Milton Martins
Sempre que ia ao açougue naqueles tempos, já saindo da meninice, me dava um aperto no peito aqueles ganchos nos quais eram pendurados pedaços de cadáver de porco e boi.
Sempre no mesmo horário de domingo, frequentemente, um chinês dono de pastelaria próxima, aproveitava o moedor do açougue para preparar o recheio dos pasteis. Os filetes da carne moída e das pelancas que se misturavam caiam numa bacia imunda, meio amassada, contendo nas reentrâncias resíduos de outras moagens.Os pedaços de porco mais me impressionavam porque havia alguns anos assistira ao abate de um leitãozinho que circulava meio livre pelo quintal. Lá estava, presente que meu pai recebera, nem sei bem porque e de onde.Chegou o dia de ser abatido.
O vizinho afeito à matança desses animais se prontificara a não só abater o bicho já grandinho como retalhá-lo em pedaços para serem consumidos. O Natal seria comemorado dali a uns dias.
Numa manhã de domingo tal se consumou. O homem, já velho, curvado, nariz avantajado com crateras lunares, olhos avermelhados, sem expressão, de chapéu de feltro batido e desbotado, escondendo seus cabelos grisalhos, apropriou-se de uma faca enorme, agarrou sem dificuldades o porco porque habituado à presença de todos, segurou-o pelas costas apertado-o no seu peito com o braço esquerdo e com a mão direita desferiu o golpe abaixo de sua pata dianteira em direção ao coração.
A facada não atingira o coração do bicho. Gritando desesperado, pressentindo a traição e a morte iminente, aqueles olhos vermelhos procuravam por todos aqueles em sua volta em quem confiara e recebera carinho, de mim especialmente, se debatendo não demorou, momentos depois, a perecer num segundo golpe, agora certeiro.
Seus olhos morreram fixados nos meus.
Prezado Milton
ResponderExcluirEsse seu texto é a realidade que acontece a milhões de animais no mundo, todos os dias. Pena que as pessoas não tenham essa sensibilidade de captar o sofrimento deles.
Conseguiu me fazer chorar...
abrs
Ivana
Ivana
ResponderExcluirFiquei contente vom a publicação dessa crônica. Sobre ela, possa dizer:
1. É rigorosamente verdadeira. Pela minha vida simplória então, o que relatei não me afetou muito, mas NUNCA mais saiu da minha memória;
2. Foi dessa época que parei de comer pastéis de carne, uma iguaria tal o nojo;
3. Mais a frente teve início o meu apreço pelos animais a ponto de, há mais de 30 anos, excluir a carne de meu cardápio.
Homenagens
Milton Martins.
Ontem estive numa reunião de Taoístas e eles, anteriores ao budismo cultivam o vegetarianismo e que matar, mesmo animais é falta de misericórdia. Tem todo o sentido. É na infância, sem o conceitos que não são passados de uma sociedade carnívora, que percebemos o grito de um porco esfaqueado. Depois, como os torturadores que aprenderam praticando em animais, nos desuhumanizamos. Mas é cultural e um traço forte, meu também, porque sou um pseudovegetariano; contudo, me foi dito: Você não PÁRA de comer carne, você DEIXA de comer carne. Sim, no TAO a face original, a criança que sente mais que os conceitos disso e daquilo. Por isso admiro os que deixaram antes de mim. Porque não comer carne faz parte de uma mesma misericórdia e ser do humano. A totalidade e a harmonia do Universo.
ResponderExcluirCaros Camilo e Milton
ResponderExcluirEste é um blog de literatura, mas este assunto - vegetarianismo - é um dos meus favoritos. Sou adepta dessa alimentação há 25 anos e minha neta caçula, que completa 3 anos, jamais provou carne desde que nasceu. A carne não faz falta alguma na alimentação, ao contrario, só prejudica.
Mas a misericórdia a todos os seres da criação foi mesmo o que me levou a tomar essa decisão. Por que amar um cão e devorar um carneiro? Por que cuidar de um gatinho e matar um bezerro? Hipocrisias do ser humano...
veg abraços
Ivana Negri