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terça-feira, 30 de junho de 2015

De todo...


Alfredo Cyrino

De todo lo que quise
y no me fue dado ser,
podría y no lo quise,
procuré sin encontrar,
atiné sin esperar,
pretendía y no lo realicé,
causé sin pretender.

De todo tuve,
del bien y del mal,
del merecido y no recibido,
del inmerecido y sobrevenido,
del furioso clamor no comprendido.

De todos los que
amé, apacigüé, amparé, herí,
no me aceptaron como así nací,
(mientras sólo deseé comprensión
y siquiera la hallé en mi corazón)
simplemente, sin adiós, partiré,
alma entristecida,
no la serené.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

ENIGMA


Dirce Ramos de Lima

     Morreu de nada!
     Caiu na calçada,
       simplesmente,
       assustando toda gente!
   O falecido,
       era um jovem bonito,
       que parecia,
       saudável, vigoroso,
       bem sucedido.
   Num instante falava ao celular,
        no outro,
        já tinha partido!
   Assombro geral!
  Agora é só noticia na TV, no jornal
      e especulações diversas
      tentando explicar o fato consumado:
  " Deus faz tudo certo,
  nós é que entendemos errado!"

sábado, 20 de junho de 2015

A CABRA MORREU, EIS A SENHA!


Luzia Stocco

-Sim, respondi, acho que posso, agora que estamos em 2042, falar sobre aquilo. -Aquilo que ficara em meu passado, ao menos eu imaginava, vem hoje como uma bala de canhão à minha lenta memória. Um repórter alto e atrapalhado, postado em pé à minha frente, pôs-se a gravar, usando um aparelhinho, bem menor que os gravadores de antigamente. “Senhor Jacobino, pois o senhor era vegetariano? Sei que já faz muito tempo, mas conte-me os detalhes, por favor!”, pediu-me ele, quase a implorar. Minha boca, fina e úmida, parecia querer morder as palavras. Minha voz fraca acompanhava meu olhar apagado, fruto do trabalho do próprio tempo, que, às vezes é amigo, outras tantas, inimigo. Iniciei a narração sentando-me lentamente, coisa que também faria o repórter, com agilidade:                                       
Estava eu, vidrado em meu computador na sala de casa, e Anaãn, meu filho adolescente, em seu quarto, diante do notebook, jogávamos “merfe”, um jogo on line que envolvia quatro jogadores. Cismei, de repente, que devia olhar meus e-mails e olhei. Antes não tivesse olhado. Por que tínhamos que olhar as mensagens a cada hora, quando estávamos com o computador ligado? Vaidade ou simples curiosidade? Acho que queremos saber se alguém se preocupou conosco, ou melhor, necessitamos de atenção! Eis a grande busca da humanidade!  Um recado curto “mostre quem és, que eu me mostro a ti!” Curto e seco, o recado completou-se, num segundo e-mail: “ao pé da Grande Mãe, tu te revelarás! Vá para o Monte Fúlgido, leve os outros três!” Fui verificar novamente o remetente, nem sinal do nome.  Saí do jogo e desliguei o aparelho, assustei-me com Bingo, nosso pequeno cachorro, quase invisível a mim nos últimos tempos, ia pra lá e prá cá. Ainda confuso, apanhei minhas coisas de acampamento. Anaãn, eufórico, pegou sua mochila com o kit completo. Eu, ele e os dois outros jogadores, Jubri e Romão, na reserva de Fúlgido, a 630 km da cidade. Nenhum bilhete à Mara, minha ex-esposa.
Um jato relativamente silencioso nos deixara próximos à montanha e partira. Fomos caminhando, sentindo a quietude dos outros e da atmosfera que nos envolvia. À medida que adentrávamos, pude perceber a selva a minha frente, ao meu lado e atrás de mim com seus ruídos que aumentavam de intensidade para em seguida aquietarem-se. 
