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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Lançamento do Livro do Artesanato do Povo Juruna

A autora Cristina Martins Fargetti autografando para Carmen Pilotto e Ivana Negri do Golp

Antonieta Mendes, Glória, Ro Camolesi (secretária de Cultura) e Cristina

Boneca artesanal indígena - em tamanho natural de menina de 3 anos (Clara)
Algumas das 49 fotos da exposição indígena no Museu Histórico e Pedagógico Prudente de MoraesFotos e artesanato do povo Juruna

A exposição fica aberta ao público até 10 de junho de 2010

Quero morrer sem saber que morri

Quero morrer sem saber que morri
Plínio Montagner

Que desejo estranho é esse. Quem morre, é claro que não sabe que morreu. (Ou sabe?). E é certo também que ninguém gostaria de saber quando vai morrer. Pelo menos eu não quero. Credo! Algumas pessoas otimistas que minimizam a morte dizem que existe o lado "bom": vão se encontrar com o seu Deus, as dores e as angústias terminam - e as dívidas ...Mas... será que é bom só porque os sofrimentos acabam e não tomamos mais remédios? Ninguém sabe o que há do lado de lá; todo mundo "chuta".Outra coisa - se acabam as coisas ruins, não acabam também as boas? Ora, então é melhor ficar por aqui mesmo. Não dá nem para imaginar ficar sem a companhia e o afeto de nossos pais, filhos, netos, esposa, marido, avós, amigos. E mais, como abandonar nossos discos e livros, nosso jardim; não ouvir mais O Trem das Onze, Besame Mucho, Brasileirinho, Moonlight Serenade, e Lupicínio, Chico, e Choppin...? Dá arrepios. Que se dane a morte. Vou morrer contra minha vontade, eu sei, e quando chegar o dia não quero saber que morri; não quero álbuns nem flores nem a bandeira do Corinthians. Inferno? só faltava essa, além de perder coisas boas daqui ainda precisamos tomar cuidado para não passarmos algum tempo no inferno? Caraca! Seja lá para aonde a gente for (se formos mesmo), acho que as belezas do céu serão bem diferentes das daqui. É claro que não tem praia, barulho de chuva, flores, pastel, pudim de queijo, cerveja e a beleza feminina. Então, vai ter o quê?Querem saber? vamos nos esforçar para permanecermos vivos o mais tempo possível, mesmo com chefe ruim, salário de fome, um monte de impostos, pobreza e dorzinhas aqui e ali. Não inventaram até essa máxima? - "Se morrer é descansar, prefiro viver cansado".Hoje vi no quintal do meu vizinho o que sobrou de um imponente pé de jaracatiá. Agonizante, seco, galhos caídos, tronco cheio de formigas e outros bichos. E ainda, sem nenhuma cerimônia, um pica-pau tirando proveito. Tuc-tuc-tuc! Toc, toc, toc!O francês Lavoisier estava certo: tudo se transforma: nada se perde, nada se cria, nada permanece nem fica do mesmo jeito. Um dia seremos um corpo à disposição dos bichinhos que a gente vê nos microscópicos.Infelizmente valorizamos meio tarde a família, a paz e a saúde. E só percebemos quando nossos créditos estão acabando, a diabete se instala, o coração muda de ritmo e outras doenças aparecem. Isto lembra a história do cesto de jabuticabas. Quando está cheio, os frutos menores, feios, defeituosos são deixados de lado; mas na medida em que vai se esvaziando são saboreados devagarzinho, até o caroço. Nesses momentos os ateus desaparecem do mapa. Acreditam em tudo, em todos os deuses e santos. Dizem que quando um avião está caindo não existe nenhum ateu dentro dele...Não é fácil identificar o essencial. Por isso desperdiçamos tempo valorizando o supérfluo e vitórias bobas. Uma companhia de qualidade é o que vale; a boa cepa é que é o essencial, não o rótulo, não a taça nem o guardanapo.

Sobre a Morte e o Morrer

Sobre a morte e o morrer
Rubem Alves

Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: “Morrer, que me importa? (…) O diabo é deixar de viver.” A vida é tão boa! Não quero ir embora…
Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: “Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?”. Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: “Não chore, que eu vou te abraçar…” Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.
Cecília Meireles sentia algo parecido: “E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega… O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias… Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto…¿
Da. Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. “Minha filha, sei que minha hora está chegando… Mas, que pena! A vida é tão boa…¿
Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.
Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: “O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?”. O médico olhou-o com olhar severo e disse: “O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?”.
Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que freqüentemente se dá o nome de ética.
Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.
Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a “reverência pela vida” é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?
Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.
Muitos dos chamados “recursos heróicos” para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da “reverência pela vida”. Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: “Liberta-me”.
Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: “Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei…”. Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.
Dizem as escrituras sagradas: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A “reverência pela vida” exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a “morienterapia”, o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a “Pietà” de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Os Cafés de Paris

(Carmen, Ivana e Cassio tomando cafezinho em Paris - nada parecido com o nosso cafezinho brasileiro)


Os Cafés de Paris
Ana Marly de Oliveira Jacobino

A luminosidade se alonga e se espreguiça nos céus nos verões em Paris. No Sena os bateaux-mouches navegam sonolentos. Os odores rasgam o ar quente para serem aspirados pelas narinas dos passantes desavisados. Odores que nada lembram as ruas fétidas de Paris de dois séculos atrás.
O cheiro do café parecia entoar um hino de alegria! Brasileiro que se preza não fica sem um café. Os Cafés pululam pelas esquinas de Paris. Ricardo acaba de sair do Museu do Louvre. Na altura da 6 rue de L'Amiral Coligny em frente ao Louvre algo lhe chama a atenção. Um prédio charmoso o envolve. O seu estilo londrino destoa do estilo francês; mas, não tira o seu charme.
Um bar, café, restaurante com uma biblioteca de sacudir o coração e o cérebro de um amante da leitura; para, bem a frente do moço. Um café com gosto de literatura! No happy hour fica difícil encontrar uma mesa. Consegue uma mesa ao lado de uma janela.
O interior de Lê Fumoir revela no seu longo balcão de madeira escura um clima de mistério. Suas luzes amareladas fazem um jogo de claro e escuro intimista. Os espelhos refletem a vidraria expondo os copos, como se estivessem iluminados.As prateleiras repletas de livros adicionam um visual litero-gustativo aos fregueses. As luminárias pendentes do alto das prateleiras aquecem o ambiente. Lustres parecem cair dos tetos por sobre as mesas trazendo aos olhos do leitor, a facilidade da leitura.
Ricardo ouve o som de contrabaixo na sua barriga. Fome! Acaba de lembrar que tomou o café de manhã, e, depois não comeu mais nada. Nada! Senta-se à mesa perto da janela, com um livro nas mãos. Recebe o cardápio de um garçom nada sorridente.
A fome o impeliu e a escolha foi rápida: um suco de manga, laranja e abricot. O garçom trás a mesa uma tigela, com uma água quente, galhinhos de alecrim, pétalas de rosa e salsinha seca.
“Nossa! Que sopinha rala. Tenho certeza, que não pedi.”
O estomago ronca. O jovem olha a tal sopinha sem graça. Coloca mais sal e a toma com sofreguidão.
Volta a olhar o cardápio e escolhe uma sopa de mâche. Tenta descobrir; qual é o tipo de folha da composição da sopa? Não consegue!
“Essa tem mais sustância!”
Ainda com fome faz outro pedido em seu francês- aportuguesado para o garçom mal humorado.
“Une tartine de saumon fumé, crème, fromage de chèvre et de tranches de carottes."
Como as porções são pequenas, a fome não se aplaca. Levanta a mão para o garçom e pede uma salada acompanhada de sanduíches e patês.
“Accompagné d'une salade de sandwichs et des patês, s'il vous plaît”.
Satisfeito pede a conta.
A demora o assusta. Lembra que não prestou atenção no preço dos pratos do cardápio. A fome embaçou a sua razão.
O garçom entrega a conta. Ele parece entrever um sorriso maroto nos lábios do bendito.
Corre os olhos pela conta: entrada: 30 euros. Soupe: 12 euros. jus : 5 euros. Plat principal: 50 euros. Tipping: 15%: O cérebro soma com uma rapidez estonteante: 97 + 15% da gorjeta=111, 55 euros?
“Nossa! Como? Quanto? É demais!”
Embasbacado, revisita a conta para conferir. Tudo certo. Ricardo pensa que a sopa aguada é que faz a conta crescer.
Um casal sentado a mesa ao lado, também, recebe a tal sopinha de galhos e pétalas. Antes de chamar o garçom para perguntar o preço da tal sopa, algo inacreditável , acontece!
Os franceses lavam as pontas dos dedos na sopa e os enxugam nas pontas dos guardanapos.

