partilhava num mais do que reduzido espaço. O chão que ela pisa é de cimento, o pior para as sensíveis patas deste animais que talvez ainda tenham na memória a macieza do solo das savanas africanas. Eu sei que o mundo tem problemas mais graves que estar agora a preocupar-se com o bem-estar de uma elefanta, mas a boa reputação de que goza Barcelona comporta obrigações, e esta, ainda que possa parecer um exagero meu, é uma delas. Cuidar de Susi, dar-lhe um fim de vida mais digno que ver-se acantonada num espaço reduzidíssimo e ter de pisar esse chão do inferno que para ela é o cimento. A quem devo apelar? À direcção do zoológico? À Câmara? À Generalitat?

P. S.: Deixo aqui uma fotografia. Tal como em Barcelona há grupos – obrigado – que têm pena de Susi, na Austrália também um ser humano se compadeceu de um marsupial vitimado pelos últimos incêndios. A fotografia não pode ser mais emocionante.


Espanha negra

Por José Saramago

La España negra é o título de um livro do pintor José Gutiérrez Solana (1886-1945) de leitura às vezes difícil e sempre incómoda, não por razões de estilo ou ineditismos de construção sintáctica, mas pela brutalidade do retrato de Espanha que nele é traçado e que não é outra coisa senão a transposição da sua pintura para a página escrita, uma pintura que foi classificada como lúgubre e “feísta”, na qual fez reflectir a atmosfera da degradação da Espanha rural da época, mostrada em quadros que não recuam diante da expressão do mais atroz, obsceno e cruel que existe nos comportamentos humanos. Influenciado pelo tenebrismo barroco, muito em particular por Valdés Leal, é também evidente a impressão que sobre ele exerceram as pinturas negras de Goya. A Espanha de Gutiérrez Solana é sórdida e grotesca no mais alto grau imaginável, porque isso foi o que encontrou nas chamadas festas populares e nos usos e costumes do seu país.
Hoje, Espanha não é assim, tornou-se numa terra desenvolvida e culta, capaz de dar lições ao mundo em muitos aspectos da vida social, objectará o leitor destas linhas. Não nego que poderá ter razão na Castelhana, nas salas do museu do Prado, no bairro de Salamanca ou nas ramblas de Barcelona, mas não faltam por aí lugares onde Gutiérrez Solana, se fosse vivo, poderia colocar o seu cavalete para pintar com as mesmas tintas as mesmissimas pinturas. Refiro-me a essas vilas e cidades onde, por subscrição pública ou com apoio material das câmaras municipais, se adquirem touros à ganaderias para gozo e disfrute da população por ocasião das festas populares. O gozo e o disfrute não consistem em matar o animal e distribuir os bifes pelos mais necessitados. Apesar do desemprego, o povo espanhol alimenta-se bem sem favores desses. O gozo e o disfrute têm outro nome. Coberto de sangue, atravessado de lado e lado por lanças, talvez queimado pelas bandarilhas de fogo que no século XVIII se usaram em Portugal, empurrado para o mar para nele perecer afogado, o touro será torturado até à morte. As criancinhas ao colo das mães batem palmas, os maridos, excitados, apalpam as excitadas esposas e, calhando, alguma que não o seja, o povo é feliz enquanto o touro tenta fugir aos seus verdugos deixando atrás de si regueiros de sangue. É atroz, é cruel, é obsceno. Mas isso que importa se Cristiano Ronaldo vai jogar pelo Real Madrid? Que importa isso num momento em que o mundo inteiro chora a morte de Michael Jackson? Que importa que uma cidade faça da tortura premeditada de um animal indefenso uma festa colectiva que se repetirá, implacável, no ano seguinte? É isto cultura? É isto civilização? Ou será antes barbárie?


Esta entrada foi publicada em Junho 29, 2009 às 12:01 am e está arquivada em O Caderno de Saramago. Pode seguir as respostas a esta entrada através do feed de RSS 2.0. Tanto os comentários como os pings estão actualmente fechados.