Sabe, meu caro repórter, 2012 quase findando, não fora um bom ano para mim.  Eu e Mara nos separáramos, nem sabíamos por quê. Talvez eu não a entendesse ou vice-versa. Sentia falta da companhia dela, não sei se ela lamentava a ausência de um homem enfadonho, beirando aos 55 anos. - Concluí que o entrevistador não estava muito interessado na minha vida particular, queria ouvir a conclusão da história e não mexia um só músculo. E foi ele quem pediu que eu detalhasse, embora  soubesse a que fatos ele queria enfatizar. Porém, sendo eu agora, três décadas depois, um simples idoso, creio ter algumas regalias como a de poder minuciar as façanhas daquela aventura.
Então, um zumbido, ainda de mim desconhecido, chegava-me aos ouvidos e meu olhar se deteve numa árvore alta, suas folhas como longos cílios macios, em tons verde e gelo, lembravam a cabeça de um cão peludinho. “Até parece o Bingo”, disse eu a Anaãn, quase a sentir saudades ou compunção pelo cão repelido. Romão lançou um olhar duvidoso, ainda não acreditava que fora convencido a participar dessa loucura. Estava prestes a conferir seu bilhete de loteria que jogara antes de partir. Sim, naquela época ainda havia esses jogos medíocres. Ele agasalhou-se com sua jaqueta marrom e pronunciou:
- O que tanto olha essas árvores, Jacobino?
- Curioso...
- Não vejo nada de curioso nelas, são apenas monótonas! – replicou ele. –E vamos adiante, óh my God! Que essa brincadeira tenha fim!
Digo-lhe que Romão, meio século vivido, não era homem que conhecia dificuldades. As coisas, para ele, eram acompanhadas pela suave brisa da boa sorte. Desde pequeno, assim vivia Romão. Não via e não sentia aquilo que os humanos geralmente sentem, os percalços e as expectativas de um porvir. Proprietário de um frigorífico, nada sabia da loucura, esta companheira solitária, a mesma que, em certas ocasiões, tira-nos da solidão e nos convida a seguir.  Jubri e Anaãn iam adiante, fixados no celular, não sei se por vício ou pela preocupação com uma futura mensagem, uma pista que não tardou a chegar: “o que parece, não é!”
Nesta noite nos acomodamos em nossos sacos de dormir, comemos o mínimo. Com duas horas de repouso preferimos caminhar aproveitando a sinalização das estrelas e, ah! que céu claro, tão claro eu há muito não enxergava, desde que mudáramos do sítio, ainda criança. Meu filho, deitado, com as mãos sob o pescoço, chamou-me junto a si, extasiado:
-Pai, deite-se aqui e relaxe. Aquele deve ser o caminho de Santiago, né? Olha essa claridade, parece até que acenderam as chamas estelares! – Seus olhos pretos e joviais reluziram e eu pude ver dentro deles uma vida e uma beleza que não notara até então. Sorri, satisfeito, quase a esquecer-me o que viera fazer ali. Afinal, a quê viera mesmo? Outra vez, aquele zumbido...voltei o olhar aos demais, nenhum sinal de estranhamento. Preferi calar-me, embora tentado a alardear, pensei nos benefícios obtidos com o silêncio nos últimos anos. Quantas brigas evitadas, quantas mágoas esquecidas e agora eu aqui, com meu filho, sem a menor ideia de quanto tempo não ficava assim, junto a ele, sem nada a fazer.
Foi a única noite a que nos guiamos pelo cruzeiro do sul e constelação de escorpião. Nas seguintes, céu nublado, breu total. “Cadê a bússola, Anaãn?” “Sinto muito, mas a esqueci na mesa da cozinha” “alguém se lembrou de trazê-la?” Olhares e suspiros de desculpas. Uma pontada de medo avançou sobre mim naquele instante, interrompido por um toque no celular de Romão: “a cabra morreu, eis a senha secreta, guarde, pois precisará dela. Caminhe. O cabrito sobreviveu”.
