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segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

História de uma noite de Natal

 



Leda Coletti

 

Na noite quente, aquela cidadezinha do interior paulista, está quase na sua totalidade acordada. As casas com as janelas abertas, iluminadas. Ë quase meia-noite. Um burburinho gostoso deixa escapar o som das músicas natalinas. O dia de Natal está prestes a raiar.

Os adultos, jovens e crianças da família Ducchi capricham nas vestimentas, calçados e cabelos, resultando visuais de lindos rostos e olhares cintilantes.

Ao chegarem à velha casa, agora só ocupada por avô Chico e avó Marieta, procuram esconder os embrulhos dos presentes, colocando-os rápido ao pé do imponente pinheiro que tremula com pequenas lâmpadas fluorescentes, dando vida às bolas coloridas, mensagens, penduradas nos seus verdes galhos.

            Uma grande mesa coberta por toalha de renda imaculadamente branca, está repleta de quitutes saborosos: panetones, bolo de nozes, tortas de frutas, salgadinhos, patês, bombons, queijos. Isso sem contar o que virá após os cumprimentos, quando ribombarem as doze badaladas do antigo relógio da casa: o peru, pernil, arroz com farofa, frango assado, maionese, diferentes tipos de massas etc. Para a maioria gulosa e disposta a esquecer possíveis regimes de emagrecimento, a festa estará completa.

Nem é preciso anunciar que a meia-noite chegou, pois as sirenes das fábricas tocam, os sinos da matriz batem festivos, rojões explodem, carros passam buzinando. Todos se abraçam. A cada estouro de champanhes abertas, se cumprimentam: -“Feliz Natal !” Logo em seguida se dirigem à mesa para a tradicional ceia. Esta transcorreu num ambiente de harmonia familiar.

Ao término da mesma, foi anunciada a revelação dos amigos secretos. Pela tradição, quem a inicia é o avô Chico, anfitrião dos filhos, genros, noras, netos, sobrinhos e agora do  primeiro bisneto.

Dizendo da satisfação de mais uma vez se congraçarem, insinua uma surpresa e sem se fazer esperado, mostra uma caixa forrada de papel vermelho lustroso amarrada com fita dourada. Pede para o filho mais velho abri-la. Suspense entre os presentes! Imaginam ser um par de calçados ou uma bolsa de couro. No entanto, o que surgiu foi outra caixa de tamanho médio, cheia de papéis picados. A curiosidade foi aumentando, ainda mais que do seu interior, o filho do meio retirou uma minúscula bandeja inoxidável. A expectativa chegou ao auge, quando a filha caçula encontrou uma terceira caixinha, muito bem enfeitada como as demais. Os homens vislumbram nela polpudos cheques dobrados; as mulheres, um deslumbrante colar ou pulseira; as crianças, brinquedos eletrônicos em miniaturas. Um Oh! misto surpresa-decepção se seguiu à exposição do conteúdo da caixa. Tratava-se simplesmente de duas nozes: uma inteira e outra partida ao meio.

Antes que alguém deixasse passar o incidente como mera “quebra-gelo” à  brincadeira do amigo secreto, o avô de bigode e cabelos grisalhos, falou :

-Meus queridos, quis usar esse estratagema, para cada um de nós refletir alguns minutos sobre o significado dessa maravilhosa noite de Natal !

Pegando a fruta nas mãos continuou:

-A noz inteira, representa a nossa vida- o que somos e  o que possuímos desde o nascimento até à idade adulta, através de bens herdados e adquiridos pelo nosso esforço e trabalhos pessoais. Já esses dois pedaços, ( apontava para as nozes partidas ), continuam parcelas importantes de nossa pessoa, mas não são únicas: doamos parte de nós próprios e nos tornamos co-participantes. Essa doação envolve pequenos serviços, renúncias materiais e imateriais, que espontaneamente oferecemos aos membros da família, bem como aos demais irmãos próximos ou distantes, independentes do sangue, raça, credo, posição social. Há uma partilha recíproca, porque na medida que damos algo, recebemos muito em troca, em bençãos e  alegrias. Isso nos aproxima do DEUS MENINO que hoje homenageamos. Seu ato de amor se despojando e solidarizando-se a nós, culminou na sua morte num madeiro em forma de cruz.

Com um gesto carinhoso abraçou ternamente  vó Marieta e ambos de mãos dadas, foram beijar a imagem do Menino Jesus no presépio, próximo ao pinheiro.

Nesse instante, como para dar culminância e assentimento às palavras do vô Chico, uma das bolas maiores que ornamentavam a árvore caiu, dividindo-se em duas sobre o tapete.

Um dos netos menores observando tal cena, irrompeu o silêncio que se seguiu e falou com espontaneidade infantil:

- Vejam a bola estava muito só. Quis doar-se e partilhar conosco sua alegria nessa Noite de Natal !  

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