O Olho do Golfinho

O olho do golfinho
Cassio Camilo Almeida de Negri

O entardecer mostrava um céu azul escuro, que no horizonte parecia uma cúpula fechando o sol vermelho sobre o esverdeado do mar.
O verde quase tudo cobria e sob o reflexo do poente, se transformava em um leito de brilhos metamorfoseantes, dançando entre tons alaranjados.
Entre a areia da praia e o quebrar das ondas, uma faixa de água avermelhada, cor de sangue.
Eu passava por ali, sem saber porque aquela praia da Birmânia estava com uma faixa rubra.
Intrigado, pensava se não seria coloração devido a algas.
À distancia vi um objeto tentando rolar para o mar, mas sempre sendo jogado de volta à areia. Era escuro e redondo com mais ou menos seis centímetros.
Fui me aproximando, os pés mergulhados na água ate os maléolos, e tomei nas mãos a pequena bolinha e quando a olhei, ela também me olhou.
Olhamo-nos por alguns segundos.
Observo então que era um olho com a pupila dilatada, parecendo congelado em um momento de terror. Noto bem no seu fundo, um rosto gravado como em uma fotografia.
Na sua retina estava fixado um rosto humano, com um facão na mão, e ao redor, muitos golfinhos mortos, corpos decepados, cérebros esmigalhados, olhos arrancados.
Devolvo o olho ao mar e bem longe, para que não mais volte e sem entender, retorno ao hotel.
À noite, vendo o noticiário da televisão, fico sabendo que ali era costume exterminar com facões os delfins que ficavam presos nas redes,para que não voltassem a atrapalhar a pesca. Por isso a água se tingia de sangue.
No dia seguinte, voltando à praia, a água estava verde de novo e além da arrebentação, um golfinho saltava feliz.

Convite

Prezados amigos,

Com grande satisfação comunico o lançamento do livro Kanamãi 'a'ahã dju'a papera - livro do artesanato juruna', patrocinado pelo convênio ABRALIN- IPHAN, de que faço parte com o projeto "Para um inventário da língua juruna". Trata-se do primeiro livro bilíngue juruna-português, escrito e ilustrado por professores e alunos juruna, e organizado e traduzido por mim. Será vendido ao preço de R$20,00, mais as despesas de frete.O lançamento ocorrerá em 30 de abril, sexta-feira, às 19:30 horas, no Museu Histórico e Pedagógico "Prudente de Moraes", situado na Rua Santo Antônio, 641 - Centro - em Piracicaba, São Paulo. Na ocasião também será feita a abertura de uma exposição de arte e fotos dos juruna, sob minha curadoria (as peças são do meu acervo pessoal, muito representativo de toda a cultura material desse povo, e as 50 fotos ampliadas são de minha autoria). Todos os visitantes da exposição ganharão uma revistinha com informações sobre o povo e atividades lúdicas, inclusive envolvendo a língua indígena.
Será uma satisfação poder contar com sua presença!
Cordialmente

Cristina Martins Fargetti

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Tempo, passatempo, contratempo

Tempo, Passatempo, Contratempo
Aracy Duarte Ferrari

Se eu pudesse escrever tudo que intenciono utilizaria várias folhas. Registro de histórias do tempo passado-presente, projeções, sonhos, entremeados de passatempos.
Referir-se às passagens altruístas bem coloridas e matizadas sendo algumas intrigantes, envolvendo amigos e amores. Todas as pessoas de idades diferentes ao acompanharem o texto, ficarão emotivas porque com elas ocorreram semelhantes envolvimentos. Irão sorrir, levando pequenos sustos e emitirão gestos espontâneos de surpresas… pura emoção!
Idealizo também pintar uma tela com pontos gravados: interrogação, exclamação, vírgula, ponto final, ponto e vírgula em cores vibrantes amenizadas com perguntas e respostas em tonalidades claras, as quais em conjunto formarão uma figura.
Estranho! Figura? De quem?
A minha encontra-se no meu relicário, a sua, abra o seu e cuidado! Ao abri-lo, o coração pulsará descompassadamente, porém os envolvimentos amorosos passados ou atuais darão conta de acalmá-lo, tornando-o feliz e ritmado.
E, tudo no seu tempo exato, como os fenômenos naturais acontecem segundo as regras precisas da física, nós também, para que ocorram as assertivas, devemos ser sensíveis: enviar cumprimentos à alguém e se possível com gotículas de amor junto ao vento; festejar datas comemorativas, aos sons de baladas, valsas, boleros, tangos, sambas, axés… juntos cantar, cantar, cantar. Enviar palavras coerentes, estimuladoras a quem precisa elevando a auto-estima, e se preciso usar palavras diretas, firmes, estilo olho-no-olho.
Também confrontamo-nos com contratempos necessários na rotina diária, sendo importante de cada situação extrair os pontos positivos eliminando os negativos e seguir.
Concomitante a todas estas passagens, não esquecer da importância dos entretenimentos necessários para enriquecer e fortalecer o viver e dar vazão às fantasias.

Lembranças...

LEMBRANÇAS
Elda Nympha Cobra Silveira

As circunstâncias ou as pessoas podem nos tirar as nossas posses materiais, podem levar o nosso dinheiro e podem levar nossa saúde, mas ninguém pode nos tirar as posses mais valiosas que temos, que são nossas lembranças.
Muitas vezes a vida deriva para uma série de desenganos, de desilusões e mesmo frustrações, com a negação dos anseios para uma vida realizada onde os sonhos sempre imperaram, desde o começo da juventude e talvez até da sua infância, muitas vezes por sua própria culpa, porque os sonhos eram ilusórios demais e sem consistência pratica.
Muitos desejam mas não se esforçam para a concretização do seu ideal, seja financeiro, amoroso, de saúde ou intelectual.
Então as lembranças chegam paulatinamente à flor da pele, quando ao se recordar dos tempos idos, na época da juventude, tinha-se um futuro alvissareiro se descortinando todo pela frente.
As mulheres ou os homens estavam à mão, porque nada ofuscava o charme, beleza, juventude e auto segurança.Essas lembranças vão chegando muitas vezes com uma ponta de orgulho misturada ao de frustração ao constatar que a realidade do hoje é bem outra do ontem.
Muitos que adquiriram muitos bens e os perderam por qualquer infortúnio, se sentem saudosos dos tempos áureos vividos.
Os que foram atletas e talvez até consagrados, revivem com alegria seus vitoriosos lances e na contemplação dos troféus adquiridos, mas é um misto de frustração por se sentirem ultrapassados e decadentes no seu vigor.
Os que gozavam de grande saúde, pela imprudência, pela falta de uma vida saudável onde os vícios prevaleceram, se sentem frustrados e impedidos de ter ilusões para ter uma vida mais longa, se deprimem porque seu tempo de vida é curto.
Aqueles que não fizeram uma boa escolha no casamento ou na vida afetiva para uma convivência plena e feliz a dois, amargam por se sentirem sós e infelizes e ainda tendo problemas familiares a serem resolvidos.
Portanto ninguém nos tira nossas lembranças que são únicas e só nossas, dependendo do ritmo e caminho que demos as nossas vidas.

terça-feira, 27 de abril de 2010

O Vazio do Copo


O Vazio do Copo
Leda Coletti

O vazio do copo ou copo vazio?
Quem entornou o líquido nele contido? Mais uma vez é aquele senhor cinqüentão, com ar abatido, roupa em desalinho, após mais um dia de trabalho na pequena indústria de artefatos de couro. Toma diariamente a sua “branquinha”, como se diz na gíria. Dessa vez tomou-a num só trago. Não satisfeito, repetiu a dose várias vezes.
Sentiu a bebida queimar-lhe, descendo até o estômago. Um leve atordoamento, seguido de sensação gostosa de relaxamento. Acredita assim, fazer uma trégua de seus problemas diários, nem que seja por parcos instantes.
O copo no balcão do bar está vazio. O homem cambaleando sai para a rua, tomando o rumo de casa. Caminha a esmo, nada enxerga; só o vazio da sua solidão.