A Racionalidade Irracional

Por José Saramago

Eu digo muitas vezes que o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie. E o instinto serve melhor os animais porque é conservador, defende a vida. Se um animal come outro, come-o porque tem de comer, porque tem de viver; mas quando assistimos a cenas de lutas terríveis entre animais, o leão que persegue a gazela e que a morde e que a mata e que a devora, parece que o nosso coração sensível dirá «que coisa tão cruel». Não: quem se comporta com crueldade é o homem, não é o animal, aquilo não é crueldade; o animal não tortura, é o homem que tortura. Então o que eu critico é o comportamento do ser humano, um ser dotado de razão, razão disciplinadora, organizadora, mantenedora da vida, que deveria sê-lo e que não o é; o que eu critico é a facilidade com que o ser humano se corrompe, com que se torna maligno. Aquela ideia que temos da esperança nas crianças, nos meninos e nas meninas pequenas, a ideia de que são seres aparentemente maravilhosos, de olhares puros, relativamente a essa ideia eu digo: pois sim, é tudo muito bonito, são de facto muito simpáticos, são adoráveis, mas deixemos que cresçam para sabermos quem realmente são. E quando crescem, sabemos que infelizmente muitas dessas inocentes crianças vão modificar-se. E por culpa de quê? É a sociedade a única responsável? Há questões de ordem hereditária? O que é que se passa dentro da cabeça das pessoas para serem uma coisa e passarem a ser outra?

Uma sociedade que instituiu, como valores a perseguir, esses que nós sabemos, o lucro, o êxito, o triunfo sobre o outro e todas estas coisas, essa sociedade coloca as pessoas numa situação em que acabam por pensar (se é que o dizem e não se limitam a agir) que todos os meios são bons para se alcançar aquilo que se quer.

Falámos muito ao longo destes últimos anos (e felizmente continuamos a falar) dos direitos humanos; simplesmente deixámos de falar de uma coisa muito simples, que são os deveres humanos, que são sempre deveres em relação aos outros, sobretudo. E é essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo do outro, que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional. Isso, de facto, não posso entender, é uma das minhas grandes angústias.

José Saramago, in 'Diálogos com José Saramago'
Fonte: http://www.citador.pt/pensar. php?op=10&refid=200401201455

domingo, 20 de junho de 2010

A casa azul


A casa azul
Ivana Maria França de Negri

Todos os dias Maria Laura era obrigada a passar em frente à casa azul. Um sobrado antigo, com as sacadas salientes voltadas para o poente.
Achava tão fria aquela tonalidade, e à tardinha, com a incidência dos raios solares, a casa confundia-se com o céu e se tornava invisível. Que esquisito! Uma casa invisível!
Por anos a fio, enquanto ia ou voltava do colégio e depois enquanto fazia o caminho de ida e de volta do trabalho, a casa azul a intrigava, sempre fria e deserta, apenas o gato siamês de olhos tão azuis quanto as paredes, dormitava no muro aproveitando o ar fresco das tardes, era o único a dar sinais de vida.
Diziam que a casa era habitada por uma senhora desiludida da vida porque perdera seu grande amor num acidente, pouco antes do casamento. Nunca a vira nestes anos todos, reclusa que era, prisioneira da própria casa.
O gato continuava sendo visto, ora no telhado, ora no muro, outras vezes caminhando ou correndo atrás de algum inseto nos gramados do jardim.
Nunca soube explicar o porque daquela casa exercer um fascínio tão grande sobre ela.
Naquela tarde, como em tantas outras, passando em frente à casa azul, viu o portão abrir-se e emergir dele um par de olhos tão azuis quanto os do gato e as paredes da mansão. Ficou tão atrapalhada que derrubou a pasta e os livros que carregava.
O moço de olhos de céu ajudou-a a recolher o que derrubara, abriu um enorme sorriso e ficaram conversando por longo tempo, nem sabia precisar quanto. Estava hipnotizada por aquele olhar azul. Ficou sabendo que a senhora falecera e ele era o único sobrinho e herdeiro dela. O sobrado, os móveis e certamente o gato, agora lhe pertenciam.
Como o mundo dá voltas! Depois de um ano de tórrida e fulminante paixão, os dois se uniram e vieram morar na casa azul, não sem antes pintarem-na de cor de rosa.
E chegaram as lindas crianças trazendo mais cores, alegria e movimento àquela casa. Gritinhos infantis ecoando pelas paredes outrora azuis. O frio do anil, substituído pela quentura do rosa. E quando chegava a tardinha, abraçada pelos raios solares, a casa refletia todas as cores alegres de um arco-íris.
E nunca mais se tornou invisível.