Estávamos cada vez mais confusos. Nossas provisões se esgotando. Na terceira noite uma lua cheia nos surpreendeu iluminando a trilha e voltou a ocultar-se. Observei que, nalgumas árvores, em seus troncos e galhos haviam pelos curtos ou longos em forma de folhas. É mágico e eu as via cada vez mais parecidas com o ser humano, talvez até mais especiais que nós. Seriam elas pessoas disfarçadas? Eu procurava pela Grande Mãe, a grande árvore! A escuridão e a vegetação fechada nos amedrontava. Seguíamos em fila, calados, creio ter ouvido um zunzum de oração. Minha boca secara, lambi os lábios, como era costume, e apertei-o, sem perceber, também costume. Um líquido morno umedeceu meu lábio inferior, olhei à mão que levara à boca, uma pequena mancha vermelha mostrou-me um besouro branco esquisito, agora esmagado pelos meus lábios. Limpei com o lenço.  De repente, surgiu a nossa frente um pequeno cachorro de pelagem branca, foi caminhando acelerado e silencioso a nos mostrar o caminho. Seguimo-lo e o medo cedeu lugar ao alívio. Meia hora, passado esse trecho, assim como ele apareceu, desapareceu!
- Coisa sinistra, meu pai!!
-É só um cachorrinho, Anãan, não se preocupe!
-Jacobino, você sabe que não é apenas um cachorrinho, não é? Indagou Romão, com olhos arregalados.
Nada respondi. Fomos subindo por uma estrada íngreme, eu não ouvia a respiração de Romão embora todos ofegantes, seu porte magro bem o ajudava. Recomposto, achei conveniente falar:
- A dúvida é, muitas vezes, parceira da sensatez e há mistérios que ocupam um lugar privilegiado nas acepções míticas. Não massacre a dúvida, pois pode ser ela uma aliada da sabedoria.
- Romão, o cachorro é amigo do homem, esqueceu-se?, disse Jubri, estamos cansados, e sob pressão nosso inconsciente prega-nos peças, apenas isso! relaxe, homem! Tentando ser agradável ou camuflando o próprio medo, senti que o mais sereno e confiante, entre os quatro, era Anãan. – Tudo isso deve ser alguma pegadinha, vamos aproveitar a chance de escapar do stress urbano e nos divertir, não foi para isso que viemos?! Minhas férias se findam no domingo. – Ouvindo Jubri, preferi novamente calar-me sobre o estranho inseto que eu mordera.
– Viva a aventura, gritei eu, mas não ouvi nenhum eco. Quando paramos novamente para beliscar algo e descansar, abaixei-me e cavei a terra roxa com as mãos, senti sua temperatura morna. Enfiei a mão, escurecida pela terra, num dos bolsos, apalpei uma semente e a inseri no buraco. A manhã viera como um consolo. Um belo pau-brasil brotaria como uma dádiva divina e seu topo  acolheria os ninhos de diversas aves.  A semente foi-me dada por meu filho mais velho que estuda fora e mora em república, “pai, ache um lugar legal e plante pra mim, depois você me avisa se nasceu!”, porém eu nunca soube se a semente brotou.
-Ei, Jubri! Nenhuma outra mensagem? – Indaga Romão, obtendo reposta negativa. – E você, Anãan, alguma dica em seu celular?
-Nada. Estou aguardando, mas temo que a bateria está por um fiooo...Ei! esperem!! Está chegando algo! Que sinistro! Pai, Romão, Jubri, vejam essa! Vocês não vão acreditar! – Paramos de caminhar, percebi que éramos impulsionados por nossos pés e pernas, sem desejo, sem raciocínio. Somente no quarto dia veio-me tal percepção. Peregrinos, saímos em busca de algo que talvez não quiséssemos saber. Sei que, a partir daí, passei a estranhar o comportamento natural dos três. Romão se amansara com um conformismo imediato. Jubri, com seu sorriso faceiro e sempre esperto, agora em letargia. Alguma coisa estaria terrivelmente errada.
