Na ponta da língua
Olivaldo Júnior
O que Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e
Príncipe e Timor-Leste têm em comum? A resposta está
na ponta da língua: a Língua Portuguesa. O idioma de Camões e do analfabeto, a
língua que cheira a azeite, o código que (de)cifra nossa alma, a Língua Portuguesa tem seu dia no
Brasil em 5 de novembro, mesmo dia em que nascera Rui Barbosa, importante
literato brasileiro, famoso por viver estudando a língua em que todos os
lusófonos reluzem. Reluzem como José, o Saramago, que escreve
torto por linhas certas e acerta em cheio: a cegueira do homem é sua falta de
amor. Bingo!
Quem escreve em português sabe como essa
língua é astuta. Qual lobo em pele de cordeiro, corteja o poeta, seduz o
escritor, engana quem dela se julga senhor. Mal sai o sol, mal chega a lua, dia
a dia, noite adentro, quem lida com a língua vive à míngua, numa fome de
tê-la no âmago, na parte mais frágil do estômago, só para ver se mata a fome de
ser quem experimenta ser ao estar enfeitiçado por ela. Como
era mesmo chamado Machado de Assis? Ah, lembrei! De "Bruxo do Cosme
Velho". E Clarice Lispector? De feiticeira, ou seja, bruxa. Bem, talvez
esses grandes autores tenham se tornado assim para lograr a língua que temos.
A Lei nº 11.310, de 12 de junho de 2006, é a
lei brasileira que institucionaliza o dia 5 de novembro como a data oficial
para nos lembrarmos daquela que jamais nos
esquecemos. Na voz serena da mãe ao pé do berço e na voz suave do pai a nossa mão (a quem acudimos com os
primeiros sons guturais de nossa fala), no canto cívico em dia pátrio na escola, na cola
que o amigo nos passa em dia de prova, na jura de amor declarada ao primeiro eleito (bem ao pé do
ouvido), no "sim" que ofertamos ao que nos conquista e no "não" que entregamos ao que nos
repulsa, a língua que temos nos tem e fala por nós e, às vezes, nos tolhe e nos cala.
Ensinar alguém
a falar e a escrever melhor era uma meta a ser atingida. Aí, os revezes da vida
viraram meu barco e, igual a Camões, que, entre salvar o manuscrito de Os
Lusíadas e sua amada Dinameme, preferiu salvar o
primeiro, preferi salvar a mim mesmo, e meu sonho foi ficando distante. "O
homem atrás do bigode / é sério, simples e forte. / Quase não conversa. / Tem
poucos, raros amigos / o homem atrás dos óculos e do bigode."... Drummond,
Drummond!... Se eu tivesse bigode e usasse óculos, seria o homem que ele descreve em seu famoso poema. O homem que fala e escreve em idioma português sua insistência brasileira.
Vaga-lumes deles mesmos,
sabiás na janela do Face, do Instagram e do Whats, cantam sem música por um pouco de amor, um mero olhar de outro vaga-lume, próximo sabiá, semelhantes a eles em sua "praia", em triste fado.
Igualmente tristes, nós, os pretensiosos desenvolvedores da língua, citamos e
vivenciamos Bandeira, macaqueando a sintaxe lusíada, que está na ponta da
língua, a mesma com que lambemos as horas, todas as rosas,
flores e espinhos da Língua Portuguesa. Nós, bruxos, feiticeiras, solitários e
sem ninguém, que acendemos outra vela, ou um lampíão qualquer, e
começamos a (a)fiar
nossa lusa "espada".
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