sábado, 19 de junho de 2010

Mulher, futebol e carro


MULHER – FUTEBOL E CARRO
Plinio Montagner

Os homens não gostam de ver mulher fazer serviços “masculinos”. Carro e futebol, por exemplo.
Essa história de mulher lavar carros, examinar óleo água e pressão dos pneus, é para marido, filho, genro, ou o frentista mesmo. No máximo elas devem saber qual o combustível do veículo. Trocar pneus nem pensar. O carro vai cair do macaco, vai rolar por alguma ribanceira, vai rodar sem motorista. Tudo pode acontecer, e alguém vai morrer ou cair no rio.
Mulher mistura muito as coisas. Quando estão dirigindo, principalmente. Guiar é guiar. É como beber e dirigir. Celular, espelhinho, batom, pensar em assuntos diferentes do ato de dirigir, não dá. Aí não percebem os sinais de trânsito nem os motoqueiros imprudentes.
Mulher tem muito mais a ver com administração da casa, cuidar dos filhos, dos netos, e, por que não, do marido. Fora do lar podem – e devem – trabalhar, mas elas ficam sobrecarregadas porque passam a ser preocupar com muito mais coisas.
Marido não ajuda muito, não são bons em serviços de casa. Marido em casa atrapalha.
As mulheres já deixaram muitos homens desempregados.
E agora, além disso, querem entender de futebol? E até jogar futebol? Desculpem-me, senhoras e senhoritas, estão tirando emprego dos homens também na TV. Apresentadoras, entrevistadoras, comentaristas; mas não sabem a diferença de escanteio e tiro de meta, o que é um ala, um volante, ponta de lança, zagueiro, nem nomes de jogadores.
Tem mulher árbitro, bandeirinhas. CHEGA! Futebol não é a praia delas. Deixem esse assunto para os homens.
Em casa, além de não sentirem nenhuma emoção de verdade por futebol, atrapalham demais a gente. Ficam naquele passa-passa na frente da TV, sempre na hora do gol. Elas deviam visitar a mãe ou irem ao shopping nessa hora.
As mulheres estão “se achando muito”... e estão copiam tudo dos homens.
Andam de bicicleta, pilotam motos, cavalgam, lutam box, participam de corrida de carros. Algumas ousam até dirigir caminhões, carretas, ônibus, maquinistas (de trens), pilotar aviões a jato. Arre! Chega!
Mas não param aí. Delegadas! Revólveres na cintura e na bolsa, enfrentando bandidos.
Estamos ficando para trás mesmo.
O jeito é aprender a fazer compras da casa, cozinhar, lavar e passar, trocar fraldas. Mas, alguém conhece um homem (normal) que faz isso? Que faz tortas deliciosas, pudins, bolos e limpam casa?
Ora, os homens não se metem em coisas de mulher.
Quando crianças e adolescentes tinham medo de cigarras e borboletas, agora, perseguem bandidos e caminhões?
Sumiram as mulheres bordadeiras, cozinheiras, doceiras, copeiras, arrumadeiras, camareiras, lavadeiras.
É verdade, seria mais adequado se as mulheres se relacionassem com escola, magistério, balé, dança, teatro, cinema, culinária, literatura, filosofia, ciências exatas, medicina, odontologia, fisioterapia... Vejam quantas áreas elas podem abraçar. São tantas as escritoras famosas, médicas, juízas, promotoras, artistas plásticas, arquitetas, físicas, biólogas etc.
Deixem o futebol e a direção de veículos para os homens.
Os filhos andam agora meio perdidos.
- Bruna, sua mãe está?
- Num sei... Acho que ela foi jogar bola.
-E seu pai?
-Tá passando roupa!
(Brincadeira...)

Saramago - Morre o escritor, perpetua-se a obra


Morre o escritor, perpetua-se a obra


Detentor de láureas importantes como o Nobel de Literatura e o Prêmio Camões.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A Roseira