A xícara azul


A Xícara Azul
Adenize Maria Costa

Na cristaleira da sala ficava ela , uma linda xícara de porcelana pintada de azul, recoberta por uma camada que aumentava o brilho e conferia as vezes um tom furta cor .Ao seu lado uma outra xícara mesmo tamanho e formato pintada de rosa .Mas a que mais me atraia era a xícara azul.
Raramente minha avó usava essas xícaras. Ficavam guardadas para as visitas ou para ocasiões especiais.Eu ,ainda pequena, olhava desejosa de poder um dia ter tamanho suficiente para pode tomar um delicioso café com leite na xícara azul.
Ainda menina , por volta dos meus seis ou sete anos perguntava à minha avó se quando me casasse me daria a xícara de presente de casamento. A resposta as vezes vinha num sorriso ou apenas silêncio que eu ,ansiosa, interpretava como sim e ficava imensamente feliz. Outras vezes ela me olhava e dizia ; “Mas e se até você se casar a xícara quebrar?” E eu dizia : “ Do jeito que a senhora cuida dela ela não vai quebrar nunca e a senhora sabe que eu quero ela de presente de casamento”.
Esse assunto sempre vinha à tona quando ficávamos sentadas na sala ouvindo rádio, que mais chiava do que qualquer outra coisa , ou quando minha avó tirava as louças da cristaleira para limpá-las. Anos e anos depois de muita insistência, um dia minha avó me disse : “Ta bom, no dia em que você se casar pode vir em casa pra buscar a xícara.”
Eu não podia acreditar no que estava ouvindo... Corri até minha avó , pulei em seu pescoço e comecei a beijá-la ... Minha avó era uma mulher muito séria, brava não gostava de muitas liberdades. Ela me repreendia e me beijava com olhar ... Ensaiou uma bronca pelos meus modos , mas não teve tempo porque aproveitei a oportunidade e pedi também uma panela de ferro que sido de sua mãe, minha bisavó Paulina . Minha avó achou graça e disse : “Ta bom! Pode levar mas acho que seu marido não vai gostar de ter tanta coisa velha dentro de casa “. Nem liguei para esse comentário, estava feliz demais pra pensar nisso , até porque eu já tinha garantido o mais lindo presente que podia ganhar em toda a minha vida: a xícara azul !
O tempo passou , não custou a passar , mas minha avó sucumbiu ao peso do tempo, ao peso da vida sofrida que teve. Uma vida inteira de trabalho duro, trabalho na roça. Ficou viúva ainda muito jovem mas carregou com destemor, com bravura a responsabilidade de criar seus três filhos .Infelizmente nos deixou no mesmo no ano em que me casei ...
Quando retornei da viagem de núpcias passei na casa em que minha avó morava ,onde meu tio, irmão caçula de minha mãe,ainda morava e conservava tudo do mesmo jeito , era como se minha avó ainda estivesse lá. Meu tio sabia do nosso acordo e me autorizou a pegar os meus presentes .Fiquei desapontada ao ver que minha xícara servia como bebedouro numa das gaiolas de passarinho. Pensei na xícara rosa, seu destino foi pior porque há muito tempo tinha sido quebrada. Minha linda xícara azul perdera o tom furta cor, perdera o brilho mas para mim carregava uma beleza que não sabia descrever. Lavei minha xícara peguei minha panela de ferro e fui para a minha nova casa, começar uma nova vida. Naquele momento toda a minha vida estava pintada de azul ...
Logo em seguida, minha vida ganhou novas cores com o nascimento do meu filho.Diariamente sorvia minhas porções de felicidade, as vezes, numa simples xícara de chá ou de café com leite.
O tempo passou, e ainda bem que passou porque nossa vida acontece no tempo que passa ... E nesse tempo experimentamos as quedas, as perdas, feridas que se tornam cicatrizes, as alegrias , as tristezas as derrotas, as vitórias enfim tudo o que nos confere a condição ímpar de viver .
Ainda tenho minha xícara azul, hoje , a beleza que ela contém representa a lembrança da minha infância pobre, simples mas com muita alegria, união, respeito pelas pessoas, principalmente pelos mais velhos. Lembrança de felicidades pequenas escondidas numa bala de fita, num cheiro impregnado no ar de tacho de doce de abobora apurando no fogão de lenha, cheiro de café coado em coador de pano, o farfalhar da palha do colchão da cama da minha avó. Enfim me faz lembrar a minha avó e tudo o que ela representa na minha vida: aquela figura miúda,de pouca estatura , sempre com chapéu de palha ou lenço na cabeça. Trazia sempre um avental preso a cintura, as mãos grossas, calejadas pelo trabalho árduo... quando já bem velhinha pegava minhas mãos e dizia: " Que mãos bonitas! Parece mãos de professora!"...
Como é bom aprender a olhar além das aparências porque para mim essa xícara é revestida de lembrança, saudade e de amor . Para quem apenas vê não passa de uma velha xícara azul .

Cumplicidade Conjugal


Cumplicidade conjugal
Carmen M.S.F.Pilotto


Não há limites para a ilusão no amor. Ter alguém é bom. Deitar no sofá, brigar rindo por um espaço compartilhado com o marido, a filha e o cachorro. Sussurrar ao ouvido dele intenções... A felicidade toda ao seu alcance. Não há porque ter vergonha de ser plena. Faz-se necessário revitalizar a alma seca da rotina urbânica. Lembrar sempre que numa relação a dois a intensidade da emoção depende de sua criatividade . Equilíbrio de querer bem. Recosto de corpo cansado por mais um dia de trabalho. LIBERDADE DE ESCOLHA. O cheiro de família entra pela janela e me faz extremamente feliz!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

FOLHAS SECAS


FOLHAS SECAS
Ludovico da Silva

É noite.
A música que ouço leva-me a levitar. Nas alturas, me perco em sonho. A música me acompanha. Os acordes que os instrumentos executam a tornam suave. Como suave é a noite.
Sou levado pela leve brisa que me toca, como as folhas secas sem vida, que despencam silenciosas de uma árvore triste de outono.
O parque me é bonito aos olhos. Me aprofundo entre as plantas, num zigue-zague que me confunde.
Interrompo a caminhada, para ouvir as vozes que os ventos provocam nas árvores. Umas alegres como nos dias felizes. Outras mostrando um semblante cansado da caminhada na vida. Lembranças de dias que fascinavam os olhos.
Não ouço mais a música. A noite ficou triste.

domingo, 25 de abril de 2010

Coração de Pedra

(Foto Lucas Pedruzzi)

Coração de pedra

Ivana Maria França de Negri 

 Era um romântico incorrigível, um pobre louco insensato. 
Sonhava acordado e vivia fora da realidade. 
Extremamente tímido, não conseguia se aproximar das moças. 
Ficava ruborizado, gaguejava, gesticulava demais e acabava sendo motivo de chacota dos colegas e dos risinhos sarcásticos das garotas. 
Um dia, tomou-se de ardentes amores e tornou-se escravo fiel de uma bela dama.
 Ela era perfeita: perfil grego, formas esculturais, pernas bem torneadas e mãos com longos e esguios dedos de pianista. Todos os dias, no mesmo horário, vinha namorá-la na praça. 
Gostava de admirá-la à luz do sol. Era muito branca, tez marmórea, delicada e feminina.
 Ficava horas no banco sorvendo seus encantos, embevecido, admirando sua beleza perfeita, enfeitiçado pelos olhos enigmáticos. 
Algumas vezes vinha de noite, e ela, pontualíssima, nunca falhava aos encontros. 
Sempre no mesmo local, as roupas de seda esvoaçantes coladas ao corpo sensual, os longos cabelos soltos e o lânguido olhar distante que o encantava. 
O tempo passava e o namoro não saía daquilo. Platônico, olhos nos olhos, tudo com certa distância e respeito. Como se fosse tomado por um feitiço, venerava-a cada vez mais. 
Ela, orgulhosa, mirando sempre uma mesma direção mal lhe dirigia o olhar. Fria e desumana, não retribuía seu devotado amor. Ele trazia-lhe flores diariamente.
 Depositava no banco da praça as mais perfumadas rosas, jasmins e até orquídeas lhe trazia. 
Ela, altiva, nem dignava-se a mirá-las e elas murchavam quando o sol quente surgia. Seus lábios carnudos, perfeitos para serem beijados, nem ao menos se moviam para lhe agradecer as gentilezas. Não proferia uma única palavra. 
Como não conseguia atingir sua alma, o moço definhava dia a dia. Os amigos pensaram que estava a enlouquecer, pois delirava em êxtase de adoração, entre suores e calafrios, e pronunciava palavras desconexas que ninguém entendia.
 Um dia encontraram-no caído, olhos vítreos, rígido e gelado como se de pedra fosse. Seu olhar macilento fixava um só ponto: a bela que lhe sequestrara a alma, a escultura de mármore de carrara, esculpida por um artista em homenagem a uma deusa. 
Apenas um monumento representando uma divindade do Olimpo, sem vida, sem coração. 
Quem passava pela praça avistava os dois imóveis, num espetáculo dantesco e ao mesmo tempo comovente. Nunca ninguém presenciara um amor impossível e esquisito como aquele, do jovem tímido e sonhador pela formosa estátua da praça. 
Momentaneamente estavam exatamente iguais, ambos frios, pálidos e sem alma...

  (Conto premiado em primeiro lugar no VI Concurso Literário Alpas e em segundo lugar pela Academia de Letras de São João da Boa Vista/2001 http://www.alpas.hpg.com.br/vencedoresentrelinhas.htm)

sábado, 24 de abril de 2010

Concurso Literário


A Via Literária Editora tem o prazer de anunciar o inicio do
Prêmio Literário Cidade de Porto Seguro
Contos Curtos - 2010
Prêmio para o melhor conto: R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Apoio: Secretaria de Cultura do Município de Porto Seguro – Bahia
Participem e Boa Sorte!
Informações: http://www.vialiteraria.com/

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Num porto qualquer


Num Porto Qualquer
Viviane Tremeia
(Conto classificado em terceiro lugar no Prêmio Escriba de Contos 2009)