“Continuem caminhando. Cheguem ao alto da Grandona. O que avistará será queimado. O açúcar, transmutado...mantenham segredo”. A quarta mensagem. Não entendi o que poderia haver de sinistro nessa mensagem, como Anaãn bazofiara. Os três continuavam conectados ao mundo lá fora, não sei como. Parecia que ninguém queria discutir o assunto, fugíamos de suposições e qualquer hipótese denotaria uma quebra do segredo ou da magia que emanava do lugar e da nossa singular situação. Tampouco a redução do alimento parecia preocupá-los.  Não conseguiam enviar mensagens ao remetente misterioso, nosso carrasco, ou quem sabe, salvador. Observei Jubri concentrado em algum jogo no celular, descansava suas costas num tronco, parecia alheio àquela nova realidade. Em seus 35 anos, prevalecia uma beleza nobre, a tez escura realçava  com suas vestes claras, um sorriso acolhedor. Naqueles dias eu o via cada vez mais compenetrado no universo virtual e confesso que estranhei a conexão quase perfeita desses aparelhos, apesar das montanhas.  
O cachorrinho voltou a aparecer e a nos acompanhar dia a dia. Já não havia lua cheia, nem estrelas. Prosseguíamos perdidos ou por intuição. Somente ele aparecia, de quando em quando, com algum alimento na boca.
- Pai!! Gritou Anãan, vocês não estão vendo? Pelo amor de Deus, este é o mesmo trecho que passamos nas últimas noites. – Passou as mãos pelos cachos sujos de seu cabelo e abaixou a cabeça, foi em direção ao cão, tentou tocá-lo: e é no mesmo lugar que o cachorro aparece, semmmpreee... Cambaleou e caiu desmaiado, no instante em que o cão desapareceu ao ser tocado pela mão, agora pálida. Assustados, topamos uma árvore, que de tão grandiosa, assombrava-nos. Acudimo-lo com a lanterna de Jubri e o carregamos até ela. Confuso, mas ainda lúcido, o garoto logo se recuperou com o pouco d’água que sobrara. Animais silvestres e pássaros quase não os víamos, agora.
Habilmente, afinal já fora escoteiro, meu filho subiu à Grandona - sabíamos que era aquela árvore -, como nos disse a mensagem. Seu tronco, de casca preta e úmida, abrigava em seu corpo galhos e troncos de outras espécies. Abaixo, um buraco grande, próximo à raiz, parecendo uma vagina aberta, na qual Anaãn quase caiu dentro; ao lado deste, um tronco retorcido, que em relevo parecia uma criança nascendo ali. Algumas partes do tronco estavam descascadas, mostrando sua carne branca, enrugada. Muito velha. Seria a Grande Vó ou a Grande Mãe?! Figura arquetípica!?
- Gente! É um canavial!!! – lá do alto advertiu Anaãn, agarrando-se aos tortuosos galhos.       -Um canavial? Droga! Exclama Jubri, desanimado pelo fim da bateria do seu celular. – O que
faz um canavial aqui?
- Não há ninguém para cuidar dele, disse Romão, enquanto nos aproximávamos das canas.     - Quem plantou, plantou e só volta pra cortar, sete meses depois; tentei usar minha racionalidade, que já era ínfima. Chamei meu filho e estiquei os braços trazendo-o de volta ao chão, lancei uma olhadela e captei a pouca expressão de Romão e a neutralidade de Jubri. A fome nos abatia, as guloseimas escasseavam. Uma pequena reserva para a volta. Umedeci minha boca, ressecada pela ansiedade e falta d’ água. Nenhum ribeirão ou lago, a não ser alguns cocos que raramente encontrávamos. A esperança de encontrar o enigma nos alimentava. “O que avistará será queimado, o açúcar transmutado!” Eureka, pensei.
Armamos todo o esquema para a queima das canas, pois acreditei ser o que a louca mensagem pedia. Ativei minha memória e o conhecimento adquirido na infância, quando acompanhava minha mãe à roça, tornou possível essa operação. Labaredas estralavam dando a impressão de que atingiria o céu, avermelhado como pimenta, num calor dantesco. Suores escorriam pelas nossas peles ressecadas, misturando-se às lágrimas.
- Meu Deus! Vai pegar fogo no mundo! Exclamou Rubri, afastando-se rapidamente, assustado. A letargia se fora.