A Roseira (in Tardes de Prosa)
Leda Coletti

Esmeralda, senhora idosa, sempre cultivou flores em seu jardim. Este, embora pequeno, possuía um roseiral enfeitando a fachada da casa. Não havia transeunte que não se encantasse com tal tela viva.
Sua afilhada, Adélia, era uma das poucas pessoas que recebia algumas rosas como presente, e ainda somente nas ocasiões especiais. Foi assim no dia da primeira comunhão, da formatura no magistério e, claro, no seu casamento. Seu buquê de rosas brancas, ofertadas pela madrinha, foi o mais bonito de todas as noivas daquela cidadezinha.
Mas como ninguém é eterno, Esmeralda, após rápida doença, entregou sua boa alma ao Senhor.
Sua casa foi vendida e no local construíram várias lojas para alugar, pois o progresso já começava a chegar e, com ele, as inovações. Adélia, muito triste relembrava com saudade aquela moradia tão florida.
Felizmente, no meio dessa tristeza, havia momentos de alegria, isso porque no seu pequeno quintal, crescia uma roseira, plantada pelas mãos de fada da madrinha Esmeralda. Recorda sempre como ocorreu esse plantio. Esta ganhara de presente, no seu último aniversário, um lindo ramalhete de rosas vermelhas. Passados alguns dias dessa data festiva, disse à Adélia:
_ Estas rosas me tocaram muito e eu quero plantar esses galhos para você. Oxalá eles vinguem e muitas flores você colherá.
Realmente, eles brotaram e a presentearam com as mais belas rosas. Mas o que a emocionava mais era a magia que revestia o aparecimento delas. Eram rosas diferentes, pois floriam apenas em ocasiões especiais de sua vida, e também nas de pessoas queridas.Foi o que ocorreu na data de suas bodas de prata; também no nascimento de sua primeira neta.
Emocionou-se às lágrimas e, ainda mais, quando seu filho caçula passou no vestibular e chegou abraçando-a, dizendo:
_ Eu sabia mamãe que seria aprovado. Eu pensei que se a rosa plantada por D. Esmeralda, desse flor, significaria que iria bem nas provas. Fui bem cedo até o quintal e ela exibia um botão semi-aberto; fiquei confiante e, agora, conferindo o gabarito, vi que acertei quase todas as questões.
Adélia foi convidada pelo filho Ricardo para juntos irem ao quintal e, extasiados, depararam com a rosa, cujo vermelho vivo enfeitava aquela manhã radiosa.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Redenção de Eva

REDENÇÃO DE EVA (in Tardes de Prosa)
Dulce Ana da Silva Fernandez

Ainda hoje o papel intelectual da mulher na sociedade
brasileira não corresponde à sua verdadeira importância”.
Luiz Rufatto- escritor e jornalista

Após flagelo amarelo, com tantas mortes acontecidas em sua morada, nas últimas semanas, Maria Antonieta, corajosa mulher italiana, sentiu fugirem momentos felizes vividos no primeiro casamento. Restava somente um travo de amargura no coração.
A terra havia se fechado sobre entes queridos, que, embrulhados em lençóis, foram levados em carroças sobre cadáveres amontoados: sem flores, sem velórios e sem despedidas. Somente ela e a criança que carregava no ventre conseguiram sobreviver.
O clima de sofrimento, revirando melancolias, transformara-se num invólucro de desespero: De quem ouvir conselhos? Olhares meigos, mãos acariciantes, ombro amigo? A bondosa mãe, tão distante, lá na Itália...
Sozinha no Brasil! Grávida! Agora, a sua própria vida era um milagre! De um sonho tenebroso despertava. Pesadelo! Onde esperanças de um futuro promissor? Nada.
Triste viúva! Abalada com as ocorrências. O que a esperava e o que queria, como mulher, daquela época? Sua maior preocupação, para se manter de cabeça erguida, estava num outro casamento, nova união.. Alguém que oferecesse companhia e bem-estar, principalmente para a criança que iria nascer. E para tão grande e significativo acontecimento na sua vida, pedia bênçãos de Deus. Não tinha alternativa.
Não hesitou, pois poderia, a partir de outro casamento, enfrentar com mais segurança as dificuldades que fossem surgindo.
Quem seria o companheiro? Podia ela perguntar-se. E já sabia a resposta: que embora, desconhecido, era a pessoa mais importante do mundo, e no momento, nenhuma mulher talvez a compreendesse...
Naquele tempo era o juiz de Paz da cidade quem cuidava das aproximações. Ajeitava os casais... Arrumou então, um italiano trabalhador como o consorte ideal.
Aguardava que ele lhe desse apoio, base segura com amparo e tranquilidade. E o casamento foi realizado. Sem mesmo ela ter tido tempo para sonhar. “Oh! meu Deus”...
Olhos sem brilho de noiva. Sem comer doce fatia de bolo de casamento. Apenas à espera da bondade, da mão amiga... Mesmo assim, a sua alma estremecia de gratidão.
Orientada para o casamento e a maternidade, Maria Antonieta sabia que mulher sem virtudes não podia ser nem esposa nem mãe.
Novo companheiro, afável e amoroso! Nada a perder. A lei dos homens estava ali para protegê-la. Deus quis assim e, assim foi feito. Seria boa esposa e boa mãe
Primeiros tempos de casada. Ele a reconhecia como eficiente e prestativa esposa.
Alguns meses, após o segundo casamento, era de madrugada, quando sentiu as dores do parto e chamou a parteira...
Parto normal. Belo menino repousava ali, ao seu lado na antiga cama de ferro, sobre colchão de penas de galinha, forrado por modesto lençol de saco alvejado, coberto por colcha terminada em franjas. Luiz fora o nome escolhido. A criança fitava-a com um par de olhos claros e tranquilos.
Alguns dias de molho, nem era bem uma dieta Pressa de sair do resguardo e fazer os trabalhos de casa, embora ficasse de meias e sem lavar a cabeça por quarenta dias. Gostava nesse tempo da canja grossa feita com a gorda galinha caipira. Tinha medo de alguma sequela da dieta, de ficar doente. Dar trabalho! Nem pensar!
Casada. E o pequeno ser? Aceito. Bem recebido pelo esposo no modesto lar. Então, a solidão desapareceu dos frágeis ombros. Chama da autoconfiança, felizmente flamejou...
Os anos se passaram e Maria Antonieta mantinha o bom humor e a vitalidade, mas sempre em débito com ela mesma, renunciando a si própria, abrindo mão de tantas coisas.
Embora para Rufatto, ”Ainda hoje o papel intelectual da mulher na sociedade brasileira não corresponde à sua verdadeira importância”, a cada dia, a figura feminina se renova. Vem galgando novas posições, transpondo obstáculos e rompendo velhos preconceitos. Obteve com muita garra as maiores conquistas. Revolução na vida profissional? Sim. E em seu papel na sociedade.
Adeus aos velhos modelos como o de Maria Antonieta, minha avó, que foi um belo retrato da mulher do começo do século passado.
Enfim! Eva conseguiu livrar-se, em grande parte, das penas do inferno.