Tem os olhos fixos num lugar qualquer. Os cabelos opacos, o rosto pálido levemente inclinado para os pés que se mexem vagarosamente, sem parar. Não se ouve um ruído, e a pouca luz que entra pela porta não alcança a poltrona que fica ao lado da cama onde ela tem passado os dias. O que eu faço? Como tirá-la dessa inércia sem tamanho? Desde que este quarto passou a ser o único lugar que existe, ninguém mais acessou o seu humor, nem quase tudo o que lhe fazia ser quem era. Desde o olhar generoso, o riso solto, as palavras certas, aos gestos mínimos como o de abanar as mãos para diminuir nossos problemas ou de empunhar os braços para nos dar uma bronca. Eu fecho os olhos e ainda consigo vê-la caminhando rápido entre uma peça e outra da casa. Ouço os gritos vindos da cozinha quando ela resolvia se enfurecer com o papagaio, presente de grego da minha avó paterna, ou a boa gargalhada quando não cabia de alegria por estar simplesmente viva. Já faz algum tempo que isso tudo seria para sempre. Por uma fresta de intenção, ainda consigo ver minha mãe de ontem nesse pouco dela de hoje que faço força para reconhecer.
Os dois eram inseparáveis. Meu pai sempre fora o porto seguro, o ferrolho, a mão quente, forte e alerta. Ela, um pássaro feliz, que rodopiava pelos caminhos dele como se enfeitasse e colorisse. Um dia, lembro-me de ter entendido o sentido de cumplicidade ao vê-los caminhando pelo jardim da nossa casa. Conversavam baixinho para que não ouvíssemos a conversa. Um parava para podar um galho seco, o outro acompanhava com os olhos admirando o gesto. Meu pai gostava de mexer com carros antigos. Era engraçado vê-la admirando um motor 250-S, como se
realmente a interessasse. Formavam uma dupla e tanto. Não era raro vê-los olhando longamente um para o outro, como se falassem sem o uso das palavras. Minha mãe tinha o poder de alegrá-lo. Ele, o dom de aninhá-la e adorná-la. Ambos, a sabedoria de serem felizes.
“Verônica, que loucura é essa agora. O que tu estás fazendo?” Foi a única vez que o vi levantar a voz para ela. Enquanto gritava, minha mãe rasgava cada uma das fotos que eles haviam recém trazido da última viagem de férias. Chorando em desespero,om raiva transpirando pelos punhos, ela murmurava quase como num transe que não aceitaria de jeito nenhum. Que deveria ser um equívoco, que não poderia ser verdade. Concentrada na tarefa, ela não vira que todos nós na sala estávamos aturdidos pela cena. Meu pai constrangido se movia em vão de um lado para o outro
como se entendesse o que se passava, mas não quisesse nos dizer.
Aquele episódio foi apenas o primeiro de uma sequência de vários bem estranhos, carregados de angústia e incompreensão. Passamos a vê-la falando sozinha pela casa, fitando, por tempos, o pátio dos fundos pela janela da cozinha. Percebemos o descuido com as roupas que usava e evitava qualquer tentativa de conversa que fazíamos.
“Próstata, meus filhos. Estou com câncer de próstata”. Repetia nosso pai completamente arrasado pela notícia. Esfregando as mãos pesadas no cabelo ralo e grisalho e sem coragem para nos fitar os olhos, seu corpo foi se encolhendo e um homem impotente e desatinado surgiu em nossa frente. Era isso. A insistência o fez confessar. Nenhum de nós aguentava mais assistir nossa mãe desaparecendo de si.
Corri para abraçá-lo. Seu choro fora inédito. A estranheza, absoluta e, como um susto, tudo mudara diante de nós. Incólume, a certeza de que jamais seríamos os mesmos e entre nós um olhar conivente de quem busca uma saída.
Ele nunca adoecia. Lembro da mãe me dizendo: “Juliana, tu devias ter puxado ao teu pai, igual ao Murilo”, meu irmão mais novo. “Estás sempre doente, menina!” Já o Tiago, o irmão do meio, era como eu. Qualquer resfriado era motivo para gazear aula. O nosso pai não. Não havia o que derrubasse o homem. Sim, a doença fatal era descabida, um desaforo.
O médico lhe dera um prognóstico vago. Tudo dependeria do tratamento. Meu pai ergueu-se num pacto particular impressionante. Dispondo-se a enfrentar a morte, a dor, a doença. Minha mãe não. Irônica e lentamente como um câncer, a doença dele a consumia, levando-a para longe de nós, para um porto qualquer de endereço desconhecido.
Os dias transformaram-se em meses que tornaram-se anos e minha mãe jamais voltou.
Não houve sequer um especialista que não tivéssemos procurado para tentar resgatá-la.
Assistimos, em pânico, o abandono de si mesma, como um mistério silencioso e cruel.
Num domingo desses, peguei os dois caminhando no pátio como nos velhos tempos.
Meu coração se encheu de esperanças. Meu pai acariciava a cabeleira desajeitada de minha mãe, enquanto a consolava do seu pavor sem volta. Sim, era assim que chamávamos o que nós víamos. Ela não reagia. Via-se que o desvio pego por ela já havia sido por demais percorrido. Os olhos ternos do meu pai clamavam por uma reação. Mostrava-se forte, com a vivacidade que sempre nos balizou. A doença dormia no corpo dele, os sinais eram de um homem absolutamente saudável. Ela, nunca mais voltara.
Estico os lençóis ainda quentes, abro a janela do quarto, olho para ela o mais fundo que consigo pelo tempo que ela me permite. Com meus braços em seu contorno, me faço presente. “Mãe? Fala comigo. Onde te encontro, mãe? Em que porto te perdeste?”
Cinco anos se passaram desde o anúncio da doença do meu pai. Ela pisca os olhos em resposta e um sorriso seu, de canto de boca, me acende.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Eu era assim...

Quem é esta linda menininha segurando o vestido e com laços de fitas?
É a dona deste lindo sorriso, a poetisa e escritora Leda Coletti

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A silhueta de Hiroshima


A silhueta de Hiroshima
Cássio Camilo Almeida de Negri

O céu amanhecera limpo, sem nenhuma nuvem. Atrás da montanha, o sol nascente estampava no firmamento o símbolo nipônico. Nem parecia que estávamos em guerra aqui em Hiroshima.
As incessantes sirenes, que anunciavam os bombardeios americanos, há dias não soavam.
Eu estava no pátio da escola com a vassoura nas mãos, varrendo-o das folhas mortas, pois era o servente.
A hora do recreio findara há instantes e todos estavam de volta às salas de aulas.
De repente, uma rajada de energia que parecia vinda do portal do inferno recém-aberto, me estatelou na parede caiada do espesso muro de entrada. Minha consciência se apagou e nada mais percebi.
Dias depois, recobrei a consciência e me vi andando sem rumo pelo jardim que agora mostrava somente árvores carbonizadas. Da escola, só restavam algumas paredes, o teto, assoalho, vidros, tudo havia evaporado.
Via corpos carbonizados e outros andando sofregamente, completamente nus, carnes queimadas, como que derretidas e escorrendo dos fêmures, tíbias e ulnas.
Muitos corpos a tremer pelo chão sendo devorados por bilhões de vermes dos ovos das moscas ali depositados. Disso só calculei que o inferno passara por ali há dias.
No entanto, eu não sentia nenhuma dor. Continuava saudável e belo, como sempre fora, como a flutuar entre as fumaças e o odor de carne podre, tentando ajudar os combalidos.
Imaginei então que deveria ser um ataque americano com uma nova arma, a do juízo final.
Mas eu, aqui tão bem, como é possível não ter sido atingido?
Não tinha tempo para pensar muito, pois precisava prestar socorro aos outros.
Os dias se passavam e eu não sentia fome, sono, só queria doar minha cota de ajuda aos semelhantes.
Após mais de três meses, sem sentir nenhuma necessidade, nem de beber água, comecei a achar estranha aquela situação.
Voltei à escola, e na parede caiada de branco, vi impressa uma silhueta negra com boné e vassoura na mão em tamanho natural.
Foi quando compreendi o que minha mãe dizia e eu, como jovem, ainda não acreditava:
-“A morte não existe, pois a alma é imortal”.
Meu corpo fora vaporizado e aquele contorno negro de minha silhueta, gravado na parede branca, era tudo o que dele restara.

Ladeira abaixo

Ladeira Abaixo
Adenize Maria Costa

Quantos sonhos, quantas identidades, quantas vidas desceram ladeira abaixo, bastaram algumas horas de chuva ...
Diante de situações como essa surgem questionamentos dispensáveis, como por exemplo : “ Onde é que estava Deus que não evitou essa tragédia?”
O Padre Fábio fala com muita Sabedoria e propriedade que a Graça de Deus passa o tempo todo pelas nossas escolhas , essa é a única maneira de Deus agir em nosso meio...
Um dia alguém escolheu construir uma casa em local de risco , encima de uma montanha de lixo ... Um dia alguém escolheu avaliar as condições do lugar, observar a grande quantidade de gás metano emanando do solo e nenhuma atitude concreta foi tomada .. Um dia alguém escolheu urbanizar os morros ....
Nossos dias, nossa vida são pontuadas por escolhas e Deus nada tem a ver com isso se não fizermos nossas escolhas com Sabedoria.
Fiquei pensando nessas catástrofes dos últimos meses que estão acontecendo em vários lugares do mundo e acredito que , de fato, são conseqüência das escolhas : um dia em nome do progresso escolhemos desmatar, poluir, derrubar , construir , explorar , destruir e ficamos totalmente vulneráveis quando a Natureza reage ...
Assistindo uma reportagem ontem sobre a tragédia em Niterói , ouvindo uma menina de 08 ou 09 anos , de nome Laura Beatriz descrevendo com muita riqueza de detalhes a experiência difícil de ver a morte se aproximar de maneira tão concreta, ela disse que no meio daquela lama ouvia a voz de seu pai , chamando pelo seu nome ... Acredito que Deus estava falando por ele naquela hora ... Assim como acredito que Deus está agindo através das tantas pessoas que escolheram socorrer , abrigar, alimentar as pessoas que sobreviveram a essa tragédia.
Esses fatos me assustam, me sensibilizam, me fazem recordar que precisamos viver de modo que nossas escolhas não nos levem ladeira abaixo.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Eu era assim...