-Não vai não, gritei-lhe, na tentativa de acalmá-los. - A brisa suavizou!! As chamas estão diminuindo e perdendo a força. Olhem as canas e sintam o cheiro! Ah! Que delícia, é melado puro, como mel, vejam! – Lambi o meu dedo indicador e, por um momento, suavizei meus pânicos, relembrando a minha infância, paralisado agora por um grito de pavor rasgando a garganta de Anaãn.
Apontava seu dedo para um vulto no meio das canas pretejadas, envolto nas cinzas. Eu não podia acreditar. Nosso cachorrinho mágico devorado pelas cinzas. Colocamos seus restos sob uma pequena árvore, cuja forma apelidamo-la de melancia, em formato de sombrinha, carregada por melancias minúsculas. Um espetáculo a venerar a alma do cachorro ou do anjo.
Qual o significado daquilo? Indagamos, sem respostas. Vi Romão desolado, ombros caídos, manchas de carvão escureciam seu rosto, braços e mãos. Notei em Anaãn um abatimento e em Jubri um tremor no olho direito não pronunciado anteriormente. As árvores ao redor sufocavam e eu podia sentir a respiração ofegante de cada uma delas, inclusive dos arbustos.
-Elas não usam roupas apropriadas e tampouco máscaras, pai! – a voz afundada de meu filho completou meus pensamentos. Visualizei suas roupas rotas e ele coçava seus braços e pernas.
 Pela primeira vez, se esqueceram de seus sofisticados aparelhos. O meu, do mais simples e necessário, jogara-o no fundo da mochila e lá ficara a descansar. Quando Romão e o meu garoto se deram conta, as telas todas apagadas, obviamente, pensei eu, as baterias... já eram!
Anaãn apanhou meu celular, incrivelmente funcional, no momento em que entrara uma mensagem, a única e, quem saberia senão a última? “A cabra não morreu, senha errada, a cobra morreu. O que parece não é. Tu te revelarás”.
Não compreendia essa história de cabra. Teriam se confundido na hora de digitar? Alguma coisa ali possuía significado? Talvez só para mim. As mensagens pareciam endereçadas somente a mim. E qual a finalidade da senha? Afinal, quem eram eles, ou seria ele? Ela? Poderia ter sido uma cabra ou cabrito queimado e não o cão, talvez.
Romão e Jubri saiam à caça e nada, enquanto tentávamos fazer o caminho de volta. Inutilmente. Ninguém encontrava a saída. A fome nos apertou de vez. Romão feriu-se ao cair num buraco, socorrido e não se recuperando, logo faleceu.  
 Sentado à sombra da Grande Mãe, uma luz atinou-me. Jubri caçava migalhas, eu e Anaãn éramos vegetarianos. Antes que nossa mente paralisasse e sucumbíssemos ali, no coração do Monte, fiz a única opção que me sobrou, moço. Você acredita em mim, então? – Deslizando minhas mãos úmidas por meu cabelo branco indaguei ao jovem repórter, que, silenciosamente, não menos tenso, me escutava há horas. Subitamente, interpelou-me, uma única vez:
- Sr Jacobino, o senhor não se arrepende? E o seu filho, não se opôs?
- Anaãn não tinha escolha. Só temos a agradecer à alma de Romão e ao seu corpo, incrivelmente saboroso naqueles últimos dias fatídicos. Se não fosse essa atitude, não teríamos força para retornar à nossa casa e jamais veria meus netos e bisnetos e nem me reconciliaria com Mara, se eu estou aqui a lhe contar, neste ano de 2042... Ah! agradeço a confiança e a discrição de Jubri.
- Mas o senhor não era vegetariano? – O repórter repetiu a pergunta, impulsionado pela incredulidade, inerente a sua natureza profissional, emendou outra, desligando o minúsculo aparelho que gravava.  – Ele não era seu amigo.
- Era e sou vegetariano por amor aos animais, não está incluída aí, a categoria humana, meu jovem! Eu mal os conhecia, durante a viagem sim, de fato, tornamo-nos amigos! Descobri quem eu sou, a essência e as limitações. E olhe, o que parece não é.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