Resgate de um Tempo Bom!

Pintura de Elile Munier

Resgate de um Tempo Bom! (in Tardes de Prosa)
Leda Coletti

Corria pelos campos verdes, descalça, cabelos esvoaçantes, com a cabeça descoberta, absorta em seus pensamentos, os quais se ligavam ao seu ambiente campesino.
Seus brinquedos eram cacos de louça e ágata, que serviam de utensílios para sua casa de mentirinha. Quando não vinham as amigas, suas vizinhas, brincava só com sua boneca de pano, a qual era sua filhinha. Para fazer a comida de ambas, utilizava-se de folhas de verduras, legumes; para o chá da tarde preferia as ervas medicinais, colhidas na horta, ao lado da casa de seus pais. Dizia a todos que gostava muito de mudar de residência. Era comum vê-la, levando os seus utensílios para debaixo do pé de jatobá, ou para o porão do velho casarão, e até mesmo, para perto da porteira do estradão.
Quando se cansava de entreter-se com esses folguedos, viajava para o céu. Era tão fácil ir até ele! Escolhia dias em que predominava o azul, com nuvens brincalhonas. Era só ficar de cambalhota, para se encantar com o mundo de cabeça para baixo. Embora usasse vestido rodado, que lhe cobria parte do rosto, podia admirar as nuvens em forma de bichos. Naquele instante era de um esperto coelho. Este corria muito, talvez, por causa de outra grande, parecida com o leão. Houve um dia, em que pensou ter visto um anjo tocando uma harpa, que descia em sua direção. Retornou à posição natural e viu que se tratava de um sabiá, cantando no alto do jatobá.
Mais adiante, observou algo diferente no ipê, ao lado da porteira. Era uma casa do João de barro. Mais uma vez ficou intrigada. Sua tia lhe dissera, que esta possuía vários cômodos e, ela do local em que se encontrava, só via uma estreita entrada, na qual o passarinho deveria passar apertadinho. Já está até arquitetando uma possível visita, quando vierem as amiguinhas; quer inteirar-se de como é realmente. Aquela escada comprida no porão da casa, vai ajudá-la a decifrar aquele mistério. Mas, seus pensamentos são interrompidos para atender ao chamado da mãe. Antes de ir ao seu encontro, pega sua boneca de pano, que deixara no banco do jardim.Muito alegre abraça a mãe, que a aguarda.
Assim é a infância: um não fazer nada feliz!

