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terça-feira, 27 de outubro de 2020

MEU GATO

 



            Maísa Alcantara da Silva (10 anos)

 

O meu gato

Não gosta de rato

Ele corre atrás

E não deixa o rato em paz!

 

Eu amo o meu gato

Ele é muito preguiçoso

Mas também é muito amoroso!

 

Ele me corresponde

Me  dá carinho

Não sabe viver sozinho!

 

Dele  não abro mão

Porque  mora no meu coração!

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O PÉ GRANDE E O AZULÃO




                                                           
LUZIA STOCCO


            – O Pé Grande morreu! O Pé Grande morreu! – gritava uma garotinha correndo na rua.
            Ele, o morto, o Pé Grande, não podia acreditar que haviam aberto a portinhola da gaiola e, seu azulão, tão amado, escapara. Mas de que adiantava lembrar-se disso agora?! O cortejo prosseguia. Carroças, charretes, muitos a pé, seguiam em direção ao centro da Vila Bota Grande. Ninguém ia a sua frente. Pela primeira vez todos estavam atrás dele – até a esposa do prefeitinho Batias. Pezão era o primeiro – prioridade de morto – atentou ele. E, além de soltarem seu pássaro, jogaram fora sua única garrafa de pinga. Agora, continuava com sua meia furada, tão velha. Pediu, na Hora H, que o preparassem para o enterro com a mesma meia, a única que lhe cabia. Pé Grande, filho de coronel falido, também falido, temido pela fama dos pés.
 No passado, até arqueólogos renomados confundiram-se com o dito achado de marcas ressecadas dos seus passos no solo. Então fizeram um ágil pedido para concessão daquele sítio arqueológico seguido de frustração dos estudiosos.
Sua vida social e religiosa era limitada, pois lá se vedavam a entrada de pessoas descalças nos recintos, ainda mais um senhor descalço. Artífice algum acertava as medidas de uma botina ou de um chinelo que fosse. Às vezes, arrastava um chinelão por onde ia, expondo o calcanhar ao léu, mas o problema foi mesmo a unha encravada! Quem se prontificava a desencravá-la?  Até o nome do vilarejo lhe cabia. Por ironia: Bota Grande.  “Para a unha encravada o bom é jogar álcool temperado com ervas e sal grosso, ou, pinga! Mas qual?!? A minha esposa jogara fora a garrafa e, provavelmente, meu pássaro Azulão escapulira por suas mãos atrevidas também”, matutava Pé Grande.
            Alguns jovens o chamavam de "o patinador". O vizinho espanhol o chamara numa ocasião para matar, à patada, uma cobra em sua cozinha. Ele não foi. “Que se salvem as cobras, oras bolas!” Pé Grande tinha outra identidade: Agenor. E um sobrenome bem propício: Sola Quente. As trilhas de saúvas fugiam dele, mas quantas delas foram dizimadas por uma só pisada, no meio do mato ou na estrada, e olhe que ele tinha boa visão! Porém, lembre-se, cara leitora e leitor, ele não era um gigante, apesar dos pés.
            Agora no final, o cortejo fúnebre aumentava. Todos se espremiam para espiar sua expressão, quer dizer, a posição dos ditos cujos – rijos, brancos, com meias rasgadas, sobressalentes para fora do caixão. Uma fotógrafa destemida pediu à família para fotografar os pés sem as meias – Pé Grande não tivera tempo de cerzi-las – A tal fotógrafa queria uma foto exclusiva. A família pequena: esposa, irmão, irmã, uma sobrinha, um sobrinho e o velho Azulão (que voltara para despedir-se, tinha-o desde a mocidade) não deram permissão; aí já era expor demais o pobre homem.
Algumas crianças choravam vendo alguns adultos chorando sobre o caixão. Alguns jovens choravam, pois  sentiriam falta  da  única atração  da Vila;   velhos    se entristeciam pelo vácuo no
banco sob as mangueiras da pracinha, onde ele era o protagonista dos bate-papos. A jovem sobrinha não fora ao cortejo por vergonha do tio, e nem era tão dada com ele. Um dia, há tempo, ele chutou a bunda dela por brincadeira e imaginem onde ela foi parar.
Ainda não acabara o enterro e alguns, os mais ansiosos, já almejavam uma nova distração, algo diferente para a região. Por que o singular, o diferente, incomoda? Somos todos singulares, mas a noção de alteridade passa longe.
            Ao fechar-se o caixão um vulto infundiu-se junto ao corpo inerte: "se estive preso engaiolado a vida toda de que me serve a liberdade agora que sou velho? É que nem aquela velha lei humana, a dos Sexagenários, que em 1871 o Império libertou os escravos acima dos sessenta anos livrando os fazendeiros da carga desses velhos, colocados ao relento, se chegassem vivos até aí!! Piada de mau gosto, isso sim! Comigo a coisa é diferente.
 – Não quero morrer sozinho e abandonado, vou com o Pé Grande – decidiu o pássaro. Ninguém suspeitou. De repente, a janela do caixão, semifechada devido a curta envergadura dos pés começou a tremer. Abriram assustados e nada. De novo e de novo! Jogaram o caixão no buraco e todos correram desesperados. O pássaro bicava os pés do amigo, que sempre teve excessiva cócega e aquele nunca soube, e se remexia. Era o último agrado, a despedida. Deitou-se com as asas bem acomodadas, no bolso do paletó e esperou, esperou.

