Eloah
Margoni
Não sou mulher
chorona. Dura na queda até, às vezes me acho. Mas confesso eventualmente
deslizes. Ultimamente houve três; um quando vi e ouvi um vídeo das crianças de
Montese, Itália, cantando em português como o fazem anualmente, o hino da Força
Expedicionária Brasileira, em homenagem aos pracinhas que libertaram a cidade
dos nazistas durante a segunda guerra mundial. O segundo quando constatei terem
cortado e destruído meu jardim, com suas duas árvores e alguns arbustos, jardim
esse da casa na qual morei por doze anos e onde nasceram e viveram gerações
mais gerações de pássaros coloridos, amigos, e alguns gambás. E a terceira,
hoje, uma terça feira pela manhã. Mas para que compreendam o assalto por mim
sofrido pela última emoção, devo antes contar-lhes...
Há meses sai num final de tarde levando o cãozinho preto, querido e vira latas que mora conosco, dar uma volta. Cheguei a uma rua que conheço bem, mas estranhei a quantidade de pessoas paradas na calçada, quietas, com fisionomias expectantes. Tal rua costuma ser quase vazia. Mas existe um local para eventos ali; ocorreu-me que talvez se tratasse de curso ou seminário a acontecer no lugar. Não era, e seguindo mais um pouco vi a causa do movimento. Dentro de um estacionamento que também existe ali, deitada no chão e com a cabeça no colo de um rapaz, encontrava-se uma moça com a perna esquerda absolutamente escangalhada nas regiões do joelho e pré-tibial; poça de sangue no chão. O impressionante é que ela não berrava, como teria o total direito e como se esperaria. Só dizia, gemendo:
- Ái, que dor na perna! Que dor!
Eu, com o cachorro, não poderia me aproximar, mas percebendo tratar-se de um atropelamento, recomendei que a jovem fosse colocada com o pescoço reto, no nível do solo (só que ninguém ligou) e indaguei se já fora chamado o resgate. Segui então para casa onde deixei o cão e voltei para o lugar. O resgate já havia chegado, a moça estava dentro dele, com colar cervical e tudo. Dirigi-me ao estacionamento para saber detalhes. Soube que a jovem não tinha sido atropelada na rua como supunha, e sim lá dentro mesmo. Fora buscar um carro e o manobrista, um rapaz que não sabia o que fazia ali, atropelou-a com o mesmo. Eu disse ao dono do estacionamento, um jovem também que não parecia muito abalado com o assunto, que a responsabilidade era de ambos e que a garota nunca ficaria com aquela perna normal, na melhor das hipóteses.
Semanas e alguns meses se passaram. Andando por lá, lembrava-me constantemente da jovem. Queria muito saber dela, como se saíra na cirurgia. No entanto não tinha sequer seu nome e seria inútil indagar ao dono do estacionamento, um moço com quem já não tivera uma conversa simpática. Desejava muito ter notícias! Notem essa mistura de senso maternal e de acolhimento de quem se apegou à medicina, que nos toma...
Pois bem, hoje pela manhã, uma jovem, muito bela por sinal, aguardava para exame pericial. Isso para carteira de habilitação de pessoas portadoras de necessidades especiais (deficientes). Usava uma saia longa e muletas. Ajudei-a entrar na sala de exames, e na sequência indaguei o que ocorrera. Talvez só tivesse feito alguma cirurgia. Ela relatou amputação do membro inferior esquerdo e eu soube imediatamente ser a mesma garota. Ela acrescentou que tinha sido atropelada dentro de um estacionamento, por incrível que parecesse. Disse-lhe eu que não só acreditava nisso, como fora testemunha do fato.
Senti-me tomada de grande comoção e só me controlei porque era necessário. Ali estava corajosa e bonita moça contando-me, com sobriedade, detalhes do ocorrido, que ficara três meses hospitalizada, que fizera doze intervenções cirúrgicas na tentativa de lhe salvarem a perna, mas que isso fora impossível. Falava da prótese que deveria colocar (particularmente claro, às suas expensas) esperançosa, porque a mesma lhe permitiria independência. Parecia já ter trabalhado bem aquela incongruência surreal de estar no lugar errado, na hora errada e com um manobrista errado e incapaz de lidar com o veículo, que nem era dela explicou-me. Um amigo pediu-lhe que fosse buscar. Pedira antes a duas outras pessoas não quiseram ir, mas ela disse sim.