PESCADORES

     
Ludovico da Silva

Tarde quente de verão. Eu estava mesmo à toa, fui até a barranca do rio Piracicaba, ali no salto, um dos recantos mais lindos da cidade, para me distrair um pouco e prosear com alguns pescadores. Sabe como é, pescador sempre tem uma boa história para contar.
Como todo bom caipira, o pescador é meio cismado quando algum estranho se aproxima dele. É preciso paciência, ir tocando a conversa até ele ganhar confiança para soltar a língua. Ainda assim, com um pouco de receio. Apresentei-me. Ele era o Chico.
Conversa vai, conversa vem, perguntei-lhe se sabia de algum causo pra me contar. De imediato, me falou que tinha, mas que eu não acreditaria, porque era mesmo história de pescador. Provoquei-o.
Quando eu pescava, Chico, aconteceu um caso engraçado. Eu sempre ia na lagoa da Fazenda Tamandupá, onde tinha “assim” de traíra. Fiz um gesto com os dedos das duas mãos, para marcar bem a quantidade de peixe. Não é que eu peguei uma traíra tão grande, mas tão grande, que quando fui tirá-la do anzol ela saltou, deu uma volta na canoa, mordeu meu pé e ainda por cima arrancou um chinelo de dedo. Saiu em disparada com a linha de aço, a isca e a vara. Sete dias depois, voltei à lagoa pra mais uma pescadinha e não é que vi a traíra esquiando no meu chinelo?
O Chico deu uma risadinha irônica, tirou o cigarro de palha da boca, cuspiu de lado, ajeitou o chapéu na cabeça e lascou esta.
“Isso não é nada dotô. Domingo passado fui com o meu cumpadre Zé pescá no paredão vermeio, no caminhão véio dele. Peguemo tanto pexe, mais tanto pexe, que encheu a carroceria. Na vorta, numa ladera bem cumprida, o caminhão ganhô muita velocidade. O cumpadre Zé ficô desesperado, tacô o pé no breque, que faiô; o câmbio não engatava marcha; vi os pexes sartando da carroceria; São Cristóvo, que tava no painer, já tinha sartado de medo. Oiei a cara do cumpadre Zé tava branca. Daí eu falei: carma cumpadre, dexe cumigo. Quebrei o vidro do velocímetro e fui afastando o ponteiro bem devagarinho, até o caminhão pará.”

Todos os pescadores em volta riram bastante. Não sei se da piada ou da minha cara. E depois, com a maior cara de pau, o Chico ainda me ofereceu uma pinguinha...