Página literária no face  @lustoccoliterata



sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Eternas crianças


Plinio Montagner

Ante cada novidade somos sempre eternas crianças.
Aprendi que quanto mais vivemos mais lembranças acumulamos, e que o sentimento saudades não é exclusivo de pessoas idosas. Quem tem mais lembranças é porque teve mais experiências, viajou mais, leu mais, estudou e trabalhou mais, ou, simplesmente, porque não morreu jovem.
Falar muito do passado não é peculiaridade de quem está avançado em anos. Muitos jovens, de décadas a menos em idade vencem muitos nonagenários em relação à quantidade de fatos e histórias arquivadas em seus currículos.
Uma verdade: existem moços velhos, e velhos moços.
Se as novidades não surgissem, se tudo acontecesse do mesmo jeito, se ficássemos a vida toda no mesmo lugar, nossa memória estaria empobrecida, vazia. Felizmente a natureza muda, a terra, os valores, os costumes, a moda, os caminhos, os métodos, as leis, as pessoas, tudo muda.
Por enquanto as mudanças geológicas não vão alterar tão cedo a vida na Terra. O galo do quintal do vizinho vai continuar cantando do mesmo jeito, o gato miando no mesmo tom, o porco fuçando o chão e se alimentando a sua maneira, as aves fazendo ninhos sem projetos a fazer inveja aos talentosos arquitetos.
O Universo é tão antigo que pela idade geológica o inicio da vida do homem no planeta foi ontem. Antes da eletricidade nossa vida não era muito diferente, nossa sala de jantar era a mesma, as mesmas camas, a mesma cômoda, os mesmos remédios, lampiões e castiçais.
O escritor Rubem Alves sugere uma reflexão. Conta que quando era adolescente seus pais tinham uma cadela que quando era novinha, de repente, sem nenhuma razão especial, se punha a correr e a saltar como doida, em círculos, pela própria alegria de viver.
E nós, se temos mais motivos e recursos para sermos alegres e felizes, por que rimos pouco com mais bens e conforto?
O escritor faz ainda uma interessante comparação entre a lamparina e a lâmpada elétrica. Lamparina qualquer um faz. E uma lâmpada?
A inteligência, o trabalho, as doenças, as guerras, a curiosidade, o acaso, tudo foi causa de nossa vida ser agora mais confortável e aconchegante.  Quanto tempo passou entre o abandono da carroça e a adoção do automóvel?
Somos privilegiados por termos nascido nestes últimos séculos. Saímos da caverna para o asfalto, do forno à lenha ao aparelho de micro-ondas, da obscuridade à luz.
O homem está extasiado ante tantas mudanças e ao que é bom. E voltou a ser criança, brinca com o celular novo, é feliz pela nova plástica, com o carro novo, a casa nova...
O lado ruim é que a imaginação e a capacidade de enxergar sem ver empobreceram, e nossa poesia não brota mais em nós, ela vem de fora, e pronta, transmitida pela tecnologia de uma televisão.
Mas ainda não mudou o prazer de chupar uma laranja de tampa e uma manga do jeito das crianças. 