Quem é este garotinho de cabelos encacheados nos anos 50?
É o médico escritor integrante do Golp Cassio Camilo Almeida de Negri


segunda-feira, 19 de abril de 2010

Regulamento do Concurso Literário de Susano

PREFEITURA DE SUZANO - SECRETARIA DE CULTURA
ASSOCIAÇÃO CULTURAL LITERATURA NO BRASIL


6º Concurso Literário de Suzano
Edição: Carolina Maria de Jesus


Categorias:
1ªConto • 2ª Poesia

Autora homenageada

Carolina Maria de Jesus nasceu em 14 de março de 1914 em Sacramento, estado de Minas Gerais. Mãe de três filhos, estudou pouco mais de dois anos. Toda sua educação formal na leitura e escrita vem deste pouco tempo de estudos. A obra mais conhecida, com tiragem inicial de dez mil exemplares esgotados na primeira semana, e traduzida em mais de 20 idiomas nesses últimos 50 anos é Quarto de Despejo – Diário de uma favelada. Essa obra resgata e delata uma face da vida cultural brasileira quando do início da modernização da cidade de São Paulo e da criação de suas favelas.
Além de Quarto de despejo, Carolina também publicou Casa de alvenaria (1961), Provérbios e Pedaços da fome (1963) e Diário de Bitita (publicação póstuma, realizada em 1982).
A obra de Carolina Maria de Jesus é um referencial importante para os estudos culturais e incentivou centenas de escritores no mundo todo.
Carolina faleceu no dia 13 de fevereiro de 1977.

R e g u l a m e n to
Participação

1- Aberto de 10 de abril á 30 de junho de 2010 a todos os residentes do território
nacional. O tema é livre e os trabalhos deverão ser inéditos em qualquer meio (impresso ou virtual) e redigidos em Língua Portuguesa.
Não há limite de idade. Menores de 18 anos deverão trazer ou enviar autorização assinada pelos pais ou responsável.

Inscrições e envios

2- A inscrição é gratuita. Serão aceitos até 2 textos por inscrito, sendo que o
participante poderá efetuar a inscrição em apenas uma categoria do concurso. Não é obrigatório inscrever 2 textos.

3- O limite de páginas para a categoria Conto não deve ser superior a 5 (cinco) e para a
categoria Poesia não deve ser superior a 3 (três). Nas duas categorias, a apresentação
dos trabalhos deverá ser feita em 5 (cinco) vias, em folha sulfite A4, numerada,
digitado em uma só face do papel, em fonte Times New Roman, letra 12 (doze) e
espaçamento 1,5. Em cada trabalho deve constar o pseudônimo do autor que virá logo abaixo do título.
Os textos que tiverem mais de uma página deverão ser grampeados.

4- Os trabalhos terão de ser acondicionados em um envelope grande padrão, (tamanho
aproximado 33x23), tendo dentro desse um outro envelope menor e lacrado, (tamanho aproximado 25x19), contendo a ficha de inscrição com os dados do participante: nome e endereço completos (inclusive CEP), bem como o número telefônico para contato, celular e e-mail, pseudônimo adotado, título dos trabalhos, breve currículo literário e pessoal (máximo 5 linhas), além de um comprovante bancário com o número da conta.

5- O modelo da ficha de inscrição está disponível para download no site: www.suzano.sp.gov.br/agendacultural
Os trabalhos deverão ser acompanhados de um CD onde contenham os textos
e o breve currículo literário e pessoal digitados.

6- Na parte externa do envelope menor lacrado, apenas o pseudônimo e os títulos dos trabalhos. Na parte externa do envelope maior, campo remetente, usar o pseudônimo adotado. E o nome 6º Concurso Literário de Suzano - Edição Carolina Maria de Jesus no campo destinatário. Especificar na parte externa dos dois envelopes a categoria que está participando e o âmbito: Regional ou Nacional.
Regional refere-se aos residentes nos municípios do Alto Tietê: Arujá, Biritiba Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Santa Isabel e Suzano. E Nacional se refere aos residentes no Brasil fora dos municípios incluídos no âmbito regional.

7- Os trabalhos deverão ser entregues na: “Secretaria Municipal de Cultura”, aos
cuidados da Coordenadoria Literária, ou enviados pelo correio:

6º Concurso Literário de Suzano – Edição Carolina Maria de Jesus
A/C Coordenadoria Literária
Rua Benjamin Constant, 682 –
Centro - Suzano - SP - CEP: 08674-010

8- Apenas serão aceitos os trabalhos entregues até o dia 30 de junho do ano de 2010. Os
trabalhos enviados após esta data ou que não tiverem de acordo com o
regulamento, não serão considerados participantes e como os demais, não serão
devolvidos. Para os trabalhos enviados pelo correio valerá a data de postagem.
A Prefeitura de Suzano não se responsabiliza por possíveis extravios que possam ocorrer com os trabalhos enviados pelo correio.

Direitos autorais

9- Os participantes deste concurso concordam automaticamente em ceder os direitos
para eventual uso das obras pela Prefeitura de Suzano, no período de 3 (três)
anos.
Será preservada a menção de crédito, de acordo com a legislação que trata, especificamente de direitos autorais no país.
Comissão julgadora
10- O julgamento dos trabalhos será da inteira competência de uma comissão julgadora, formada por escritores e professores com conhecimentos literários que os tornam amplamente aptos a julgar e classificar os textos.
A decisão dos jurados é irrecorrível.

Critérios de avaliação:
a) Criatividade
b) Literariedade
c) Conteúdo
Resultado
11- O resultado deste concurso será divulgado a todos os participantes no sarau “Pavio da Cultura” – Sessão Solene, dia 11 de setembro de 2010, no Centro de Educação e Cultura “Francisco Carlos Moriconi”, Rua Benjamin Constant, 682, Centro, Suzano, SP. O resultado somente estará disponível para consulta na internet a partir do dia 14 de setembro.

Só serão divulgados os dez primeiros ganhadores de cada categoria.

Premiação
12- A premiação, válida para as duas categorias deste concurso, será:

1º Lugar regional conto: R$ 900,00 (novecentos reais)
1º Lugar regional poesia: R$ 900,00 (novecentos reais)
1º Lugar nacional conto: R$ 900,00 (novecentos reais)
1º Lugar nacional poesia: R$ 900,00 (novecentos reais)

13- Os 10 (dez) primeiros classificados de cada categoria participarão da tradicional revista “Trajetória Literária” de nº 6 que será lançada no dia 11 de dezembro de 2010. Essa publicação é ilustrada e não se restringe apenas ao círculo dos autores. Ela é doada a centenas de bibliotecas por todo o Brasil e para departamentos de cultura dos países de Língua Portuguesa.

14- Cada um dos 10 classificados em cada categoria receberá 20 exemplares da revista.
Os que residirem fora do município de Suzano e que quiserem receber sua cota pelo correio arcarão com as despesas do envio.

15- Os casos não previstos neste regulamento serão resolvidos pela comissão organizadora deste concurso.
16- O ato da inscrição neste concurso, implica na aceitação plena dos termos acima.

Obs: Não deixe para fazer sua inscrição nos últimos dias!

Cronograma do concurso:

- Inscrições: de 10 de abril à 30 de junho (através do regulamento e entrega no local das inscrições pessoalmente ou pelo correio)
- Resultado: 11 de setembro (Centro de Educação e Cultura “Francisco Carlos Moriconi”)
- Resultado na internet: 14 de setembro (Site da Prefeitura de Suzano e no blog da Associação Cultural Literatura no Brasil)
- Lançamento da revista “Trajetória Literária” n° 6: 11 de dezembro

Informações específicas:
(11) 7348-0400

Informações gerais:
cultura@suzano.sp.gov.br

Site da Prefeitura de Suzano
www.suzano.sp.gov.br/agendacultural

Blog da Associação Cultural Literatura no Brasil
http://www.literaturanobrasil.blogspot.com/

Indio


INDIO
Ludovico da Silva

Dentro de pouco tempo, não se ouvirá mais falar de índio, a não ser como lembrança, que ficará marcada como saudade. O contato direto com as civilizações mudou seu modo de viver. A maioria das tribos mudou o comportamento primitivo.
Aquele ser humano encontrado em estado selvagem, mas feliz na sua vida cotidiana, aos poucos, está desaparecendo. Mesmo algumas nações consideradas extintas, redescobertas, apresentam adiantado estágio de comportamento para sua espécie, quer como evolução social, em relação à primitiva, como no desenvolvimento do cultivo da terra, para sua sobrevivência.
Claro que o progresso, evidenciado com o passar do tempo, se deve à presença de mentores preparados no processo de evolução desses povos, embora com prejuízos aos verdadeiros valores indígenas.
Nesse aspecto, difícil é salvar por inteiro as riquezas milenares dessas famílias, ou fazê-las mudar hábitos e costumes de sua sociedade.
Hoje, perto das civilizações, já se encontram índios se aventurando pelos caminhos evoluídos, até se comportando com apreciável senso nos negócios e na política.
Tudo aprendendo com os civilizados. Civilizados?