sexta-feira, 12 de junho de 2015

O AMOR



Plinio Montagner

Algumas das citações que mais sobejam sobre o amor são inquestionáveis, como estas, bem populares: vida sem amor não vale a pena ser vivida; o amor acontece quando menos se espera; o amor verdadeiro, puro, inocente, só acontece uma vez na vida; o primeiro amor nunca morre; a vida sem amor não tem graça, etc., etc.
Resumindo - o amor é a melhor coisa que pode acontecer a uma pessoa.
Mas tudo tem um preço, embora subjetivo, o amor é um bem caríssimo, se nos lembrarmos das tragédias, epopéias e odisséias de Ulisses e Penélope, Romeu e Julieta, Páris e Helena, entre outros protagonistas.
O amor é um tema universal. Inexplicável.
Os convivas do banquete platônico (séc. 4 a.C.) garantiam que no Olimpo não havia amor. Mas Platão não era doido. Então os deuses não amam?
No – O Banquete - o filósofo conclui que só se ama aquilo que não foi possuído. E como os deuses têm tudo, não pode haver amor no Olimpo. A tese é que o amor existe, mas apenas quando há um desejo por algo ainda não conquistado, ou seja, a posse do novo.
Sendo os deuses seres perfeitos, nada lhes falta nem pode lhes faltar. Mas aos humanos falta muito, por isto não lhes resta outra opção além de amar. Assim sendo, os deuses não precisam amar nem serem amados.
Mas, qual é o objeto do amor? É o corpo do outro? A mente? A beleza? A posse? – ou a posse de uma companhia?
Aí está novamente o paradoxo platônico. Se os humanos se tornassem deuses o amor perderia o sentido. Se Eros, o deus do amor que por princípio deseja o que não lhe pertence, e desvaloriza após a conquista, o amor não existiria nem antes da conquista.
Nada é conquistado sem que haja o fator interesse, ou motivo.
Aceita essa definição, o amor não seria uma virtude, mas uma simples constatação de nosso egoísmo.
O outro estremecimento amoroso é a paixão, que é mais forte do que o amor e a amizade, porém é efêmera porque logo se dissipa. A paixão, particularmente, só renascerá se houver interesse por um novo objeto, ou pessoa. E começa tudo de novo.
A posse, ou a ilusão de sua posse, depois de conseguida a curiosidade fica diminuída pela saciedade da vitória ou do uso. Daí a citação de Sêneca: “Nada será bastante para quem acha pouco o suficiente”.
Ah! O amor, quanta filosofia!
Há quem ama o poder, a política, o ter, a posição social, as riquezas, o gato, o cãozinho, os bens materiais.
Muitos amores são perigosos e extasiantes, mas podem ser do bem e do mal.
A insatisfação constante do ser humano pelo novo pelo melhor deixa-o malvado, vulnerável e sempre insatisfeito, pois não sossega o espírito iniciando um novo caso ou uma nova conquista.
Manter o amor é uma dívida que nunca é quitada. Há quem afirme haver felicidade sem envolvimento amoroso porque o homem se torna mais livre do que aquele que ama.
De qualquer modo é difícil haver amor romântico que não aflige - pelo medo de perder.
Explicar o sentimento amoroso não é tarefa dos mortais. Nem o Platão, nem Aristófanes conseguiram decifrá-lo.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Amor... sempre o amor


Lídia Sendin

O amor, diz a poesia,
É calor e encantamento,
É um sonho, é alegria,
É o melhor dos sentimentos.

O amor é uma atitude,
É ter seu andar altivo,
É o saber que ele é virtude,
Que ele mesmo é o seu motivo.

Tudo isso é bem verdade,
Mas amor também não é;
Não é orgulho ou vaidade,
Nem peca por não ter fé.

Não é só na aparência
Que o amor tem duração.
É preciso ter paciência
Quando vem a provação.

Ele é Eros, ele é Filos,
Para os santos ele é Ágape,
E se não houver vacilo,
Talvez ele nunca acabe.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Convite- Inauguração do RECANTO dos LIVROS


Inauguração neste sábado, 13 de junho, às 9h, das novas instalações do RECANTO DOS LIVROS, o maior acervo de livros de literatura, técnicos, religiosos, jurídicos, juvenis, infantis, enciclopédias, além de CDs e revistas, seminovos a preços vantajosos.
Toda a renda obtida na venda será revertida ao Lar dos Velhinhos.
O Recanto abre para venda e recebimento de doações de livros todos os sábados das 8h às13h.
O jornalista, radialista e escritor, João Umberto Nassif,  membro do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e da Academia Piracicabana de Letras e sua esposa Vera, estão à frente dessa empreitada com a ajuda de voluntários.
O Lar cedeu o espaço que foi revitalizado com a colaboração dos voluntários, recebeu a doação da escritora Leda Coletti, de uma biblioteca inteira de mais de 5 mil livros. Mas ainda faltam muitas coisas e toda ajuda será bem-vinda.

