Reminiscências de um carnaval mágico
Ivana Maria França de Negri
Que se lembrasse, desde que se entendia por gente, não gostava de carnaval. Achava aquilo tudo uma grande bobagem, o barulho atordoante, uma afronta aos seus ouvidos acostumados a ouvir música suave.
Nunca entendeu o significado daquela agitação toda e quais os benefícios que essa loucura coletiva, regada a suor e bebida alcoólica, poderia trazer às pessoas.
Sua mãe até que tentara fazer com que gostasse da festa. Levou-a mais de uma vez às matinês infantis dos clubes da cidade. Ficava desesperada e não via a hora da tortura terminar, de poder tirar a fantasia sufocante e livrar-se do batuque infernal que feria seus ouvidos delicados. Queria chegar logo em casa, tomar um bom banho, livrar-se da fantasia e recolher-se no refúgio aconchegante e silencioso do seu quarto. Daí sim, sentia-se muito bem, envolvida na penumbra do quebra-luz e podia devanear à vontade.
Amava ler, e lia muito, tudo o que lhe chegasse às mãos. Seu pai a compreendia. Ele também gostava do mundo mágico dos livros e, por isso, num carnaval da sua infância, mais precisamente no décimo, ele presenteou-a com uma jóia rara que a acompanhou pelo resto da vida: uma coleção completa dos livros de Monteiro Lobato. Começou a devorar livro por livro e mergulhou no voo que lhe ofereciam as asas da fantasia infantil. Conheceu a impagável boneca de pano Emília, espevitada Marquesa de Rabicó, e também o erudito Visconde de Sabugosa, a sonhadora Narizinho, o travesso Pedrinho, amou a dona Benta como se fosse a sua própria avó e ficava com água na boca pelos quitutes da Tia Nastácia.
Ficava por horas seguidas lendo e relendo cada trecho, como que para assimilá-los e nunca mais esquecê-los, vivenciando cada um deles, como se ela própria fizesse parte da história, e chegava assim às raias da felicidade. Depois daquele presente, nunca mais foi a mesma. Tinha entrado no mundo maravilhoso da literatura, e pela porta encantada que nem todos têm a sorte de ter acesso no decorrer de suas vidas.
Na adolescência começou a escrever romances e nunca mais parou. Enquanto as amigas iam se divertir nos bailes de carnaval, ela produzia textos e mais textos, criava histórias, tramas, e ficava muito tempo confinada no refúgio seguro do seu quarto enquanto a festa pagã rolava lá fora e os batuques soavam distantes do seu mundo.
Alguns anos mais tarde, tornou-se escritora de renome e obteve merecido sucesso com as histórias que tecia, apreciadas por leitores do mundo todo.
Não ficou rica, mas tinha uma vida sem privações. Até comprou um pequeno sítio, seu grande sonho, onde plantou as mais variadas espécies de flores e mantinha animais que recolhia das ruas, gatos, cachorros, pequenos roedores, e todos compartilhavam de harmoniosa convivência.
Quando se aproximavam os festejos de Momo, ela se recolhia ao seu paraíso particular para escrever e, de seu fértil imaginário, surgiam os mais belos contos e romances, que enterneciam os corações cansados e sofridos de milhares de pessoas, tão carentes da beleza pura que irradiam palavras bem colocadas.
E pensar que tudo começou num longínquo carnaval da infância, quando seu pai lhe deu o melhor presente que uma menina sonhadora poderia ganhar: conhecer o mundo mágico de Monteiro Lobato e enveredar pelas trilhas enfeitiçadas da literatura.
Ivana Maria França de Negri
Que se lembrasse, desde que se entendia por gente, não gostava de carnaval. Achava aquilo tudo uma grande bobagem, o barulho atordoante, uma afronta aos seus ouvidos acostumados a ouvir música suave.
Nunca entendeu o significado daquela agitação toda e quais os benefícios que essa loucura coletiva, regada a suor e bebida alcoólica, poderia trazer às pessoas.
Sua mãe até que tentara fazer com que gostasse da festa. Levou-a mais de uma vez às matinês infantis dos clubes da cidade. Ficava desesperada e não via a hora da tortura terminar, de poder tirar a fantasia sufocante e livrar-se do batuque infernal que feria seus ouvidos delicados. Queria chegar logo em casa, tomar um bom banho, livrar-se da fantasia e recolher-se no refúgio aconchegante e silencioso do seu quarto. Daí sim, sentia-se muito bem, envolvida na penumbra do quebra-luz e podia devanear à vontade.
Amava ler, e lia muito, tudo o que lhe chegasse às mãos. Seu pai a compreendia. Ele também gostava do mundo mágico dos livros e, por isso, num carnaval da sua infância, mais precisamente no décimo, ele presenteou-a com uma jóia rara que a acompanhou pelo resto da vida: uma coleção completa dos livros de Monteiro Lobato. Começou a devorar livro por livro e mergulhou no voo que lhe ofereciam as asas da fantasia infantil. Conheceu a impagável boneca de pano Emília, espevitada Marquesa de Rabicó, e também o erudito Visconde de Sabugosa, a sonhadora Narizinho, o travesso Pedrinho, amou a dona Benta como se fosse a sua própria avó e ficava com água na boca pelos quitutes da Tia Nastácia.
Ficava por horas seguidas lendo e relendo cada trecho, como que para assimilá-los e nunca mais esquecê-los, vivenciando cada um deles, como se ela própria fizesse parte da história, e chegava assim às raias da felicidade. Depois daquele presente, nunca mais foi a mesma. Tinha entrado no mundo maravilhoso da literatura, e pela porta encantada que nem todos têm a sorte de ter acesso no decorrer de suas vidas.
Na adolescência começou a escrever romances e nunca mais parou. Enquanto as amigas iam se divertir nos bailes de carnaval, ela produzia textos e mais textos, criava histórias, tramas, e ficava muito tempo confinada no refúgio seguro do seu quarto enquanto a festa pagã rolava lá fora e os batuques soavam distantes do seu mundo.
Alguns anos mais tarde, tornou-se escritora de renome e obteve merecido sucesso com as histórias que tecia, apreciadas por leitores do mundo todo.
Não ficou rica, mas tinha uma vida sem privações. Até comprou um pequeno sítio, seu grande sonho, onde plantou as mais variadas espécies de flores e mantinha animais que recolhia das ruas, gatos, cachorros, pequenos roedores, e todos compartilhavam de harmoniosa convivência.
Quando se aproximavam os festejos de Momo, ela se recolhia ao seu paraíso particular para escrever e, de seu fértil imaginário, surgiam os mais belos contos e romances, que enterneciam os corações cansados e sofridos de milhares de pessoas, tão carentes da beleza pura que irradiam palavras bem colocadas.
E pensar que tudo começou num longínquo carnaval da infância, quando seu pai lhe deu o melhor presente que uma menina sonhadora poderia ganhar: conhecer o mundo mágico de Monteiro Lobato e enveredar pelas trilhas enfeitiçadas da literatura.
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