O príncipe-gato (in Tardes de Prosa)


O PRÍNCIPE-GATO
Dirce Ramos de Lima

Comparar homens bonitos com gatos é uma discrepância sem limites: os gatos são muitos mais lindos, dedicados , carinhosos e..melhor companhia!
Certo é que existem gatos e gatos. Tive um que chamamos de Mocorongo. O coitado era meio besta mesmo.Não parava em casa, não via obstáculos pra sair. Quando lhe batia a vontade de vadiar ninguém o segurava. Um monte de pessoas na calçada e lá ia ele correndo entre as pernas de estranhos.
Quantas vezes voltava esfolado, machucado, sem a gente saber o que lhe acontecera.Certa vez entrou na máquina de lavar roupa da vizinha, num buraco, por baixo.E, foi o maior sufoco pra fazê-lo sair...
Era preto, pretinho de olhos verdes. Gordo igual o Garfield. Guloso, comia de tudo,macarrão, frango, ração.Tinha um miado especial , tão bonito! E, como todo felino que se preza, sabia quando e como ganhar toda atenção e carinho que merecia.Só tinha o defeito de ir e vir e tanto foi que de repente não veio mais.Que Deus o tenha como bom companheiro!
O gato que vive comigo agora é diferente. Um príncipe! O que marcava o outro como vagabundo, sobra neste em nobreza.Jamais andou pelas calçadas: nem de casa sai.Quando muito arrisca um olhar superior sobre os transeuntes .
Passem, passem, desfilem e sigam seus caminhos.Do terraço ou da sacada da janela, tudo vê e tudo sabe.Depois arrisca um bocejo, volta pra sala,calado, vagaroso deita-se no sofá e dorme tranquilo.
Não lhe falta educação e higiene.Comer? Só ração e olhe lá, se não lhe apetece, enjeita.Sabe muito bem do que gosta, Toda vez que pára e me olha
interrogativamente, já entendo: alguma coisa de anormal está acontecendo.
Brinca muito! Caçador, pega baratas , lagartixas e até insetos voadores. È bonito vê-lo saltar e caçar mosquitos em pleno voo. Necessidades só faz na caixa de areia.A não ser, é claro,que eu o esqueça e distraidamente o abandone por algum tempo.Dai é capaz até de fazer xixi no meu colo e então a mocoronga sou eu.
Percebe qualquer novidade na casa e dá logo sua opinião; eu sou mais importante! Foi assim que quase sofreu uma cirurgia desnecessária. Não é que ao invés de urinar em qualquer lugar, negou-se.Quero dizer: ameaçava, me olhava, olhava, ameaçava , ia, voltava e nada.
Comecei a me preocupar. Estranhei também que ele não miava diferente, nada. Só ameaçava fazer e não fazia.Consultei o veterinário, por telefone, que , mesmo sem vê-lo, diagnosticou. E combinamos vir buscar o gato pra colocar uma sondinha no pipizinho dele. Ai! Que horror! Mas, se for necessário...( não foi! Era só charminho novo: ciúmes do computador...)
Apiedei-me. Tão pequeninho, tão delicado. Logo ele que nem suporta a aproximação de homens!E o coraçãozinho, então! Dá pra senti-lo aos saltos quando ouve os malditos rojões. Esconde-se onde pode, e muitas vezes, no meu colo. Se a campainha tocar e for homem ele se afasta e se esconde como se dissesse: nada a declarar!
Bom , se chegar um homem e ele não se retirar é porque o homem não é homem de verdade. Só engana!Dizem que ele fareja o tal de hormônio masculino...
Se chegam mulheres ele faz a corte: vai se aproximando devagar, miando baixinho, olhando , conquistando.
Já tem oito anos e é puro. Tenho certeza. Nunca foi á rua, nunca teve onde procurar gatas, nunca sai de casa, nunca namorou. Pensei, muitas vezes, em lhe arrumar uma companheira.Tive medo de perdê-lo. Ele pode passar a me odiar por encará-lo como um gato comum e castigar-me, sei lá como( desconheço todos seus trunfos!).
Bem, terminadas as devidas apresentações, entendam agora o fato acontecido.
Por sua própria culpa e vontade, geralmente levanto-me de madrugada. Ele prefere o ar puro da manhã para suas pesquisas exteriores. E logo cedinho começa o desfile da plebe ( o povo vai trabalhar...)
Molho as plantas( gerânios, samambaias...) e deixo o príncipe divertir-se.Muitas vezes me pedem mudas daquilo que nem mesmo sei cultivar.Só planto e deixo a natureza agir. Algumas crescem tanto e ficam tão lindas que me surpreendem...Graças á Deus !
Mas, qual não foi minha maior surpresa quando uma senhora que por aqui passa diariamente fez o pedido mais estranho que poderia imaginar!
Ela quer um filhote do meu precioso gato!
Impossível! Jamais conseguiria! Ele é único, original, sem descendentes! Seu reinado termina aqui . Não há, nunca houve nem haverá filhotes!
Cobicem, invejem e se contenham. Alegrem-se comigo ao vê-lo de manhãzinha exibindo-se e miando suavemente pelas sacadas das janelas.Educado, mágico, misterioso, nobre: "ele, só ele: é o príncipe dos gatos!"