domingo, 18 de abril de 2010

Paralelas


PARALELAS
Sidney Netto Parentoni
(Conto selecionado em segundo lugar no 7 o Prêmio Escriba de Contos)


Primeiro um breve movimento das antenas. Parecia sentir a textura da folha. Depois a procura pelo jeito certo. Posicionadas as tesouras, dava início ao corte. Não buscava uma forma definida.
Mas tinha que ser capaz de suportar o pedaço destacado. Tenta ajeitar a carga. Tinha que achar o ponto de equilíbrio. Pendia muito para a esquerda. Não ia dar conta de seguir adiante. Muda de novo a posição. Tenta outra forma de carregamento. Agora sim, a situação estava sob controle. Arrastou-se pelo primeiro galho.
Caminho tortuoso, íngreme. Tateava procurando a forma mais segura de prosseguir. Bem que poderia trabalhar no circo. Mistura de equilibrista e malabarismo, descia de cabeça para baixo no tronco rugoso. Ganha o chão. Já era meio caminho andado. Vinha
agora a parte mais fácil. Seguir pela trilha em disparada, carregando seu tesouro. Cruza com as companheiras pelo caminho.
Um toque suave e reconhecem umas às outras. Chega à porta do túnel. E some. Daí em diante, tudo eram mistérios. João da Luanunca soube ao certo o que acontecia lá em baixo. Ao homem comum, era dado o poder de contemplar as maravilhas sobre a terra. As profundezas do chão e as nuvens do céu eram território dos deuses. Imaginava o que podia se passar ali. Saber ao certo estava acima de sua capacidade. A ele, bastava ir até onde os olhos podiam ver. Que o além cuidasse do que andava oculto.
João da Lua ficava horas observando as formigas. Admirava sua força. Carregavam folhas muito maiores que seu corpo frágil. Respeitava sua determinação. Não desistiam nunca. Achavam um jeito de transportar as cargas. O que mais lhe chamava a atenção é que estavam sempre em harmonia. Umas defendendo as outras. O importante era o todo, o conjunto. Uma formiga era apenas uma formiga. Sem vaidades, sem egoísmo. O formigueiro tinha que ser alimentado. O resto era secundário. Sem importância. Deleitavam-se em sua própria rotina. Apenas seguiam.
Estava com fome. Revirou o embornal desbotado. Tirou lá de dentro um pedaço de pão velho. Murcho, duro, guardado há quase uma semana. Roeu a iguaria sem pressa. Apreciava o gostinho salgado de um pão dormido. Talvez fosse aquela a única refeição
do dia. Ia depender da caridade alheia, ou do que coletasse pelos caminhos. Deus havia de prover. Anos atrás, ganhara de presente uma bíblia velha. Lia uns trechos salteados de quando em vez.
Gostava da parte dos lírios do campo. Como eles, não fiava nem tecia. Mas havia sempre alguma boa alma a cruzar seu caminho.
Um pouco de comida, uma muda de roupa velha. Isto lhe bastava. O resto tirava dos matos à volta. Tinha prazer em estudar os detalhes, o vai-e-vem dos seres diversos. Sentia-se parte de um todo. Terra, planta, bichos, homens, nuvens e deuses. Tudo ligado por finos fios. Buscava entender essa teia. Cada passo nessa direção o levava mais para perto do Criador. Sabia-se menor que a semente de mostarda. Mas nunca duvidara que viesse a ter alguma utilidade nos planos divinos. Estava atento aos sinais à volta. Viessem de uma formiga ou de uma nuvem. Para isso, não podia ter pressa. Tinha que ser dono do seu próprio tempo. Esta era sua única posse. A mais
valiosa. Logo acima, pendurada num galho, descansava uma lagarta. Começava a tecer seu casulo. Perdera a conta de quantas vezes acompanhara essa mesma história. Nunca entendera aquele milagre. Sabia apenas que a lagarta fiava sua própria mortalha.
Entrava um ser rastejante, gosmento, cheio de pernas. Como o Mestre, jazia em seu sepulcro até a hora marcada. Lá de dentro, renascia feito borboleta. João não se fartava de olhar. Tinha sempre um gostinho de primeira vez. Dava um nó na garganta. Na multiplicidade dos milagres, cada um era único. Para cada lagarta, uma nova borboleta. Novas asas, figurinos variados. Cada uma flechando o céu de maneira própria. Explodindo em cores. Atores distintos de um mesmo espetáculo. Na platéia, nunca se cansava de aplaudir. De se emocionar.
A esteira amiga já tinha cumprido seu papel. Sustentara seu corpo sobre as lajes frias. Agora velha, estava pronta a seguir sua própria viajem. Com cuidado, ajeitou a companheira debaixo de um pé de pau d´álho. Era só uma questão de tempo. Aos poucos, ela ia virar terra. Depois, talvez virasse árvore, virasse fruto, virasse pássaro e ganhasse os céus. Múltiplos eram os caminhos. Infinitas as encruzilhadas das coisas. Era hora de tecer uma nova amiga. Desceu em direção ao brejo. Escutou o barulhinho da correnteza. Os pés de taboa pareciam um jardim. Brotavam por entre as águas. Como o “caniço agitado pelos ventos”, cumpriam um ritual de batismo. Filtravam as águas. Tiravam delas toda mancha, toda impureza. Pegou o canivete e foi cortando. Depois
era aparar no tamanho certo e deixar secar. Procurou por guaximas no mato ao lado. Da casquinha dos ramos fez uma embira. Cordinha firme, ia dar forma a sua obra. Taboa seca, começa a tecer a esteira. Amarra os pedaços, com ajuda da embira. Naquela noite, teria cama nova. A taboa, agora, ia ter outra missão. Facilitar seu sono. Sustentar suas carnes. Talvez, com saudades do riacho, ajudasse também a filtrar seus sonhos. Por algum tempo, seriam companheiros de viagem.
Nuns ramos acima viu um ninho de trucal. Subiu pelos galhos. Três ovos descansavam entre as palhas. Tirou um e guardou junto a outros no embornal. Dois filhotes bastavam. Facilitaria o trabalho dos pais. Olhou as nuvens. Céu carregado. A noite viria com ventos e trovoadas. Procurou abrigo numa lapa próxima. Acendeu uma fogueirinha, encheu uma lata com água e cozinhou os ovinhos. Iam acalmar seu estômago.
A tempestade foi se formando aos poucos. O céu ia devolver à terra a água tirada pelo calor dos dias. Naquele momento, as nuvens pareciam ter pressa. Queriam retornar de uma vez o que levaram tempos para acumular. O aguaceiro veio forte e, junto com ele, seus arautos: ventos e raios. Os ventos testavam os seres. Talvez o Criador quisesse saber quem merecia continuar vivo e quem devia seguir outros caminhos. Cada um tinha que mostrar sua força. Da erva rasteira à rocha na serra. Ninguém escapava da provação. Entretanto, nessa hora, força era algo relativo. Muitas vezes, a relva que vergara ao chão durante a tempestade, no outro dia estava lá, empezinha. Como se nada tivesse acontecido. Já o rochedo, que se achava todo poderoso, rola morro abaixo com a
ventania. Parte-se num milhão de caquinhos. Paga o preço do seu orgulho.
Os raios lembravam ao João, mensageiros entre céu e terra. Buscavam sempre o caminho mais curto entre esses mundos. Talvez por isso, os ipês fossem seu alvo predileto. As copas eram altas, tocavam as nuvens. As raízes mergulhavam nas profundezas. A missão dessas árvores parecia ser ligar céu e terra. Comunicação
tão poderosa que a morte era conseqüência natural. Necessária.João puxou o cobertor rasgado sob a lapa de pedra. Ajeitou-se na esteira, olhou mais um pouco a chuva e adormeceu. Se fosse da vontade de Deus, a manhã ia trazer outra jornada. Outros
caminhos. Desfrutaria as lições do novo dia. Um bem-te-vi interrompeu seus sonhos. Os primeiros raios de sol vestiam a manhã. O ar estava fresco, lavado. O mundo parecia novo. Recomeçando. João desceu até a estrada. Ziguezagueou entre as poças d´água. A imagem refletida lhe parecia estranha. Barbudo, rasgado, sujo. Não era assim que se
via. Dentro daquele casulo, talvez morasse uma alma de borboleta.
A maioria das pessoas, entretanto, só enxergava a lagarta.Gosmenta, feia, indesejada.
Avistou ao longe uma casinha branca. Conhecia há muito aquela morada. Agostinho Leite e sua família sempre o recebiam bem. Faziam brincadeiras inocentes com o andarilho. João fingia ser meio lento das idéias. Esta era sua forma de lidar com os outros. Posicionar-se sempre um degrau abaixo. Mais tolo, mais lerdo, mais atrasadinho. Com isso, evitava os questionamentos. Explicar não ter morada, família, trabalho, bens. Fugir dos porquês. Porque era como era. Porque era diferente. Do convívio com oshumanos, buscava apenas o essencial. Uns nacos de comida e um pouso de quando em vez. Sem muita conversa. Sempre achara mais fácil se relacionar com outros seres. O bicho homem era muito complicado. Imprevisível. Acostumara-se ao silêncio das estradas. Sentia-se um forasteiro no mundo das pessoas.
Zezinho logo grita no terreiro: ”Oh mãe, João da Lua tá chegano”. Dona Cilene aparece na porta da cozinha. “Bom dia João! Senta aí perto da tuia. Daqui a pouco o almoço tá pronto”! Na maioria das vezes, era esse o único diálogo. João sentava no seu cantinho, meio escondido e apenas esperava. Apenas observava.
Respeitavam seu silêncio. Ele por sua vez, não interferia nas rotinas da casa. Agostinho Leite chegava sujo, vindo dos brejos de arroz. Saudava o andarilho e ia lavar os pés antes de comer. O prato d João vinha sempre mais cheio. Mas com a mesma comida servida à família. Só que em maior quantidade. Sabiam que comida quentinha era coisa bissexta em sua jornada. Incerta. Tinha que ter estômago de camelo. Fartar-se até a próxima parada. Aquela família era humilde. Sem posses. Quase tudo saía do cabo da enxada de Agostinho. Talvez por viverem no limiar da pobreza, entendiam melhor as necessidades do João. Eles próprios já tinham deitado com a barriga roncando. Sem nada nas latas da despensa. Por isso, olhavam o andarilho com naturalidade. Aquele era o dia em que podiam ajudar. Em outros tempos, talvez eles mesmos iam estar à mercê da compaixão alheia. Todos, partes de uma mesma teia. Conectados numa mesma história. João da Lua foi criando uma teoria sobre os homens.
Chamou-a de “Teoria da Distância”. Para ele, a verdadeira caridade era inversamente proporcional às posses. Os iguais se entendiam. Se toleravam. Habitavam mundos limítrofes. Falavam uma mesma língua, tinham dificuldades semelhantes. Naquele ambiente pobre, a compaixão era verdadeira. Sem maquiagens. Sem artifícios.
Apenas existia. No outro extremo, quanto mais aumentava a riqueza mais crescia o estranhamento. A distância. Reduzida era acomunicação. Olhavam-no como de uma outra espécie. Distinta filogenia. Um estorvo a ser mantido ao longe. De preferência, fora das vistas. Migalhas lhe eram jogadas com nojo. Com brevidade. A finalidade do alimento doado não era sustentá-lo. Pagavam com eleprestações ao Altíssimo. Esperavam, em troca, ocultos favores do céu. Não era caridade. Era barganha. Já no extremo dessa escala, João se tornava invisível. Ignoravam-no completamente. Passava a não existir. Cruzavam com ele pelos caminhos como se fosse uma pedra. Um pau. Um nada.
A caminhonete passou voando. Quase atropela o andarilho. Vidros escuros, ar condicionado, carroceria blindada, música no último volume. Recriado lá dentro, havia um outro mundo.
Desconectado. Incomunicável. Ilha urbana perturbando a paz dos caminhos. Lá seguia uma família de posses. Newton era homem da cidade. De idéias grandes. Sentia que o mundo existia para servir a seus interesses. Tudo que não estivesse em seus planos devia ser removido. Apagado. Para ele, homens e mulheres valiam pelo que tinham. Julgava-os pelo seu peso em ouro. Seu desejo de ser sempre maior lhe valeu um apelido. Era conhecido por todos como Newtão. Meses atrás, comprara um mundo de terras por aquelas bandas. Ia mudar tudo. Construir casas, galpões, currais. Drenar os brejos e erguer barragens. Acabar com a gentinha preguiçosa da região. Transformar aquele mato inútil em pasto. Em gado. Em carne. Em dólares. Tudo grande, quilométrico, imediato. E assim fez.
João sentiu uma pontada no estômago. O que era aquilo? O que estavam fazendo? “Tadinha das taboas” ! A máquina rasgava, cortava, destruía. Em pouco tempo, o brejo foi sumindo. Sem choro, sem lamentações, sem saudade. Como se nunca tivesse existido.
Uma a uma as árvores do mato ao lado iam sendo arrancadas. Retorcidas, empurradas. Amontoadas como traste inútil em meio a terra devastada. E as formigas, e as lagartas e os passarinhos?
Para onde iriam, a quem recorrer? João viu seu mundo ruir. Onde andavam os Deuses que nada faziam? E os seus raios, ventos, enchentes? Porque não vinham naquela hora e destruiam esses invasores? Talvez a justiça Divina fosse paciente. Mandaria a conta a prestações. Em secas, miséria, ventos, inundação. João da Lua lançou um último olhar sobre os seres que amava. Sua alma também estava partida. Pranteada. Seguiu como cego pelos caminhos. Queria ir sempre andando. Buscar um outro mundo. Uma
outra história.
Nessa hora, Newtão passa voando pela estrada. Ia para a sede da fazenda. Por segundos se aproximam. João nem parece ver o carro. Fala sozinho, gesticula, protesta impotente. Cada um em seu próprio espaço-tempo. Sua própria dimensão. Prosseguem em direções opostas. Aquelas duas vidas seguiam paralelas. Talvez um dia, se encontrassem no infinito.