Endereço: av Torquato da Silva Leitão, 615

Vera e João Nassif


 Voluntários planejando ações
 Vista do espaço com os livros expostos em estantes doadas por colaboradores


quinta-feira, 4 de junho de 2015

Meio Ambiente, nada a comemorar


Ivana Maria França de Negri

            Mais um 5 de junho que chega e não vislumbro nada de novo para o futuro do planeta. Muito se fala e pouco se faz. A maioria dos projetos não chega mesmo a sair das planilhas.
            A natureza continua a ser explorada, aniquilada, o solo calcinado, o ar poluído, e os rios se transformaram numa verdadeira sopa de garrafas plásticas, esgoto e lixo. A piracema é desrespeitada, as florestas derrubadas, e os últimos espécimes selvagens vão sendo extintos por terem seus habitats destruídos.
A inversão de valores faz com que o dinheiro seja transformado na meta primordial, no sentido e finalidade das vidas. E ele se transforma num deus idolatrado que deve ser buscado sem controle e sem escrúpulos. Viver neste planeta é uma guerra. Sobrevive o mais forte, isto é, aquele que descobriu maneiras de  produzir mais dinheiro.
O mundo tornou-se um lugar onde tudo é de plástico, insípido e incolor. É de plástico o copo, o prato, o talher, os aparelhos domésticos, cada vez mais as embalagens tomam conta de tudo. O mundo é sintético, artificial! Nada é feito para durar.
Centenas ou milhares de anos são necessários para que o plástico seja reabsorvido  na natureza. Ninguém se preocupa com isso. São embalagens, sacolas, bugigangas inúteis que vem da China a preço de banana, tudo descartável após pouquíssimo tempo de uso. Animais marinhos morrem ao engolir sacos plásticos pensando ser algas.
Nossos ouvidos são violentados com decibéis acima do que podem suportar. É a poluição sonora. E necessitamos de silêncio para ouvir a paz que sussurra ao nosso coração.
Se nada fizermos, o destino das novas gerações pode ser sombrio. Temo só em pensar na profecia do Grande Chefe Índio que, com toda sabedoria herdada de seus antepassados, sentenciou: “Quando o último rio secar, a última árvore estiver derrubada e o último animal for abatido, o homem verá que não pode se alimentar de dinheiro, e então será tarde demais e a única água que restará serão as lágrimas amargas de arrependimento”.
É necessário não faltar com o respeito a nenhum ser da natureza, seja ele gente, bicho ou planta, pois todos se interdependem entre si. Cada um pode fazer a sua parte.Economizando no consumo de água, um bem muito raro e precioso no futuro, poupando energia elétrica, comprando produtos ecologicamente corretos, utilizando em maior escala os materiais reciclados e só adquirindo mercadorias que forem necessárias e que não danifiquem o meio ambiente. Afinal, a origem da palavra ecologia vem do grego, “oikos” –  que quer dizer casa e “logos” - estudo. E a ecologia começa em casa.
A participação da sociedade como um todo é fundamental. Trabalhar com o objetivo de idealizar ações para resguardar o futuro do planeta que todos compartilham.
            Até a Igreja Católica acrescentou em sua lista de novos pecados os crimes ambientais. Já não se pode incendiar, matar, desflorestar, poluir, acobertados pela impunidade. Pecamos por pensamentos, palavras, obras e omissões. Não podemos mais ser omissos ou o planeta será extinto.
Sem preservação ambiental, não há futuro. Dependemos do meio ambiente para sobreviver. E o meio ambiente depende da nossa proteção.
A Terra não pertence ao homem, e sim o homem à Terra.