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Eu não quero ser chique!


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Eu não quero ser chique!
Ivana Maria França de Negri

O inverno chegou. A temperatura cai alguns dígitos e as pessoas já começam a procurar nos armários os abrigos, mantas e cobertores.
Com o clima mais ameno, o vestuário mais pesado como blazers, paletós e as lindas estolas de crochê, última moda, faz com que as pessoas fiquem mais charmosas.
Mas certas peças usadas no inverno, que os estilistas insistem em ressuscitar todo ano, os casacos de pele, são no mínimo de gosto duvidoso, e o fato de usá-las, um ato antiecológico.
O que há de belo em envolver-se com a carcaça de um animal que foi morto com crueldade para a retirada de sua pele? Deus criou para ele a linda pelagem e ninguém tem o direito de lhe tirar a vida apenas para se apossar de sua pele. E todos sabemos a maneira desumana como isso é feito.
Focas filhotes são mortas a pauladas diante das mães desesperadas, que nada podem fazer para salvar as crias. Em época de matança, as areias das praias se tingem de vermelho. Correm por elas rios de sangue. É uma selvageria que não dá para compreender, pois vem dos humanos, ditos racionais, apenas para que algumas mulheres fiquem mais “chiques” no inverno, pagando preços altíssimos para obter peças desse mercado oriundo da morte.
Nas criações de chinchila e de outros animais de pequeno porte, são necessários dezenas deles, em alguns casos, centenas, para se fazer uma única estola. Os animais são colocados em compartimentos molhados e em seguida eletrocutados. Alguns são mortos por asfixia. Outras indústrias mais cruéis, não querem gastar um tostão a mais para dar morte menos dolorosa e mais digna, e despelam o animal vivo. Cortam as quatro patas e descarnam a pele, jogando o que resta dele ainda em convulsões, em câmaras incineradoras, como se fossem meros objetos e não seres vivos, de sangue quente, que sentem dor, medo e pavor como os nós, humanos (?). A ganância em obter lucro nesse comércio fala mais alto do que a ética.
Na idade das cavernas era admissível o uso de peles porque existiam apenas o homem primitivo e o animal, num confronto de igual para igual, naquele mundo restrito.
Não vejo graça alguma em usar peles de animais. Tantas damas chiquérrimas, que não deixam seus filhos terem animais de estimação porque dizem que pêlo dá alergia, guardam bichos mortos em seus armários ou os tem sob os pés como tapetes. Peles emboloradas, cheias de ácaros, cheirando a mofo e naftalina. Talvez elas nunca tenham parado para pensar nessa insensatez. O que há de belo na morte cruel de um ser que tinha um coração semelhante ao dos humanos pulsando dentro do peito, apenas para roubar a sua pele?
As pessoas são muito incoerentes. Às vezes, morrem de dó de um cachorrinho na rua, mas fecham os olhos para outras atrocidades e são coniventes com esses crimes.
Se o preço de ser “chique” é esse, não quero ser chique não! Mil vezes usar tecidos e peles sintéticas que não trazem embutidos em sua história sofrimento, sangue e dor.
Terceiro milênio. O costume pré-histórico de se usar peles não tem mais razão de ser. A tecnologia avançada cria tecidos das mais variadas texturas e cores, de beleza e praticidade incríveis. O preço da vaidade é alto demais. Custa muitas vidas inocentes e causa sofrimentos que poderiam perfeitamente ser abolidos, ainda mais quando temos a consciência de que muitos desses animais estão na lista negra da extinção.