sábado, 17 de abril de 2010

Mamãe trabalhava à noite


Mamãe trabalhava à noite
(1º lugar no 7o Prêmio Escriba de Contos 2009)
Emir Rossoni

Mamãe trabalhava à noite. “Cuide da maninha até eu voltar.” Sempre que faço sombras de lua, lembro-me dela. Ela só voltava na madrugada. Maninha chorava, maninha brincava. Mas eu nunca dormia.
Nossa vida era pacata e quase normal. Só agora sei que mamãe dormia nas manhãs, depois que eu saía para o colégio. “Pegou a merenda?” Eu não gostava muito dos sanduíches. Porém ela sempre preparava as fatias de pão com recheio antes de me acordar.
Sinto o sabor até hoje, sabor de estômago cheio, temperado com saliva. Ela tinha, às vezes, marcas pelo corpo. Eram marcas de feijão para o almoço, de repolho com vinagre. Quando ela se distraía eu podia ver outras marcas; de remédios pra gripe, de tênis novo. Algumas custavam a sair. Outras sumiam no mesmo instante que eu as via. Pareciam as mais doídas.
Não lembro dela ter amigas. As visitas que recebia nalgumas tardes eram da tia, que gritava. “Quer matar a mãe do coração?”. A mãe que a tia falava era a vovó, que só foi
lá em casa uma vez. Complicado identificar o rosto dela, mas posso perceber que ela usava roupas de avó, largas, balançando.
Difícil explicar porque essa rua lembra mamãe. Nunca caminhei por aqui com ela. Mas a calçada tem seu cheiro. Aparência de garoa, eis o que mamãe tinha. Garoa que chora, chora, chora. Mas nada molha. Talvez por isso sua maquilagem estivesse sempre impecável. E seus olhos tristes irradiavam brilho.
“Já pra dentro.” Dizia quando os meninos me chamavam de nomes estranhos. Eram nomes que usavam botas de cano alto. Casacos compridos de cores vistosas. Mamãe me abraçava. Maninha me olhava, a chupar o dedão, pois sempre deixava cair a chupeta e não sabia pedir que a ajuntássemos.
Mamãe era alta. Naquele tempo todos eram altos. Tinha o cabelo negro liso.
Escorrido em direção ao queixo. E só usava brincos à noite; os colocava pouco antes de
sair. Basta levantar os olhos e vejo seus brincos. Eles brilhavam aos raios da luz que vem dos poucos postes. Não é raro eu passar aqui. Mas sinto esses mistérios a cada piscar. Os carros que passam levam mamãe; e trazem de volta.
“Vamos menino, come logo que tenho de sair.” Porém nem sempre eu tinha vontade de jantar. Vez em quando, respirava fundo e saía. Me deixava lá. Então eu jantava uma sopa de ausência.
Primeira noite de mamãe em casa foi no meu aniversário. Meu primeiro aniversário foi aos sete anos. Mas não foram os colegas de classe. Nem a tia que eu não gostava. Nem a vó que eu não conhecia. Mas foi diferente ver a mãe em casa a noite inteira.
Maninha encheu o nariz de merengue. Eu apaguei uma vela e ganhei um presente. Só depois fui ver que meu presente era uma marca inchada na coxa de mamãe.
“Agora vamos dormir.” E foi a única vez que maninha deixou o berço e eu deixei o sofá-cama para dormirmos os três juntos no colchão esticado no chão.
É sem sentido um homem parar à uma rua sozinho. Sentir garoa e olhar brincos e casacos largos. Mas vejo sentido em reparar mamãe e abrir os braços. E, de repente, faz sentido eu ver outra mamãe a acenar. E outra mamãe com sorriso largo. E também faz sentido aparecerem mais três mamães a mandarem-me entrar. E quando eu digo “Sim, mamãe.”, faz sentido apenas uma aproximar-se. Andar firme, andar ausente.
Mamãe sempre teve marcas pelo corpo. Eu não gostava delas. Eram marcas de tudo. E um dia haviam tantas marcas de tantas coisas que não havia mais pele original de mãe. “O que é isso, mãe?”. Ela me olhou demorado, virou o rosto pra maninha, depois voltou-se a mim e sacudiu meu corpo de menino já grande. “É a vida, filho.”
Nunca mais a vi. Em mim, também há uma marca. Que só eu posso ver. Uma marca que também cresce e refugia-se nesta rua. Por isso venho aqui. Para ver seus brincos, suas botas de cano alto, seu casaco de cor vistosa. Mas também vejo o que não quero ver.
Marcas; muitas. Então visto-me apressado, para não ouvir as frases que fazem minha marca crescer. “Ande logo, tenho dois filhos para sustentar.”

