Duas suecas na Austrália
William Moffitt Harris
Meu tio Julian, único irmão de minha mãe, após participar por cerca de três anos das fileiras do exército britânico na fronteira noroeste da Índia, deu baixa e foi com mais dois amigos para o interior da Austrália. Naquele tempo havia um projeto de colonização, interiorização e desenvolvimento sócio-econômico por parte do governo que previa alocar ex-combatentes numa reforma agrária onde distribuíam-se, por cabeça, glebas de um determinado tamanho em troca de um árduo trabalho por cinco anos. O plano consistia em fornecer as mínimas condições necessárias para a sobrevivência dos contratados, fornecendo-lhes barracas, mantimentos e implementos agrícolas desde equipamentos até sementes e assessoria técnica especializada. Na área onde aportaram meu tio e seus amigos, apenas o algodão fazia parte do projeto do governo. Nada mais podia-se plantar.
Havia na área dezenas de rapazes e algumas pessoas mais velhas que se instalaram na região como mão-de-obra. Agrupavam as barracas formando pequenas e alegres comunidades onde à noite, em torno da fogueira, bebiam, cantavam, dançavam e trocavam as piadas mais escabrosas do mundo. Vez por outra davam uma escapadinha para a cidade mais próxima a fim de encontrarem-se com raparigas de programa. Não havia condições para mulheres morarem nestes acampamentos devido às suas condições rústicas.
Um senhor sueco, bem mais velho que os rapazes estava lá havia uns quinze anos quando meu tio e seus amigos chegaram. Participava de todas as tarefas do acampamento, cortando lenha, fazendo a comida e cuidando da limpeza em rodízio com seus companheiros. Cantava bem, bebia como um gambá e tinha sempre um chorrilho de piadas para contar. Sua família enviava-lhe, ocasionalmente, correspondência incluindo fotos, algumas revistas e livros em sueco e inglês que ele repassava aos jovens.
A fim de tranquilizar a família, ele contava em suas cartas como apreciava o pôr-do-sol de sua varanda enquanto saboreava uma gintônica e como eram atenciosos os empregados. Descrevia com detalhes o sucesso que vinha tendo com seu gado. Pintava um quadro bucólico de felicidade e realização pessoal como fazendeiro. Os pernilongos incomodavam um pouco, sim, e o sol era particularmente muito ardido. Prometia, ano após ano, que iria logo se aposentar e voltar para sua terra.
De repente sua esposa faleceu. As suas duas filhas, agora já crescidas e donas de seus narizes, venderam sua propriedade na Suécia, compraram roupas novas, fizeram as malas e viajaram para a Austrália. Com bastante dificuldade, indagando aqui e acolá, fazendo várias baldeações em jardineiras bem desconfortáveis, acabaram surpreendendo seu velho pai e a todos com sua súbita aparição no acampamento no fim de uma bela tarde de sol, de tailleur e saltos altos.
Foi um corre-corre. As duas foram foco de atenção de todos os rapazes que agora, inclusive, cuidavam melhor da aparência, com roupas limpas, barba feita e tentativas de pequenos flerts. Boa parte deles não havia visto uma mulher durante meses a fio. As duas não falavam o inglês, o que dificultara muito sua chegada até o local. Não estavam acostumadas, certamente, a comunicar-se por mímica ou através do único interprete disponível, seu pai.
Um dos rapazes cedeu a sua barraca, que estava em melhores condições e outros dois construíram um reservado com fossa seca, acoplado a um chuveiro improvisado.
Após um convívio relativamente tranquilo de três ou quatro semanas, durante as quais as duas tentaram por toda a lei convencer o pai a retornar à pátria-mãe, houve um episódio que encerrou esta súbita visita e experiência australiana.
O acampamento foi repentinamente acordado de madrugada com os gritos desesperados das duas moças. Acenderam-se os lampiões e meia dúzia de pessoas saíram de suas barracas, inclusive o velho pai com sua lanterna nova que as duas haviam trazido da Suécia de presente. Ao sair de sua barraca o sueco apanhou um porrete que usava para matar cobras. O grupo correu para a barraca das moças, que ficava um pouco mais retirada a fim de lhes garantir um pouco de privacidade.
Um dos dois rapazes bêbedos já estava caindo fora da barraca segurando um dos olhos que havia machucado na refrega e outro lá dentro tentava, evidentemente, estuprar uma das moças. O grupo deixou a coisa por conta do velho que, literalmente, arrastou o rapaz para fora e lhe deu uma violenta sova com o porrete. Ainda correu atrás do outro que se refugiara no meio do grupo, levou-o para a clareira e só ficou satisfeito ao vê-lo desacordado de tanto que lhe atingira a cabeça. Estava furioso e, cuspindo fogo, tirou o revólver do coldre, mostrando-o ao grupo que agora já tinha engrossado com a presença de praticamente todos do acampamento.
- Se isto acontecer de novo, não hesitarei em matar a qualquer um de vocês. Entenderam?
Daí a dois dias, o velho sueco acompanhou suas filhas até o ônibus na estrada que ficava a quase dois quilômetros do acampamento. Deu instruções e algum dinheiro extra, além da passagem para o motorista, e despediu-se das duas. Desejou-lhes uma boa viagem e garantiu que jamais voltaria àquele clima frio da Suécia. Pediu-lhes que continuassem a escrever e enviar fotos.
Apresentado ao ramal paulista da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - SOBRAMES em sua 176a Pizza Literária (17/03/05), na Jornada dos 40 Anos da Fundação da SOBRAMES (APM em S.Paulo, 05/05/05), na III Jornada Nacional da SOBRAMES (Fortaleza, 11/08/05) e aos Núcleos de Santos (05/11/05), de Santo André (30/09/06), de Araçatuba (21/10/06), de Taubaté (03/03/07), de Piracicaba (10/03/07) e de Ribeirão Preto (24/03/07) do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL. Apresentado também em 14/05/07 na tertúlia literária (Academia em Poesia) realizada pela Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus “ em S. Vicente - SP. Apresentado em S. Gonçalo do Sapucaí – MG, em 12/07/10, na reunião literária do Movimento Literário Saberes e Sabores – MLSS. Pediatra Sanitarista, Prof. Doutor aposentado da Faculdade de Saúde Pública da USP; Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do MMCL; Membro Titular desde 2003 da Associação Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES (BR, CE, PE e RS); Separatista e Dissidente da SOBRAMES-SP; Membro Honorário e Correspondente da Academia Maceioense de Letras; Membro Titular da Sociedade Brasileira de História da Medicina; Sócio Titular da Associação Paulista de Medicina; Membro Associado Remido da Associação dos Médicos de Santos. Associado Efetivo da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente – SP.
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