Enfim, pensei que eu desabaria num pranto, porém seria inconveniente no momento. Então não o fiz. Como sou prática, preferi oferecer-me como testemunha do caso, se ela o levasse à frente, a investigações maiores ou processos, o que me parece essencial até.
Era o que eu podia fazer... e abracei-a no final. Isso também era cabível ser feito. Então o fiz.
Há meses sai num final de tarde levando o cãozinho preto, querido e vira latas que mora conosco, dar uma volta. Cheguei a uma rua que conheço bem, mas estranhei a quantidade de pessoas paradas na calçada, quietas, com fisionomias expectantes. Tal rua costuma ser quase vazia. Mas existe um local para eventos ali; ocorreu-me que talvez se tratasse de curso ou seminário a acontecer no lugar. Não era, e seguindo mais um pouco vi a causa do movimento. Dentro de um estacionamento que também existe ali, deitada no chão e com a cabeça no colo de um rapaz, encontrava-se uma moça com a perna esquerda absolutamente escangalhada nas regiões do joelho e pré-tibial; poça de sangue no chão. O impressionante é que ela não berrava, como teria o total direito e como se esperaria. Só dizia, gemendo:
- Ái, que dor na perna! Que dor!
Eu, com o cachorro, não poderia me aproximar, mas percebendo tratar-se de um atropelamento, recomendei que a jovem fosse colocada com o pescoço reto, no nível do solo (só que ninguém ligou) e indaguei se já fora chamado o resgate. Segui então para casa onde deixei o cão e voltei para o lugar. O resgate já havia chegado, a moça estava dentro dele, com colar cervical e tudo. Dirigi-me ao estacionamento para saber detalhes. Soube que a jovem não tinha sido atropelada na rua como supunha, e sim lá dentro mesmo. Fora buscar um carro e o manobrista, um rapaz que não sabia o que fazia ali, atropelou-a com o mesmo. Eu disse ao dono do estacionamento, um jovem também que não parecia muito abalado com o assunto, que a responsabilidade era de ambos e que a garota nunca ficaria com aquela perna normal, na melhor das hipóteses.
Semanas e alguns meses se passaram. Andando por lá, lembrava-me constantemente da jovem. Queria muito saber dela, como se saíra na cirurgia. No entanto não tinha sequer seu nome e seria inútil indagar ao dono do estacionamento, um moço com quem já não tivera uma conversa simpática. Desejava muito ter notícias! Notem essa mistura de senso maternal e de acolhimento de quem se apegou à medicina, que nos toma...
Pois bem, hoje pela manhã, uma jovem, muito bela por sinal, aguardava para exame pericial. Isso para carteira de habilitação de pessoas portadoras de necessidades especiais (deficientes). Usava uma saia longa e muletas. Ajudei-a entrar na sala de exames, e na sequência indaguei o que ocorrera. Talvez só tivesse feito alguma cirurgia. Ela relatou amputação do membro inferior esquerdo e eu soube imediatamente ser a mesma garota. Ela acrescentou que tinha sido atropelada dentro de um estacionamento, por incrível que parecesse. Disse-lhe eu que não só acreditava nisso, como fora testemunha do fato.
Senti-me tomada de grande comoção e só me controlei porque era necessário. Ali estava corajosa e bonita moça contando-me, com sobriedade, detalhes do ocorrido, que ficara três meses hospitalizada, que fizera doze intervenções cirúrgicas na tentativa de lhe salvarem a perna, mas que isso fora impossível. Falava da prótese que deveria colocar (particularmente claro, às suas expensas) esperançosa, porque a mesma lhe permitiria independência. Parecia já ter trabalhado bem aquela incongruência surreal de estar no lugar errado, na hora errada e com um manobrista errado e incapaz de lidar com o veículo, que nem era dela explicou-me. Um amigo pediu-lhe que fosse buscar. Pedira antes a duas outras pessoas não quiseram ir, mas ela disse sim.
Enfim, pensei que eu desabaria num pranto, porém seria inconveniente no momento. Então não o fiz. Como sou prática, preferi oferecer-me como testemunha do caso, se ela o levasse à frente, a investigações maiores ou processos, o que me parece essencial até.
Era o que eu podia fazer... e abracei-a no final. Isso também era cabível ser feito. Então o fiz.
Prezada Amiga Eloah - belo gesto de solidariedade o seu. Muito nos emocionou esse episódio. Como a vida nos pega sem mais nem menos. Um abraço e obrigado pelo gesto de amor ao poróximo e de civilidade.
ResponderExcluirPlinio