sexta-feira, 16 de abril de 2010

DIFERENÇAS - Elda Silveira


DIFERENÇAS
Elda Nympha Cobra Silveira

As horas tardias, num decrescendo foi transmutando a cor do aposento, antes moldado pela penumbra da noite. A luz solar coada nas tramas da cortina de voile transparente foi transformando o ambiente em lindo dia de sol e insolente ele foi despertando a linda jovem ainda insone que abrindo os olhos sonolentos contra a claridade, sorriu.
O sentimento de felicidade invadiu sua alma ao constatar que esse seria mais um dia pleno na somatória de sua vida, ao receber de Deus o presente do sol, um friozinho para se aconchegar nas cobertas de lã de carneiro, nos lençóis perfumados de lavanda e à sua espera uma mesa farta de iguarias.Um cheirinho de café coado impregnou suas narinas e aguçou o sentido do seu paladar.
Que diferença entre o seu viver e de outras que fazem da rua sua moradia, usam jornais como seu cobertor e enfrentam o frio que vai enregelando não só seus membros mas também toda sua alma, onde sua fome não espera ser saciada nem mesmo de amor.
Meu Deus por que essa diferença de vivência? O que foi feito para terem caminhos tão diversos? Por que uns já nascem com privilégios, recebendo carinho, afeto e amor familiar, vida opulenta e cercada de amor?
Todos têm que evoluir na escala espiritual, uns estão permeando “caminhos nunca dantes navegados”, outros já, pelos seus merecimentos, já galgaram uma posição espiritual melhor e tem outros tipos de desafio para moldar seu espírito.
A meta é alcançarmos o divino, todos podemos ser santos e a vida é muito breve. Vale a pena, porque a vida não se finda com a morte mas continua num outro plano espiritual.

Convite - Rio das Artes

Amigos, convido-os a prestigiarem o Projeto "RIO DAS ARTES", evento que acontece pela primeira vez em Piracicaba.

Maiores informações acessando o site:
http://riodasartes.blogspot.com





quinta-feira, 15 de abril de 2010

O leitãozinho - Milton Martins

O leitãozinho
Milton Martins

Sempre que ia ao açougue naqueles tempos, já saindo da meninice, me dava um aperto no peito aqueles ganchos nos quais eram pendurados pedaços de cadáver de porco e boi.
Sempre no mesmo horário de domingo, frequentemente, um chinês dono de pastelaria próxima, aproveitava o moedor do açougue para preparar o recheio dos pasteis. Os filetes da carne moída e das pelancas que se misturavam caiam numa bacia imunda, meio amassada, contendo nas reentrâncias resíduos de outras moagens.Os pedaços de porco mais me impressionavam porque havia alguns anos assistira ao abate de um leitãozinho que circulava meio livre pelo quintal. Lá estava, presente que meu pai recebera, nem sei bem porque e de onde.Chegou o dia de ser abatido.
O vizinho afeito à matança desses animais se prontificara a não só abater o bicho já grandinho como retalhá-lo em pedaços para serem consumidos. O Natal seria comemorado dali a uns dias.
Numa manhã de domingo tal se consumou. O homem, já velho, curvado, nariz avantajado com crateras lunares, olhos avermelhados, sem expressão, de chapéu de feltro batido e desbotado, escondendo seus cabelos grisalhos, apropriou-se de uma faca enorme, agarrou sem dificuldades o porco porque habituado à presença de todos, segurou-o pelas costas apertado-o no seu peito com o braço esquerdo e com a mão direita desferiu o golpe abaixo de sua pata dianteira em direção ao coração.
A facada não atingira o coração do bicho. Gritando desesperado, pressentindo a traição e a morte iminente, aqueles olhos vermelhos procuravam por todos aqueles em sua volta em quem confiara e recebera carinho, de mim especialmente, se debatendo não demorou, momentos depois, a perecer num segundo golpe, agora certeiro.
Seus olhos morreram fixados nos meus.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Eu era assim...

Esta garotinha sorridente de laço enorme no cabelo, quem é?
É a sempre sorridente Maria Emília M. Redi, escritora e poetisa

A viagem


A VIAGEM
Ludovico da Silva

A estação da pequena cidade servia para as despedidas das pessoas que viajavam. E sempre reunia muita gente, principalmente os amigos mais íntimos.Na rua principal morava um casal. Sem filhos. Marido e mulher gostavam de viajar, sempre juntos. Raramente um viajava sozinho. Quando isso acontecia, já haviam combinado a troca de correspondência, contando as belezas do lugar, as companhias, os passeios.E aconteceu que, certa vez, só a mulher viajou. Muita gente foi até a estação, para as despedidas. O marido ficou triste e os amigos, também.Como haviam combinado a troca de correspondência, ele ficou ansioso. O tempo foi passando e a mulher não mandava cartas.Foi daí que ele tomou da caneta e passou a escrever-lhe. As cartas voltavam. O carteiro sentia a mesma tristeza dele, a cada dia que portava uma carta de volta.E assim o tempo continuou passando. Muito tempo.Uma tarde o marido também viajou. A estação ficou cheia de amigos. Um a um se despediu dele, dizendo, com muito sentimento, um adeus.

terça-feira, 13 de abril de 2010

EGRÉGORA



Egrégora
Ivana Maria França de Negri

Muitos devem estar se perguntando: que raio de palavra é essa? Egrégora pode ser definida como o somatório das energias físicas, mentais, emocionais e espirituais que se misturam e se acumulam como nuvens, pairando invisivelmente sobre nossas cabeças. São as formas-pensamentos coletivas que se formam nas relações grupais.
Estão presentes em todos os lugares em que grupos, com afinidades e anseios comuns, se reúnem, como nos clubes, igrejas, empresas, nas associações, quando todas as energias se juntam formando uma entidade única e poderosa. E nos lares também.
Como nuvens voejando sobre nós, quando demasiado espessas, “chovem” expandindo seu poder de ação. As nuvens do céu se formam com o acúmulo de gotinhas d´água. As egrégoras se formam com o acúmulo dos pensamentos afins.
Nestes tempos turbulentos em que as pessoas têm muito medo da violência, vivem acuadas e não confiam umas nas outras, as auras tornam-se escuras, densas, e a humanidade toda vai se banhando nelas.
Pessoas mais evoluídas, de pensamentos puros e cheias de luz, mantêm suas auras mais acima dessas nuvens turvas e não são atingidas pela negatividade..
A eterna luta maniqueísta entre o Bem e o Mal manifesta-se diariamente nas diversas egrégoras que se formam. Elas são invisíveis e somente alguns, com sensibilidade apurada, conseguem visualizá-las.
No conceito místico filosófico, todo pensamento e emoção gerados por grupos, têm energia própria e podem circular livremente por qualquer ambiente.
A egrégora tem um grande poder porque é um concentrado de energias. E para ali convergem os espíritos com afinidades.
Num local onde são vendidas e consumidas bebidas alcoólicas, a energia é ruim e atrai bêbados encarnados e desencarnados que desejam saciar sua sede de álcool. Os encarnados sorvem a bebida e os desencarnados sugam a embriaguez do espírito.
Num hospital, a aura é a da cura, e tudo conspira para ajudar nesse processo. Assim como em reuniões regadas a bebidas, sexo e drogas, o ambiente carregado atrai acontecimentos ruins.
Numa igreja ou num culto, o intuito é ajudar, passar boas palavras e a egrégora nesses lugares é invariavelmente boa e como ela se alimenta dos mesmos pensamentos que a criaram, faz com que mais e mais energia seja gerada para abastecê-la. Assim, egrégoras nascidas de sentimentos de ódio e raiva exigem cada vez mais ódio e raiva para se fortificar. Ao passo que a egrégora criada por pensamentos benevolentes de amor e paz induz as pessoas nela agregadas a adotarem cada vez mais pensamentos amorosos e pacíficos.
As pessoas geralmente crêem que as ações são mais valiosas que os pensamentos, mas antes de realizar uma ação, há um pensamento anterior que a faz concretizar-se. Por isso a mente é poderosa, mas nós ainda não aprendemos a adestrá-la, a direcioná-la apenas para o lado bom.
Quando há incompatibilidade de egrégoras a pessoa fica desequilibrada, somatiza toda uma carga negativa gerando estresse, depressão, e num grau mais avançado, pode até originar enfermidades físicas.
Uma pessoa sozinha não consegue mudar uma aura negativa que foi criada através de muitas energias negativas juntas. Por isso é preciso juntar-se a grupos do bem para fortalecê-los, sempre canalizar as energias em algo positivo e benéfico para todos.