sábado, 10 de outubro de 2020

OS PIANOS



Ivana Maria França de Negri

  

Nas décadas de 50 e 60 era muito comum as famílias terem um piano num lugar privilegiado da casa, principalmente quem tinha filhas. Fazia parte da educação aprender um instrumento musical.

            Nós tínhamos dois pianos alemães. Um de cor clara, marfim, que era da minha tia, e outro de cor mais escura, mogno, da minha mãe.

            Eu e minhas duas irmãs tínhamos aulas particulares em casa. Lembro-me das professoras Edwiges, Sílvia e também tive aulas com dona Gerdes, na casa dela, que morava a um quarteirão da nossa.

            Quando minha tia ficou viúva, os pianos emudeceram, éramos proibidas de tocar. O luto impedia qualquer demonstração de felicidade, já que música é pura alegria! Aos poucos tudo foi voltando ao normal, e os pianos, trancados a chave, foram liberados para terem suas teclas dedilhadas novamente.

            Além das clássicas obrigatórias, eu gostava de tocar músicas “de ouvido”, as da Bossa Nova, Jovem Guarda e até dos Beatles.

            Eram tempos em que as pessoas se visitavam frequentemente. Lembro-me que entre bolos, biscoitos e café, as visitas também degustavam nossas músicas, num concerto exclusivo. Dona Carolina, comadre da minha mãe,  sempre ia nos visitar e gostava de ouvir nossas pequenas sinfonias.

            A casa da minha futura sogra ficava em frente à casa dos meus pais. Eu tinha 13 anos e me lembro que abria o postigo de vidro da porta da frente e tocava a música Tema de Lara, do filme Doutor Jivago, quando meu paquera de 17 anos (o Cássio, que veio a ser meu marido) voltava das aulas do Sud Mennucci. Nunca havíamos conversado, mas a música que eu tocava ao piano nos unia, pois havia dias em que eu não tocava e ele passava assobiando a mesma música. Era um encontro de almas, sem conversas ou toques. Tudo de longe. Antigamente se dizia amor platônico, hoje dizem que é virtual.

            Namoramos, nos casamos e fomos morar em Brasília. Fiquei longe das teclas por um bom tempo, atarefada com os filhos que chegavam, e quando vinha para Piracicaba, mal tinha tempo de dedilhar algumas músicas.

            Minha tia dizia que o piano dela um dia seria meu  e o da minha mãe, ficaria para  minha irmã caçula, já que a mais velha ganhou um do marido, pois nunca deixou de tocar, e em sua casa todos têm o dom musical.

            Minha tia faleceu e treze  anos depois faleceu minha mãe. E os pianos ficaram na casa do meu pai por mais onze anos, sem que ninguém tivesse coragem de tirá-los de lá, pois faziam parte dela. O piano escuro que ficava na sala de jantar serviu nesses anos todos de “comunicação” entre os filhos. Tudo era deixado “no piano”. Onde estão as chaves? Em cima do piano! Onde estão as contas para pagar? Sobre o piano! Lembranças de viagens eram deixadas sobre o piano com os nomes.  Assim como os ovos de Páscoa deixados sobre o piano, presentes de aniversário, de Natal, recados, flores. Era um móvel democrático que servia para tudo, menos para ser tocado...

            Meu pai partiu em meados do ano passado. Resolvemos chamar um especialista para avaliar a situação dos pianos a fim de  restaurá-los. Ele chegou com sua maleta, como se fosse um médico e deu o diagnóstico:  não há a mais remota possibilidade de serem restaurados. Os cupins tomaram conta da madeira e a ferrugem das partes metálicas. Ficaria muito mais dispendioso restaurar do que comprar um novo.

            Tudo tem seu tempo na face da Terra, diz o Eclesiastes, e o tempo desses pianos passou... Agora, só o catacacareco saberá o destino desses pianos. Para nós, restarão apenas os acordes mágicos de um tempo feliz da infância e juventude ecoando em nossos ouvidos e para sempre em nossa memória...


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domingo, 4 de outubro de 2020

RAZÃO E APEGO



Plinio Montagner

Quem não se dispõe a ser imprudente não merece se apaixonar. Shakespeare afirmou que o amor é cego. Nietzsche profetizou que há sempre alguma loucura no amor e uma razão na loucura.
No palco do amor o interesse por cativar o outro vem primeiro; a conquista completa o círculo. Mas por que alguns vitoriosos têm a mania de aprisionar o que foi conquistado? Medo de perder ou ausência de confiança?
Em verdade o ciúme é falta de confiança em seu potencial para manter a reciprocidade de uma afeição, pois quem não liberta o outro só demonstra incompetência de sustentar e segurar o afeto da conquista.
O amor de verdade não prende, ao contrário, abre as portas, enquanto as paixões não pensam assim. São tiranas, opressoras. Ciúme é, no final das contas, um tipo de amor próprio ferido.
Então, por que amamos uma pessoa e não outra? Por que nos aproximamos de alguém e ignoramos outro?
São os mistérios da paixão lembrados no verso da canção - Aos Pés da Cruz -, de Marino Pinto, que cita o célebre aforismo do filósofo francês Blaise Pascal: “O amor tem razões que a própria razão desconhece”.
Como explicar o fato de uma pessoa bonita, formada nas melhores escolas, inteligente, de família exemplar, com um bom emprego, que domina vários idiomas, que conhece a arte, com um bom saldo no banco e gosta de viajar, com um currículo desses, por que está sozinha? Será por desencanto ou opção?
É claro que na relação amorosa qualidades e defeitos não são créditos nem débitos. Não se ama porque o outro é isto ou aquilo. O amor não possui prudência nem opta por caminhos melhores. E à razão submissa, resta apenas lamentar, apenas isso, porque é palavra morta.
No amor é assim que funciona: Não se ama nem se rejeita o outro pelas qualidades ou defeitos. Se assim fosse, abstêmios, pessoas belíssimas, jovens, ricas e honestas teriam filas de pretendentes à sua porta.
O sentimento amoroso é uma bala perdida, uma flecha sem destino, sem alvo premeditado. A motivação do romance decorre da química, do magnetismo, do cheiro, do sorriso, da incoerência da desafinação e das notas fora do compasso.
Por que uma moça não despacha o namorado que não emplaca nos empregos, que está sempre sem dinheiro, é impontual, desleixado, vagabundo, que põe a primeira bermuda que encontra e não se lembra de aniversários, mas se derrete quando é tocada por ele?
E o jovem, bonito, com educação esmerada, bem formado, um bom emprego e qualidades que todo sogro deseja para uma filha, o que leva esse jovem a se apaixonar por uma moça cheia de si, petulante, afetada, perdulária, ruim de papo e, talvez, não tão esplendorosa?
Todas as pessoas têm defeitos, até que se apaixone por uma, disse um filósofo das paixões.

“O amor é como o mercúrio na mão. Deixe a mão aberta, e ele permanece; aperte, e ele escapará”.
(Dorothy Parker -  escritora americana)